PENTATEUCO KARDEQUIANO

PENTATEUCO  KARDEQUIANO
OBRAS BÁSICAS

terça-feira, janeiro 26, 2016

A REENCARNAÇÃO – GABRIEL DELANNE - CAP VI A MEMÓRIA INTEGRAL


[...]   Assim sendo, qual o papel do sistema nervoso, durante a vida?
É incontestável que a integridade da memória está ligada ao bom funcionamento do cérebro, porque muitas moléstias que atingem esse órgão têm como resultado enfraquecer e mesmo suprimir, completamente, a memória dos acontecimentos recentes, em totalidade ou em parte.
Parece, pois, evidente, que, durante a vida, o cérebro é uma condição indispensável da memória. Mas aqui intervém uma segunda consideração, que me parece também da mais alta importância. É que o esquecimento que se verifica durante o curso da vida, ou depois das desordens orgânicas, não é fundamental, irredutível, mas aparente, visto que, por meio de diversos processos, é possível, por vezes, fazer renascerem essas lembranças, que pareciam aniquiladas para sempre.
Vamos demonstrá-lo por diversos exemplos.
Antes, porém, não é inútil lembrar algumas noções muito gerais, relativas a esse fenômeno misterioso, que ressuscita o passado e no-lo torna, por assim dizer, atual.
Segundo Ribot, a memória compreende, na acepção corrente da palavra: a conservação de certos estados, sua reprodução, sua localização no passado. Isto não é, entretanto, senão uma espécie de memória, a que se pode chamar perfeita. Aqueles três elementos são de valor desigual; os dois primeiros são necessários, indispensáveis; o terceiro, que na linguagem de escola se chama de reconhecimento, completa a memória, mas não a constitui.
O fato me parece tanto mais verdadeiro, quanto a lembrança está ligada, durante a vida, ao bom funcionamento do sistema nervoso. Mas, se a memória parece falha, não quer isto dizer que as lembranças fiquem aniquiladas, senão que o poder de as acordar foi momentaneamente paralisado, e que pode reaparecer quando as causas que o suprimiram cessarem de existir.
O termo geral de memória compreende muitas variedades, e, entre os diversos indivíduos, o poder de renovação das sensações antigas é muito diferente. Uns possuem a memória visual muito desenvolvida, como os pintores Horace Vernet ou Gustave Doré, que podiam fazer um retrato de memória; em outros é o senso musical que atinge alto grau de perfeição, como Mozart, que escreveu o Miserere da Capeia Sistina, tendo-o ouvido apenas duas vezes.
Entretanto, para que uma sensação fique registrada em nós, duas condições, pelo menos, são necessárias: a intensidade e a duração.
Eis, segundo Ribot, a importância desses dois fatores (60)
A intensidade é uma condição de caráter muito variado. Nossos estados de consciência lutam sem cessar para se suplantarem; a vitória pode resultar da força do vencedor ou da fraqueza dos outros lutadores. Sabemos que o mais vivo estado pode decrescer continuamente, até o momento em que cai abaixo do umbral da consciência, isto é, em que uma de suas condições de existência faz falta. E bem certo dizer que a consciência, em todos os degraus possíveis, por menores que sejam, admite modalidades infinitas - estados a que Maudsley chama subconscientes - mas nada autoriza a dizer que esse decrescimento não tenha limite, posto que ele nos escape.
Não se tem tratado da duração, como condição necessária da consciência. Ela é, entretanto, capital.
Os trabalhos executados há uns 30 anos determinaram o tempo necessário para as diversas percepções. Ainda que os resultados variem segundo os experimentadores, as pessoas, as circunstâncias e a natureza dos estados psíquicos estudados, está, pelo menos, estabelecido que cada ato psíquico requer uma duração apreciável e que a pretendida rapidez infinita do pensamento não passa de uma metáfora.
Isto posto, é claro que toda ação nervosa, cuja duração é inferior à que requer a ação psíquica, não pode despertar a consciência.
Acrescentemos que é preciso, ainda, fazer intervir a atenção, para que uma sensação se torne consciente. E notório, com efeito, que, se somos absorvidos por um trabalho interessante, não ouviremos mais o som do timbre do pêndulo, que, entretanto, fere sempre o nosso ouvido com a mesma força. Nosso espírito, ocupado alhures, não transforma esta sensação em percepção, isto é, nós não temos dela consciência.
E muito curioso fazer observar que as sensações despercebidas pelo eu normal podem reaparecer, colocado o paciente em sono magnético.
Eis um exemplo tomado a Desseoir:
X..., absorvido pela leitura, entre amigos que conversavam, teve subitamente sua atenção despertada, ouvindo pronunciar-lhe o nome. Perguntou aos amigos o que tinham dito dele. Não lhe responderam; hipnotizaram-no. No sono, pôde repetir toda a conversa que havia escapado ao seu eu acordado. Ainda mais notáveis é o fato assinalado por Edmond Gurney e outros observadores, o de que o paciente hipnótico pode apanhar o cochicho de seu magnetizador, mesmo quando este está no meio de pessoas que conversam em alta voz.
Nestes exemplos, a duração e a intensidade foram suficientes para gravar no sistema nervoso e no perispírito as palavras pronunciadas; mas, fazendo falta a atenção, não se produziu à memória consciente do estado de vigília, e o Indivíduo ignorou o que dele se disse; adormecido magneticamente, esse estado vibratório geral, a que  os fisiologistas chamam sinestesia, aumentou, as vibrações auditivas tornaram-se mais intensas e o paciente pôde então delas tomar conhecimento.
Não são, apenas, as lembranças do estado de vigília que o sonambulismo reconstituí, mas também as dos estados sonambúlicos anteriores, por forma que parece existir no mesmo indivíduo duas espécies de lembranças perfeitamente coordenadas, que se ignoram completamente. A observação que segue é disto palpitante exemplo (61)
     O Dr. Dufay, senador de Loire-et-Cher, publicou a observação sobre uma jovem que, em acesso de sonambulismo, tinha fechado numa gaveta joias que pertenciam à sua patroa. Esta, não encontrando as joias no lugar em que as deixara, acusou a criada de as haver roubado. A pobre moça protestava sua inocência, mas não podia dar qualquer esclarecimento sobre a desaparição dos objetos perdidos. Foi posta na prisão de Blois. O Dr. Dufay  era então médico do presídio. Conhecia a detenta, por ter feito nela algumas experiências de hipnotismo. Adormeceu-a e interrogou-a sobre o delito de que a acusavam; ela lhe contou, então, com todos os pormenores desejáveis, que nunca houvera intenção de roubar a patroa, mas, que uma noite lhe viera à ideia de que certas joias pertencentes à senhora não estavam em segurança, no móvel em que se achavam, e que, por isso, as fechara em outro móvel. O juiz de instrução foi informado desta revelação. Dirigiu-se ele à casa da senhora roubada e achou as joias na gaveta indicada pela sonâmbula. Ficou claramente demonstrada a inocência da detenta e ela foi posta desde logo em liberdade. [...]

(60) Les Maladies de Ia Mémoire, pág. 23.

(61) Pitres - Leçons sur 1'Hysterie et i'Hypnotisme, pag. 200.

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