Os Sábios e a Senhora Piper
Provas da comunicabilidade dos
espíritos
I - O
“corvo branco” – explicações iniciais
O interesse pela
mediunidade de Leonore Piper nos acompanha há quase 15 anos. O forte estímulo
que nos moveu a estudar a bibliografia existente sobre a citada médium foi uma
conferência que assistimos, nos idos de 1972, de Divaldo Pereira Franco.
Uma das surpresas que
tivemos foi encontrarmos esparsas e resumidas referências a Leonore Piper na
literatura em língua portuguesa.
À medida que
aprofundávamos a leitura, fomos encontrando citações de obras estrangeiras. À
distância e com dificuldades passamos a rastreá-las. No entanto, com o tempo,
as correspondências, viagens dos tios dr. Lourival Perri Chefaly e Suzi e nossa
própria, nos trouxeram às mãos os livros que procurávamos. Em duas
oportunidades que nos dirigimos ao exterior, levamos na bagagem das intenções o
propósito de encontrar algo relacionado com a sra. Piper e alguns de seus
pesquisadores. Andando por Londres, Boston e New York, em visita a locais,
sociedades e livrarias, buscamos as almejadas informações.
Agora, ao oferecermos
este material sobre a vida e a obra de Leonore Piper, na realidade não estamos
criando nada, mas divulgando o resultado de nossos estudos a respeito da famosa
médium americana. Não tivemos a pretensão de relacionar tudo o que há sobre ela
e nem de transcrever todo o material; nosso propósito é oferecer uma visão
abrangente, porém objetiva.
De início, são de
muita importância algumas rápidas pinceladas sobre as diferenças
sócio-culturais da época e dos países. Além disso, a nosso ver, a mediunidade
da sra. Piper não pode ser analisada sob os parâmetros que em geral empregamos
na atualidade para aferirmos o valor e a produtividade de nossos médiuns,
geralmente vinculados a um contexto doutrinário e institucional muito próprio
de nosso país.
Leonore Piper viveu
numa época em que o novel Espiritismo mal saía dos limites da França e de seu
raio latino de influência. Na Inglaterra e nos Estados Unidos, o
“Spiritualism”, que tem como marco inicial os fenômenos de Hydesville e a data
de 31 de março de 1848 (36), oferecia
uma certa resistência ao Espiritismo, ou seja, a algumas idéias basilares da
obra de Allan Kardec (8). Dessa forma, o Espiritismo era pouco divulgado no
mundo anglo-saxônico. Mesmo assim, floresciam grupos “spiritualists”, grupos de
pesquisa e os primeiros periódicos. Aliás, estes precederam o lançamento da
Revista Espírita de Allan Kardec, pois em 1847 surgia o periódico Univercoelum
fundado por Andrew Jackson Davis e A. S. Brittan, nos Estados Unidos. Dois anos
depois esse jornal deu lugar ao The Present Age. E em Boston, a cidade em que
viveu a médium Piper, em julho de 1850, Leroy Sunderland fundava o Spiritual
Philosopher que depois passou a se chamar Spirit World. O historiador Podmore
(31) considera Sunderland o primeiro editor no campo do “spiritualism”. Ainda
em Boston surgiu o jornal Heat and Lux, em 1851. Assim, nos primeiros 30 anos
de Doutrina Espírita (ou 40 anos de “Spiritualism”) surgiram inúmeros órgãos.
(5)
Por outro lado, havia
uma situação paradoxal em ambos os países de língua inglesa. Ao mesmo tempo em que
campeava preconceito aos fenômenos e idéias espiritualistas não atreladas às
religiões formais e, dentro do “Spiritualism” o preconceito ao Espiritismo,
havia por parte de outros o interesse pela pesquisa dos fenômenos que estavam
despertando muita atenção. Outro registro histórico importante é que nos
primeiros 20 anos do surgimento do “Spiritualism” a rainha Vitória (da
Inglaterra) e o presidente Abraham Lincoln (dos Estados Unidos) estavam entre
as pessoas eminentes que tiveram experiência direta com as comunicações
espirituais. (36)
A rainha Vitória
nomeou uma Comissão de Sábios no ano de 1869 para investigar os fatos. Logo
depois, o renomado cientista Sir William Crookes realizava pesquisas com alguns
médiuns. No ano de 1882 homens de proeminência cultural e científica fundaram a
sociedade para Pesquisas Psíquicas, em
Londres. Essa Sociedade, durante muitos anos, catalisou o esforço de cientistas
de vários países para as pesquisas medianímicas e passou a contar com um ramo
americano, sediado em Boston.
No final do século XIX
Boston se constituía no principal centro literário americano, sendo conhecida
como a “Atenas da América”. Entre outros núcleos educacionais já funcionava a
todo vapor a tradicional Universidade de Harvard. Essa cidade, que foi uma das
pioneiras do campo do “Spiritualism” americano, parece que não possuía um
núcleo com a orientação do Espiritismo.
Vivendo dentro dessa
atmosfera, a sra. Piper, ao se defrontar com a problemática da mediunidade,
manteve-se ligada à sua religião, que era comum nos Estados Unidos. Ela não
possuía nenhuma vinculação e nem conhecimento do Espiritismo.
As coincidências que
levaram o destacado prof. William James a ser um dos primeiros visitantes da
jovem médium Piper abriram os caminhos para as experimentações em torno de sua
mediunidade. Com isso, a sra. Piper tornou-se a médium das pesquisas do próprio
James e de outros homens notáveis, como o dr. Richard
Hodgson, prof. James Harvey Hyslop, Sir Oliver Lodge, Fredrich W. H. Myers, sr.
e sra. Henry Sidgwick,
prof. Charles Richet e outros. Durante muitos anos ela polarizou a atenção da
Society for Psychical Research e de seu ramo americano. Em conseqüência, os
feitos mediúnicos dela são citados não apenas por esses que tiveram contato
direto com ela, mas também por pesquisadores e escritores ligados ao
Espiritismo, como Gabriel Delanne, Léon Denis, Cesare Lombroso, Ernesto Bozzano
e outros.
Foram inúmeros os
artigos e citações que surgiram na literatura após a publicação do primeiro
trabalho sobre a sra. Piper, de autoria de Myers e publicado nos Proceedings of
the Society for Psychical Research, em 1890 (35). A coleção dos Proceedings é
muito rica de informações sobre as experiências com ela; recorrendo a esse
material, Michel Sage publicou em Paris, no ano de 1902, uma obra que resume os
principais fatos sobre ela: Madame Piper et la Société Anglo-Américaine pour
les Recherches Psychiques, que teve o prefácio de Camille Flammarion.
Dessa maneira,
portadora de vários dons e protagonista de feitos mediúnicos notáveis e
prestando-se corajosa e, a nosso ver, em caráter missionário, a estudos
científicos – no período de 1885 a 1915 – e ainda em períodos curtos na década
de 20, temos de concordar com Michel Sage: “esta mediunidade é certamente a que
foi mais estudada por tempo mais longo e por homens de alta competência”.
As atividades
mediúnicas da sra. Piper serviram para estudos e conclusões científicas
importantes, convencendo diversos cientistas e inteligências privilegiadas
sobre a imortalidade da alma e a comunicabilidade dos espíritos. Mas, ao mesmo
tempo, em suas reuniões e consultas, milhares e milhares de consulentes foram
levados a idêntica conclusão.
Reunimos informações
diversificadas sobre a médium americana; no entanto, destacamos as publicações
da Society for Psychical Research, a obra Expériences d’un Psychiste, de
William James, e a obra The Life and Work of Mrs. Piper, escrita pela filha
Alta Piper. No conjunto, inter-relacionando as diversas obras, temos uma visão
mais global sobre a médium.
O livro escrito pela
filha é cativante, onde se sente o amor e a admiração da filha pela mãe
devotada e médium dedicada. O trabalho de William James é o relato racional,
quase que totalmente baseado nos dons da sra. Piper.
Alta L. Piper contou
com o prefácio de Sir Oliver Lodge, que em 1929, à época da publicação, era o
pesquisador remanescente do grupo mais ligado à família. No prefácio, o notável
físico inglês considera-a a mais famosa médium de nossos dias. Além de afirmar
que não há qualquer sorte de dúvida em torno dos dons de Mme. Piper, evoca a
existência normal que ela leva junto com suas duas devotadas filhas,
caracterizando uma exemplar vida familiar. No início da obra, Alta Piper cita
Oliver Lodge: “Não podemos legislar para tais coisas, nosso negócio é entendê-los”,
e exalta o papel de sua mãe: “os anais da pesquisa psíquica não contêm
registros de qualquer outro médium que tenha sido tão examinado, tão
rigorosamente, bem como por tempo tão longo como tem sido investigada a sra.
Piper”.
No livro do intelectual
americano sentimos sua obstinada busca da verdade, utilizando-se do rigor e da
imparcialidade nos comentários e nas conclusões. William James não apenas foi o
introdutor da médium no mundo da ciência psíquica, mas também se constituiu o
orientador e amigo da sra. Piper. Em 1894, ao assumir a presidência da Society
for Psychical Research, de Londres, William James considerou-a seu único “corvo
branco”, destituindo-lhe uma série de preconceitos. Essa colocação de seu
discurso traduz bem a situação quase que de excepcionalidade que ela gozava no
meio científico e também do impacto que seus dons produziram na época.
Julgamos grandioso o
desprendimento e a humildade dessa criatura que deixou momentos com a própria
família para atender ao chamado dos cientistas. As vigilâncias verdadeiramente
policiais, os testes de sensibilidade e as dúvidas que muitos lançaram a priori
criaram-lhe situações vexatórias. Ela se submeteu a tudo com altivez e
continuou em suas atividades. Todavia, a filha não deixou de registrar em seu
livro que alguns pesquisadores também mantiveram um relacionamento atencioso e
de amizade com a família, principalmente o prof. William James, dr. Richard
Hodgson e Sir Oliver Lodge.
Com relação às
pesquisas efetuadas em torno da mediunidade da sra. Piper, elas também se
encaixam dentro das condições da época. O método qualitativo foi o adotado.
Aliás, foram trabalhos pioneiros da ciência psíquica e contemporâneos aos
albores da Metapsíquica. Porém, não se pode olvidar que todos esses estudos e esforços
é que acabaram redundando no surgimento da Parapsicologia e na adoção do método
quantitativo.
Em nossa ótica,
Leonore Piper realmente merece o título de maior médium americana e tem lugar
de realce na história dos fenômenos medianímicos e das pesquisas a eles
relacionados. Além de tudo isso, a diversidade de seus dons serviram de exemplo
para inúmeros tipos de mediunidade e ilações doutrinárias espíritas podem ser
tiradas da análise de sua prática mediúnica.
Sem sombra de dúvida,
a vida e as atividades de Leonore Piper representam um repositório exponencial
para a comprovação da imortalidade e da comunicabilidade dos espíritos.
Araçatuba, janeiro de
1986.
Antonio Cesar Perri de
Carvalho
(5) Carvalho,
A.C.P. – Primórdios da Imprensa
“Espiritualista” e Espírita – Reformador,
97 (1808): 347-350, 1979.
(8) Doyle,
A.C. – História do Espiritismo
(trad. J. Abreu Filho), São Paulo, O Pensamento, 1960, pp. 313-336.
(31) Podmore, F. – Mediums
of the 19th Century (vol. 2), New York, University Books, 1963, pp 308-329.
(35) Sidgwick, H. – Discussion
of the Trance Phenomena of Mrs. Piper. Proc. Soc. Psych. Res., 15 (36):
16-38, 1900.
(36) Stemann, R. – One
Hundred Years of Spiritualism. London, The Spiritualist Association of
Great Britain, 1972, p. 16.
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