Deus na Natureza – 5ª edição
Camille Flammarion
Introdução
Destina-se esta obra a representar o estado atual dos nossos
conhecimentos precisos, sobre a Natureza e o homem.
A exposição
dos últimos resultados a que atingiu a inteligência humana no estudo da Criação
é, ao nosso ver, a verdadeira base sobre a qual se há de fundar doravante toda
a convicção filosófica e religiosa. Em nome das leis da razão, tão solidamente
justificadas pelo progresso contemporâneo e por força dos inelutáveis princípios
constituintes da lógica e do método, pareceu-nos que só através das ciências
positivas deveremos prosseguir na pesquisa da verdade.
Se temos, de
fato, a ambição de chegar pessoalmente à solução do maior dos problemas; se
estamos sôfregos de atingir, por nós mesmos, uma crença na qual encontremos
repouso e pábulo de vida; se nos anima, ao demais, o legítimo desejo de
transmitir ao próximo a consolação que já encontramos; – não temamos nunca
afirmá-lo ser na ciência experimental que devemos procurar os elementos de
cognição, só com ela devendo marchar.
O cepticismo
e a dúvida universal imperam no âmago de nossa alma e nosso olhar escrutador,
que nenhuma ilusão fascina, vigila na cripta dos nossos pensamentos. Não nos
despraz que assim seja. Não lastimemos que Deus não nos houvesse tudo revelado
ao criar-nos, dando-nos contudo o direito de discutir. Essa prerrogativa do
nosso ser é ótima em si mesma, como condição maior de progresso. Mas, se o
cepticismo nos atalaia vigilante, também a necessidade de crença nos atrai.
Podemos
duvidar, certo, sem por isso nos isentarmos do insaciável desejo de conhecer e
saber. Uma crença torna-se-nos imprescindível. Os espíritos que se vangloriam
de não a possuírem são os mais ameaçados de cair na superstição ou de anular-se
na indiferença.
O homem tem,
por natureza, uma necessidade tão imperiosa de firmar-se numa convicção –,
particularmente quanto à existência de um coordenador do mundo e da destinação
dos seres – que, quando não encontra uma fé satisfatória, experimenta a necessidade
de se demonstrar a si mesmo que esse Deus não existe e busca, então, repousar o
espírito no ateísmo e no niilismo.
Diga-se,
também, já não ser a questão que ora nos apaixona, a de sabermos qual a forma
do Criador, o caráter da mediação, a influência da graça, nem discutir,
tampouco, o valor de argumentos teológicos. A verdadeira questão é saber se
Deus existe ou não.
Note-se que,
em geral, a negativa é patrocinada pelos experimentalistas da ciência positiva,
enquanto a afirmativa se ampara nos indivíduos estranhos ao movimento
científico.
Qualquer
observador atento pode, ao presente, apreciar no mundo pensante duas tendências
diametralmente opostas.
De um lado,
químicos ocupados em tratar e triturar, nos seus laboratórios, os fatos
materiais da ciência moderna, por lhes extrair a essência e quinta-essência, a
declararem que a presença de Deus jamais se manifesta em suas manipulações.
Doutro lado,
teólogos acocorados entre poeirentos manuscritos de bibliotecas góticas
compulsando, folheando, interrogando, traduzindo, compilando, citando e
recitando versículos dogmáticos, e declarando, com o anjo Rafael, que da pupila
esquerda à pupila direita do Padre-Eterno medeiam trinta mil léguas de um
milhão de varas, cada qual equivalente a quatro e meia vezes o comprimento da
mão.
Queremos
crer que de ambos os lados haja boa fé, que os segundos, como os primeiros,
estejam animados do propósito de conhecer a verdade. Pretendem os primeiros
representar a Filosofia do século 20, enquanto os segundos guardam, respeitosos,
a do século 15. Os primeiros, passam por Deus sem O ver, como o aeronauta que
sulca o espaço celeste, enquanto os segundos focalizam um prisma que retrai a
imagem, colorindo-a.
O observador
imparcial e independente que procura explicar-lhes suas tendências contrárias,
admira-se de os ver obstinados no seu sistema particular e pergunta a si mesmo
se será verdadeiramente impossível interrogar, de um modo direto, este vasto
Universo e chegar a ver Deus na Natureza.
Por nós,
isentos de qualquer sectarismo, sentimo-nos à vontade em equacionar o problema.
Diante do panorama da vida terrestre; no âmbito da Natureza radiosa à luz do
Sol, beirando mares bravios ou fontes múrmuras; entre paisagens de Outono ou
florações de Abril; tanto quanto no silêncio das noites estreladas, temos
procurado Deus. A Natureza, interpretada com a Ciência, foi quem no-lo
demonstrou num caráter particular. De fato, Ele está nela, visível, como a
força íntima de todas as coisas. Temos considerado na Natureza as relações harmônicas
que constituem a beleza real do mundo e, na estética das coisas, encontramos a
manifestação gloriosa do pensamento supremo.
Nenhuma
poesia humana se nos figurou comparável à verdade natural, e o Verbo eterno nos
falou com mais eloquência nas mais modestas obras da Natureza, do que o pudera
fazer o homem com seus cantos mais pomposos.
Seja qual
for a oportunidade dos estudos que este trabalho objetiva, não esperamos
agradar a toda a gente, certo de haver muitos incapazes de acordar do seu sono
e outros tantos a quem longe estamos de lhes corresponder aos pendores.
Acusa-se de
indiferentismo a nossa época. A acusação é merecida. Onde estão, com efeito, os
corações palpitantes de puro amor à verdade? Em que alma – perguntamos – ainda
reina a fé? Não diremos, já, a fé cristã, mas uma crença sincera, seja no que
for. Aonde se vão os tempos em que as forças da Natureza, divinizadas, recebiam
homenagens universais?
Tempos nos
quais o homem, contemplativo e deslumbrado, saudava com fervor a potência
eterna e manifesta na Criação?
Que é feito
daqueles tempos em que os homens eram capazes de derramar o sangue por um
princípio, quando as repúblicas tinham à sua testa um ideal e não uma ambição?
Quem se
lembra dos tempos em que o gênio de um povo, esculpido em Notre Dame ou em São
Pedro de Roma, ajoelhava-se e pedia, conchegado aos seus muros de pedra?
Que é feito
da virtude patriótica dos nossos antepassados abrindo as portas do Panteão para
acolher as cinzas dos heróis do pensamento, e relegando à noite do olvido a
falsa glória da ociosidade e das almas?
Não coremos
de o confessar, já que temos a franqueza de suportar um tal aviltamento:
saturados de egoísmo, nossa alma não alimenta outra ambição que a do interesse
pessoal. Riqueza cuja origem permanece equívoca, louros surpreendidos, antes
que conquistados, uma doce quietação, uma profunda indiferença pelos
princípios, quem não verá nisso o nosso galardão?
À parte,
contudo, fora do mundanismo empolgante e rumoroso, vivem os que não se
conformam em baixar a fronte diante da hipocrisia. Esses trabalham na solidão e
esquadrinham em silenciosa meditação os abismos da Filosofia e, se se mantêm
fortes, é porque não se atrofiam ao contato das sombras. Na verdade, é um
contraste penoso de assinalar, quando vemos que o progresso magnífico, sem
precedentes, das ciências positivas, que a conquista sucessiva do homem sobre a
Natureza, ao mesmo tempo em que tão alto nos elevaram a inteligência, deixaram
resvalar o sentimento a níveis tão baixos. Doloroso sentir que, enquanto por um
lado a inteligência mais demonstra a sua capacidade, extingue-se por outro lado
o sentimento, e a vida íntima da alma mais se embota na geena da carne.
A causa da
nossa decadência social (passageira, de vez que a História não pode mentir a si
mesma) deve-se à nossa falta de fé. A primeira hora deste nosso século[i]
marcou o derradeiro alento da religião de nossos pais. Baldos serão quaisquer
esforços de restauração e reconstrução. Tudo o que se fizer não passará de
simulacro, pois o que está morto não pode ressurgir. O sopro de uma revolução
imensa passou sobre as nossas cabeças deitando por terra nossas velhas crenças,
mas, entretanto, fecundando um mundo novo.
Estamos, ao
presente, atravessando a fase crítica que precede a toda renovação. O mundo
progride. É em vão que homens políticos e homens eclesiásticos imaginam, cada
qual do seu lado, prosseguir na representação do passado, num proscênio em
ruínas. Impossível impedir que o progresso nos conduza a todos para uma fé
superior, que ainda não possuímos, mas para a qual já caminhamos. E essa fé não
será outra que a convicção científica da existência de Deus; numa escalada à
verdade pelo estudo da Criação.
É preciso
ser cego, ou ter interesse em iludir-se a si e aos outros (quantos neste caso
se encontram!), para não ver e não ajuizar a nossa atualidade pensante. Foi por
ter a superstição matado o culto religioso, que nós o menosprezamos e
abandonamos. E foi porque as características do verdadeiro se nos revelaram
mais claramente, que a nossa alma aspira a um culto mais puro. E não foi senão
por se haverem afirmado diante de nós os imperativos da justiça, que hoje
reprovamos institutos bárbaros, tais como a guerra, que, ainda recentemente,
recebia a homenagem dos homens. É, enfim, porque o pensamento rompeu os
grilhões que o prendiam à gleba, que não mais admitimos, de boamente, quaisquer
tentativas que nos aproximem de qualquer espécie de servilismo. Nada obstante,
há em tudo, e sempre, um progresso. Na incerteza, porém, em que ainda
permanecemos, entre as perturbações que nos agitam, a maior parte dos homens,
ao perceberem que as suas impressões e tendências esbarram fatalmente na
inércia do passado, ou se afastam silenciosos se lhes sobra força e coragem de
o fazerem, ou se deixam arrastar na corrente geral, pela atração vigorosa da
fortuna. É nas épocas críticas que as lutas se intensificam, intermitentes,
sobre os eternos problemas cuja forma varia à feição dos tempos, a revestirem-se
de um aspecto característico.
Nesta nossa
época de observação e experimentação, os materialistas procuram apoiar-se em
trabalhos científicos e pretendem deduzir da ciência positiva o seu sistema.
Os
espiritualistas, em geral, acreditam, ao invés, poderem pairar acima da esfera
experimental e assomar aos píncaros da razão pura. Ao nosso ver, o
espiritualismo para triunfar deve medir-se com o adversário no mesmo terreno e
com as mesmas armas deste. Ele não perderá nada do seu caráter, condescendendo
em baixar à arena, e nada terá a recear nessa justa com a ciência experimental.
As lutas
empenhadas e os erros a combater longe estão de se tornarem perigosos para a
causa da verdade. Com o exigirem um exame mais rigoroso das questões versadas,
essas lutas nos ensejam a preparação de uma vitória mais completa.
A Ciência
não é materialista, nem pode servir ao erro. Como e por que, pois, haveriam de
temê-la o espiritualismo e a verdadeira religião? Duas verdades não se podem
opor a uma terceira.
Se Deus
existe, sua existência não poderia ser suspeitada nem combatida pela Ciência.
Para nós,
temos a convicção íntima de que, muito pelo contrário, no estabelecimento de
conhecimentos exatos sobre a construção do Universo, sobre a vida e o pensamento,
propicia-se atualmente o único método eficiente ao aclaramento do problema. Só
assim poderemos saber se devemos admitir a soberania da matéria universal ou se
importa reconhecer uma inteligência organizadora, um plano e um destino
imanentes.
Tal, pelo
menos, a forma por que o debate se nos apresenta e impõe à mente, neste nosso
trabalho.
Esperamos
que esta tentativa de versar a existência de Deus pelo método experimental
aproveite ao progresso de nossa época, por estar de acordo com as suas
tendências características.
Ficaremos
satisfeitos se a leitura deste livro deixar cair uma fagulha luminosa nos
espíritos indecisos. Mais ainda, se depois de haver meditado fundo estes nossos
estudos, alguma fronte se levantar cônscia de sua legítima dignidade.
Se, regra
geral, os ideólogos franceses não têm aplicado o método científico aos
problemas da filosofia natural, em compensação alguns sábios trataram o assunto
do ponto de vista das relações gerais manifestadas no mundo e que lhe
constituem a unidade viva. Com prazer assinalamos, entre as obras deste gênero,
os diversos trabalhos do Sr. A. Langel, aqui mesmo utilizados várias vezes.
Problemas da
Natureza e problemas da vida não conduzem eles, efetivamente, ao máximo problema?
Examinar as forças ativas no organismo universal não será o mesmo que examinar
as diversas modalidades da força essencial e original?
As
investigações que focalizam o estudo da Natureza podem aproveitar à Filosofia
com maior segurança, às vezes, do que os tratados ou os ditirambos
especialmente consagrados à Metafísica. Os próprios escritos dos senhores
Moleschott e Büchner nos ofereceram elementos de refutação.
A circulação
da vida, qual a expõe o primeiro, mostra na vida uma força independente e
transmissível, dirigindo os átomos, mediante leis determinadas e conforme o
tipo das espécies. O exame da Força e da Matéria estabelece, por outro lado, a
soberania da Força e a inércia da Matéria.
Sendo a
Força e a extensão os primeiros princípios do conhecimento, e sendo a Filosofia
a ciência dos princípios, poderia esta obra ser considerada antes como um
estudo filosófico, se não houvéssemos resolvido limitar-nos a uma discussão
puramente científica. Este, efetivamente, o seu fim precípuo e que, por bem
dizer, oferece mais atrativos, mau grado à aridez aparente do trabalho.
Pensamos que
o único meio eficaz de combater o negativismo contemporâneo é voltar contra ele
o materialismo científico e utilizar as suas próprias armas para derrotá-lo.
Esse
discrime compete antes à Ciência que à Filosofia.
A Ideologia,
a Metafísica, a Teologia, mesmo a Psicologia, dele se afastaram quanto
possível.
Nós não
razoamos com palavras, mas com fatos.
As verdades
significativas da Astronomia, da Física e da Química, como da Fisiologia, são,
de si mesmas, as defensoras intrépidas da realidade essencial do mundo.
Por mais
difícil que à primeira vista pareça a refutação científica do Materialismo
contemporâneo, nossa posição é belíssima, desde que nos colocamos no mesmo
plano dos nossos adversários.
E nesta
guerra eminentemente pacífica, estamos, de antemão, seguros da vitória.
Basta-nos,
com efeito, de vez que o inimigo está em falsa posição, descobrir a fraqueza
dessa posição e desequilibrá-lo.
O método é
simples e infalível, tão seguro que não o escondemos: deslocado o centro de
gravidade, sabe qualquer mecânico que o indivíduo colhido de surpresa cai,
imediatamente, a procurá-lo no solo. Eis o quadro que se nos vai deparar.
Críticos houve que pretenderam ver em nosso método laivos de sorriso e um tanto
de ironia.
Não podemos
ser juiz em causa própria, mas, ainda que a acusação tivesse fundamento, não
nos caberia culpa alguma e sim, e só, aos acontecimentos, nos quais o grotesco
teria momentaneamente empanado o sério, graças aos adversários tantas vezes
arrastados às consequências mais curiosas.
Referindo-nos
à forma, devemos pedir ao leitor acredite, que, se por acaso tratarmos mais
asperamente um que outro adversário, não é a nós que a falta deve ser imputada,
visto não utilizarmos esses recursos extremos senão nos casos (muito frequentes
talvez para eles) em que os adversários se obstinam em não se deixarem vencer.
Somos, então, bem a nosso pesar, levados a feri-los com uma tática mais rude,
forçando-os a convir, pelos argumentos irresistíveis do mais forte, que são
eles de fato os mais fracos nesta guerra de princípios.
De resto,
não há necessidade de acrescentar que são sempre esses princípios que atacamos,
e nunca a personalidade dos que os advogam. Assim, considerando-se a índole
mesma da questão, exclusas ficam as pessoas do campo de batalha.
Além disso,
em consciência, não acreditamos pratiquem os adversários o materialismo
absoluto – o dos seus interesses e das paixões egoístas e, portanto, não temos
outra intenção que discutir as suas teorias.
Dividiremos
nossa argumentação geral em cinco partes, no intuito de demonstrar em cada uma
a proposição diametralmente contrária à sustentada pelos eminentes advogados do
ateísmo.
Assim, na primeira,
lidaremos por estabelecer, preliminarmente, pelo movimento dos astros e depois
pela observação do mundo inorgânico terrestre, que a Força não é atributo da
Matéria, mas, ao contrário, a sua soberana, a sua causa diretora.
Na segunda
parte verificaremos, pelo estudo fisiológico dos seres, que a vida não é
propriedade fortuita das moléculas que a compõem e sim uma força especial a
governar átomos, conforme o tipo das espécies. O estudo da origem e progressão
das espécies também aproveitará à nossa doutrina.
Na terceira
parte observaremos, examinando as relações do pensamento com o cérebro, que há
no homem algo mais que a matéria e que as faculdades intelectuais distinguem-se
das afinidades químicas. A personalidade da alma afirmará o seu caráter e a sua
independência.
A quarta
evidenciará na Natureza um plano, uma destinação geral e particular, um sistema
de combinações inteligentes, no seio das quais o olhar desprevenido não pode
deixar de admirar, mediante sadia concepção das causas finais, o poder, a
sabedoria e a previdência que coordenam o Universo.
A quinta
parte, enfim, como centro de convergência das vias precedentes, nos colocará na
posição científica mais favorável para julgar simultaneamente a misteriosa
grandeza do Ente Supremo e a cegueira inconteste dos que fecham os olhos para
se convencerem de que Ele não existe.
O verdadeiro
título desta obra deveria ser: – “A contemplação de Deus através da Natureza”.
Há alguns
anos que se anuncia, como estando no prelo, este trabalho e nós lhe temos modificado
várias vezes o título, que, de início era puramente científico. (Da Força, no
Universo.)
Acabamos,
finalmente, por nos fixarmos neste. Sem dúvida, um título não tem essencial
importância para que o autor se explique tão formalmente a respeito. Mas, no
caso vertente, julgamos útil declarar desde logo que todos quantos vissem nas
quatro palavras da capa a expressão de uma doutrina, errariam completamente.
Aqui não há panteísmo, nem dogma. Nosso objetivo é expor uma filosofia positiva
das ciências, que, em si mesma, comporta uma refutação não teológica do
materialismo contemporâneo. É, talvez, imprudentíssima ousadia o tentar assim
uma senda isolada, entre os dois extremos, que sempre aliciaram poderosos
sufrágios; mas, de vez que nos sentimos impelidos e sustentados por uma
convicção particular, tanto quanto por ardente amor a um novo aspecto da
verdade, podemos, porventura, resistir ao impulso interior que nos inspira?
Ao leitor
compete examinar a obra e decidir se alguma ilusão nos seduz e se nos oculta,
sob o prestígio da verdade.
Não podemos,
todavia, eximir-nos de confessar que, desde que lemos em Augusto Comte que a
Ciência aposentara o Pai da Natureza e acabava de “reconduzir Deus às suas
fronteiras, agradecendo os seus serviços provisórios” – sentimo-nos algo
ofendidos com a vaidade do deus-Comte e nos deixamos empolgar pelo prazer de
discutir o fundo científico de semelhante pretensão.
Verificamos,
então, que o ateísmo científico é um erro e que a ilusão religiosa é outro
erro. (De passagem digamos, o Cristianismo nos parece ainda esotérico.) Nossos
atuais conhecimentos da Natureza e da vida nos representaram a ideia de Deus
sob um prisma cujo valor a teodiceia, como o ateísmo, não podem menosprezar.
Aos nossos
olhos, o homem que nega simplesmente a existência de Deus e o que definiu esse
Desconhecido e lhe debita em conta a explicação embaraçante, são ambos
criaturas ingênuas, equivalentes na erronia.
Mas também
não compete nos engajarmos aqui assim no método antinômico e, sobretudo, não
queremos revestir-nos de aparências misteriosas.
Entremos,
portanto, sem mais detença no âmago do assunto, declarando que nos esforçamos
por explanar com a mais sincera independência o que acreditamos ser a verdade.
Possam estes
estudos ajudar a escalada na trilha do conhecimento, a quantos tomam a sério a
sua passagem pela Terra e o progresso da Humanidade.
Paris, Maio
1867.
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