NOSSOS FILHOS SÃO ESPÍRITOS
HERMÍNIO C. MIRANDA
16 – NÃO
É TRÁGICO SER MÉDIUM
“MÉDIUM”, ESCREVEU ALLAN KARDEC, com sua costumeira precisão de linguagem
e economia de palavras, “é a pessoa que pode servir de intermediária entre os
espíritos e os homens.”
Sejamos igualmente econômicos, mesmo porque não dispomos de espaço para
cuidar mais extensamente do assunto, que é trazido para este livro apenas como
introdução indispensável ao tema deste capítulo. Ao leitor interessado não
faltarão obras especializadas que lhe proporcionarão informações mais amplas, a
começar, evidentemente, por O livro
dos médiuns, do próprio Kardec. Suponho (e espero) que também lerá com
proveito meu livro Diversidade dos
carismas, no qual o assunto é tratado com amplitude.
Não é nada impossível que o leitor venha a ter, em sua família, uma ou mais
crianças dotadas de sensibilidade necessária para “servir de intermediária
entre os espíritos e os homens”, conforme caracterizou Kardec.
A mediunidade é, de fato, um tipo especial de sensibilidade ou percepção
voltada para este ou aquele aspecto do mecanismo da comunicação entre nós e os
seres invisíveis. Aliás não deve o leitor se esquecer de que as próprias
crianças, como vimos ainda há pouco, eram espíritos e, a não ser pelas pessoas
dotadas de faculdades especiais, não podiam ser vistos, ouvidos, tocados ou
percebidos pelo comum das criaturas enquanto estavam do “lado de lá” da vida.
Eu, por exemplo.
Nunca vi um espírito. Costumo dizer que se dependesse de meu testemunho
pessoal de vidência ou de audiência, eu não aceitaria nada disso. Felizmente
isso não ocorre, pois os fenômenos naturais nada têm a ver com nossas crenças
ou descrenças - eles simplesmente são o que são.
Se, então, alguma criança sua, de sua família ou de amigos e conhecidos
começar a apresentar indícios ou manifestações de nascentes faculdades
mediúnicas, não se assuste, não se aflija, não se espante, nem procure reprimir
as manifestações, com o que somente poderia complicar desnecessariamente as
coisas. A mediunidade, como dizíamos, é um tipo especial de sensibilidade,
percepção ou acuidade para certos aspectos da vida que costumam escapar aos
nossos cinco sentidos habituais. A pessoa saudável, serena, equilibrada e
razoavelmente instruída acerca de tais fenômenos tem condições para exercê-la
de maneira adequada e proveitosa para si e para os outros.
Não receba, pois, os primeiros sinais ou sintomas de suas manifestações em
pânico ou com mal disfarçada hostilidade, temor e inquietação. Deixe que a
coisa venha naturalmente, sem forçar seu desenvolvimento extemporâneo e sem
tentar reprimi-la com aspereza. Observe o que ocorre com a criança, sem
assustá-la. Não é desgraça alguma ter filhos ou filhas dotados de faculdades
mediúnicas; ao contrário, é uma bênção em potencial, se tudo for encaminhado de
maneira correta, dentro de um contexto de equilíbrio e bom senso. Afinal de
contas os espíritos são gente, tanto como nós somos espíritos. Por que não
poderíamos nos entender e estabelecer um intercâmbio proveitoso, através dos
canais mediúnicos que a própria natureza nos proporcionou para essa finalidade?
Assim, se a criança diz estar vendo coisas ou pessoas que você não consegue
ver, ou ouve sons e vozes que seus ouvidos não captam, não salte, aflito, à
apressada conclusão de que ela está ficando doida. Tenha calma, observe,
medite, consulte quem entenda do assunto e não tome atitudes precipitadas e
afoitas, como proibições, ameaças, castigos, pressões e gritarias.
Muitas mediunidades fecundas, na verdade a grande maioria, começam com
manifestações esporádicas e fragmentárias na infância. É só ler os relatos
acerca de alguns médiuns confiáveis.
Você encontrará em inúmeros depoimentos referências documentadas da fase
inicial da mediunidade, quando nem sempre os fenômenos foram considerados com o
necessário equilíbrio e bom senso pelas pessoas que cercavam a criança e que
longe estavam de compreender e aceitar serenamente os fatos. De casos outros,
em que tais atitudes acarretaram conflitos que se arrastam pela vida afora, nem
ficamos sabendo.
Mesmo ignorando, de início, as causas e a natureza dos fenômenos, a família
deve estar preparada, pelo menos, para considerá-los com sensatez e sem
estardalhaços desnecessários e prejudiciais.
Raramente a criança é compulsiva mentirosa. Se ela diz que está vendo determinada
pessoa ou ouvindo palavras que fazem sentido, conceda-lhe, pelo menos, o
crédito preliminar de sua atenção, mesmo porque, se for mentirosa, também
precisa de atenção e cuidados especiais.
Vejamos um episódio desses, que Divaldo Franco me contou.
Estava ele com cerca de quatro anos — é uma de suas mais remotas
recordações da infância — quando viu aproximar-se dele uma senhora que lhe
pediu para dar um recado. Assim:
— Diga a Anna que sou Maria Senhorinha — pediu-lhe a pessoa.
O menino não tinha a menor ideia consciente do que fosse um espírito e de
que espíritos podem apresentar-se à vidência de determinadas pessoas e
falar-lhes. Para ele, ali estava uma senhora como as outras, que lhe pedia para
transmitir um recado à mãe dele, Anna.
Divaldo fez o que “a moça” lhe pedia. O problema é que Maria Senhorinha era
mãe de Anna Franco, e portanto avó de Divaldo. Nem o menino nem sua própria mãe
tinham-na conhecido “em vida” porque ela morrera precisamente do parto de Anna,
que fora criada pela irmã mais velha, Edwiges.
Anna Franco tentou dissuadir o menino, dizendo-lhe que Maria Senhorinha
fora avó dele e estava morta há muitos anos, e que, portanto, (no seu entender)
não poderia estar ali mandando recados para ela. Gente morta não fala com
vivos, pensava ela.
Seja como for, Anna Franco ficou impressionada com a convicção do menino a
respeito de sua visão, mesmo porque tais fenômenos começavam a ocorrer com
certa frequência com ele. Por via das dúvidas, tomou uma decisão heroica:
tomou-o pela mão e foi à casa da irmã que, vitimada por grave distúrbio, vivia,
há muito tempo, presa ao leito por uma paralisia.
Na presença da tia, Divaldo foi instruído a reproduzir a história, o que
fez da melhor maneira possível, nos precários limites de seu vocabulário de então,
repetindo fielmente o recado e descrevendo a moça” que o enviara. Era uma
mulher magrinha, de olhos verdes e usava um vestido branco, de babados
plissados, mangas compridas e gola muito alta. Tinha os cabelos penteados para
trás, presos em coque, como se usava antigamente.
Tia Edwiges nem precisou falar muito, pois as lágrimas lhe escorriam pela
face abaixo.
Bastou uma frase, curta e emocionada:
— Anna, é mamãe!
Era aquele o primeiro testemunho vivo de sua nascente mediunidade. Anna
Franco, embora despreparada para a inesperada situação, era dotada de inato
bom senso e inteligência, a despeito de sua escassa cultura geral. Não se
deixou impressionar, nem se assustou mais do que era de esperar-se ante o
insólito. Já o restante da família, especialmente os irmãos — bem mais velhos
que Divaldo —, não teve a mesma serena compreensão de Anna. Para eles, aquele
menino era um tanto ou quanto desajustado.
Algum tempo depois, Divaldo começou a ter um companheiro inseparável de
brincadeiras.
Era um menino, aproximadamente de sua idade, e parecia “crescer” juntamente
com ele. Brincavam, passeavam e conversavam o tempo todo. O único problema — se
é que era mesmo problema — é que somente Divaldo via e ouvia seu companheiro
de folguedos, o que, para ele, não constituía novidade, nem apresentava
dificuldades. Lembra ele, até, um curioso fenômeno, entre muitos. Brincavam,
ambos, de puxar por um cordel um velho ferro de engomar abandonado.
Cada um com o seu. Com uma diferença, porém, que Divaldo notou: enquanto
seu “carro” deixava um sulco na areia, o do outro menino não deixava sinal
algum por onde passava.
Perguntado a respeito da anomalia, o “garoto” deu uma explicação que, à
época, pareceu satisfatória a Divaldo e não mais se falou no assunto.
Nas suas conversas com os outros, Divaldo sempre se referia ao seu
companheiro invisível, que para ele era uma criança igual às outras.
Não é sempre que tais faculdades, em crianças, têm o desdobramento
previsto nesta ou naquela forma de mediunidade. Como as recordações espontâneas
de vidas passadas, podem apagar-se ai pelos dez anos de idade. Nem todas as
pessoas dotadas de faculdades mediúnicas têm, necessariamente, tarefas
específicas nesse campo, ou seja, nem sempre estão programadas para o exercício ativo e pleno no intercâmbio
regular entre os espíritos e as pessoas encarnadas.
Se, porém, estiverem assim comprometidas, precisarão de apoio e compreensão
das pessoas que as cercam, para levarem a bom termo seus compromissos,
obviamente assumidos no mundo invisível, onde viveram como espíritos, entre uma
vida e outra. Se pais, tios, irmãos ou amigos não têm condições e conhecimento
suficientes para proporcionar a orientação desejável, que pelo menos procurem
compreender e considerar com o melhor senso de solidariedade aqueles membros
mais jovens da família nos quais os fenômenos começam a revelar indícios
veementes de faculdades inabituais, sim, mas não sobrenaturais ou indicativas
de distúrbios mentais e emocionais.
Não constitui tragédia alguma ser médium. Ao contrário, é recurso concedido
para que a pessoa tenha condições de exercer tão nobre função: de intermediário
entre as duas faces da vida, que se dão as mãos por cima das fictícias
barreiras da morte. Trágico pode ser, isto sim, a teimosa resistência de
tantos, que levam uma vida inteira de desajustes e problemas emocionais e
psíquicos porque se recusam a aceitar as coisas como são, ou seja, a exercer as
faculdades de que vieram dotados, a fim de, com elas, servirem ao próximo.
Considere tais predisposições como a revelação de um talento, como outro
qualquer. Se seu filho ou filha denota inclinação para a música, a literatura,
a ciência ou o esporte, você tudo fará para que ele ou ela possa seguir o rumo
que o levará à realização de seus sonhos e aspirações. Por que não proceder da
mesma maneira quando os indícios apontam a direção da faculdade mediúnica?
Acresce que a mediunidade pode e deve ser exercida sem interferir com
nenhuma outra atividade normal, saudável e honesta do ser humano. Não se trata
de uma profissionalização, um regime de dedicação exclusiva, em tempo integral.
Os melhores médiuns de nosso conhecimento sempre conseguiram conciliar sua
participação na sociedade e no exercício profissional com o trabalho regular e
disciplinado do intercâmbio espiritual, durante anos a fio, em grupos
equilibrados e bem dirigidos.
Um amigo meu, muito querido, dotado de privilegiada inteligência e de
respeitável cultura geral, desempenhou, a inteiro contento, suas
responsabilidades como funcionário graduado e exemplar de um grande banco,
paralelamente com suas excelentes faculdades mediúnicas.
Não agiram de modo diferente médiuns como Chico Xavier, Waldo Vieira,
Divaldo Franco, Zilda Gama e Yvonne Pereira, para citar apenas uns poucos, dos
mais conhecidos. Chico aposentou-se, após longos anos, de modesta e assídua
atividade burocrática num órgão público do estado de Minas Gerais. Waldo Vieira
exercia, cumulativamente com sua mediunidade, a profissão de dentista e,
posteriormente, a de médico. Divaldo trabalhou, até aposentar-se, como
funcionário de uma entidade de previdência social. Zilda Gama foi professora,
como, também, ao que eu saiba, Yvonne Pereira. Nenhum deles profissionalizou a
mediunidade, nem permitiu que o exercício de suas faculdades interferisse com a
atividade normal de seres humanos participantes, dinâmicos, interessados nos
problemas habituais da vida.
É certo que, uma vez manifestada em sua família, a mediunidade configura
uma responsabilidade para a criança e para os pais e demais pessoas que a
cercam. É preciso aceitar, compreender e entender o que se passa, a fim de ajudar
a criança, no tempo certo e no ritmo que lhe for adequado, a seguir seu
caminho. Nada, porém, de sustos, repressões, ironias ou temores.
Para relatar um caso específico de mediunidade infantil emergente, achei
melhor abrir espaço no capítulo seguinte, mesmo porque são muito instrutivas
para as finalidades de nosso estudo as inteligentes e moderadas atitudes da
mãe da criança que, embora não familiarizada com os aspectos espirituais correspondentes,
teve o bom senso de aceitar as ponderações de uma amiga versada em tais
questões e na qual ela confiava.
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