PENTATEUCO KARDEQUIANO

PENTATEUCO  KARDEQUIANO
OBRAS BÁSICAS

segunda-feira, agosto 24, 2015

PAUL GIBIER – ANÁLISE DAS COISAS

PAUL GIBIER    –   ANÁLISE DAS COISAS

Parte Primeira   –   Estudo do Macrocosmo    Capítulo I    

Vista geral sobre as coisas                    

O frontispício deste livro traz em letras garrafais estas palavras: Análise das Coisas. Eis aí um título muito vasto que poderia parecer pretensioso em tão pequeno volume. Vou, entretanto, fazer todo o possível para justificá-lo e esforçar-me por bosquejar uma análise sucinta do Universo, do qual somos parte.
Aquele que jamais experimentou as angústias dos grandes problemas da vida e da morte, e cujo espírito ainda se não elevou acima das coisas vulgares, siga o seu caminho; isto não foi escrito para ele.
Não foi também para os que limitam a Ciência ao quadro do seu saber, que estas páginas foram traçadas, mas para os que levam as suas indagações mais alto – excélsio –, interrogam a si mesmos por que estão neste planeta e que força os conduziu para aqui. Rogo a estes últimos, sob cujos olhos se encontrarem estas linhas, queiram por um instante concentrar o pensamento, isolá-lo tanto quanto possível dos objetos exteriores, abmaterializá-lo, por assim dizer, porque só ele é bastante rápido para fazer a viagem que devemos empreender.
Eis, antes de tudo, o itinerário que vamos seguir: Depois de nos libertarmos pelo pensamento da ação do peso, a fim de nos emanciparmos da servidão que nos liga à Terra, seguiremos esta com os olhos do espírito e examinaremos ligeiramente a sua superfície. Tomaremos, depois, uma parcela da substância de que ela é formada e buscaremos compreender-lhe a constituição; partiremos do átomo, em uma palavra, e, por degraus enormes, tentaremos escalar as alturas da imensidade, a fim de obtermos, caso possa ser, uma ideia do Macrocosmo.
Depois, tornando a descer à nossa planetosfera, procuraremos aí o Microcosmo e far-lhe-emos a anatomia e a fisiologia comparadas. Comparadas às de seu modelo.
Em nossa titanesca excursão através do Éter profundo dos Céus, repousaremos, um instante, em um ponto do Espaço ilimitado, a fim de descobrirmos nele o terceiro princípio, o terceiro “Ser real”, que, com a Matéria e a Energia, constitui o Universo animado.
A pesquisa deste princípio no homem, a demonstração da sua independência e da sua persistência fora da matéria, farão o objeto principal do nosso estudo.
                                                                                              * * *
Sabemos que, baseando-se na forma dos oceanos e das terras, bem como, segundo se asseguram, em certas tradições secretas da história oculta, alguns sábios (nem todos fazem parte do Instituto) pretendem que a cada período terrestre de vinte e cinco mil e alguns centos de anos, determinado pelo fenômeno astronômico conhecido sob o nome de precessão dos equinócios, realiza-se o mais pavoroso dos cataclismos. Pavoroso para quem vive e se move sobre esta esferazinha, fica subentendido, porque, como bem compreendemos, o acidente passa sem dúvida quase despercebido dos nossos vizinhos mais próximos, os jupiterianos ou os marcianos, se eles não estão mais adiantados do que nós em ótica astronômica.
Em consequência da mudança de inclinação do eixo dos polos, a Terra se apresentaria em face do seu grande magneto, o Sol, de modo a deslocar o próprio centro de atração, que um lado do equador terrestre passaria a pequena distância sobre o lado oposto.
Isto traria como consequência ou como efeito determinar um deslocamento das águas que, em razão de sua fluidez, tendem naturalmente a correr para o lado onde são mais atraídas, como o prova o fenômeno das marés.
Se fosse só isto, talvez não houvesse grande mal, porém o nível das águas, diminuindo tanto no polo elevado quanto na outra parte, faz que a calota imensa de gelo que o envolve se despedace, não estando mais sustentada pelas águas. Estes gelos, cuja espessura não é de menos de 40 ou 50 quilômetros acumulados no Ártico ou no Antártico donde as águas se retiram, deslocam-se subitamente, ocasionando um medonho desmoronamento. Grandes blocos de gelo, da espessura de muitos Himalaias sobrepostos, precipitam-se expelem as águas, arrastam-se e rolam com elas, raspando os continentes e transportando para longe montanhas de rochas, que mais tarde o homem denominará erráticas. A água salgada tudo submerge, exceto alguns planaltos elevados e certas grimpas de serras. Depois, quando se faz completo silêncio, sobre os antigos continentes, desde então sepultados no fundo do salso oceano, surgem novas terras, lamacentas, cobertas de lodo salgado e de ervas desconhecidas. Semelhantes a monstros marinhos que, de repente, após uma borrasca saíssem horrendos e glaucos do seio das ondas agitadas, assim se mostram elas à face da luz assustada.
Essas terras limosas, emergidas de há pouco, aparecem aos homens que escaparam ao flagelo, os quais guardam tradicionalmente a lembrança delas em histórias de dilúvios que se encontram em livros sagrados, escritos sobre a origem de todas as religiões.
“Lançai os olhos sobre o globo terrestre – dizem os partidários dessa teoria diluviana – e observai quanto difere o hemisfério sul do setentrional: neste último, só vereis terras; ao contrário, no Sul as águas dominam, e aí estão de alguma sorte acumuladas. Os elevados planaltos, os cimos das regiões montanhosas, sob a forma de ilhas, encontram-se aí copiosamente. Além disso, todos os continentes, as duas Américas, a África, a Índia, as grandes penínsulas indochinesas, terminam em ponta na direção do hemisfério para o qual correram as águas. Que significaria e que destino teria essa Atlântida, cuja reminiscência se transmitiu através das idades e foi ilustrada por Platão, se não a considerarmos um continente por aquela forma submergido?
O que indicam – acrescentam eles – estas camadas alternadas e superpostas de fósseis marinhos, depois de fósseis telúricos, depois marinhos, que ainda encontramos debaixo do solo dos nossos campos, e até sobre nossas montanhas, senão que o Sol alumiou ao nível do mesmo ponto o oceano e o continente habitado?”
Mas, deixemos de parte esse assunto pouco importante em si mesmo, sob nosso ponto de vista. O nosso pensamento voa livremente, desligado de todos os laços materiais, acima da superfície terrestre, acima das ilhas de gelo, colossais, que se entrechocam e enchem os ares de escuma e poeira de neve, acima destes continentes que se esboroam com toda a vida que encerram nos negros abismos dos novos oceanos: só temos a temer os grandes cataclismos periódicos. Que importa um dilúvio de mais ou de menos? Isto não poderia perturbar-nos em nossa indagação do absoluto e compreendemos muito bem Arquimedes, alheio às coisas que o cercavam, impávido, deixando-se matar pelos antropomorfos, cujo ferro assassino lhe cortou o êxtase científico.
Comecemos, pois, o nosso estudo do macrocosmo.
                                                                                                        * * *
A análise filosófica, a teoria atômica, como a dos equivalentes químicos, ambas deduzidas de proporções determinadas e constantes, encontradas nas combinações dos corpos entre si, induzem-nos a considerar a matéria como sendo um composto de elementos extremamente sutis, grupados uns com os outros, de diferentes modos: dá-se o nome de moléculas a estes elementos. Mas, a análise vai mais longe: estas moléculas, por menores que as possamos imaginar, compõem-se de aglomerações de outros elementos “indivisíveis”, como o indica o seu nome; estes elementos da molécula são os átomos.
Se a esta pergunta: “que é a matéria” se respondesse: “é uma coisa que podemos ver e tocar, coisa formada de partes elementares, que, consideradas como matéria, não existem absolutamente”, suponho que muitas pessoas ficariam surpreendidas ouvindo tal definição. E, entretanto, isso é sustentado por personagens eminentes, tudo o que há de mais eminente, os partidários da Teoria do átomo inextensível.
Não sei com segurança se essa ideia foi discutida pelos antigos filósofos gregos; o certo é que ela existe simbolicamente expressa nas filosofias indostânicas. Em todo caso, por meados do século passado, ela foi apresentada pelo padre Boscowich. Sábios como Ampère, Faraday, Cauchy, etc., e filósofos quais Dugald-Stewar, Vitor Cousin, Vacherot (Revue des Deux Mondes, agosto de 1876), etc, constituíram-se campeões convencidos da ideia do átomo inextensível, que se não deve confundir com a Teoria sustentada por Hume, Berkeley, Hamilton, Stuart Mill, Coyteux, entre outros, e segundo a qual nada existe. Górgias, o célebre sofista de Leontinos, havia ensinado a doutrina de que nada existe, mais de 400 anos antes da nossa era.
Que seria o átomo então? uma ficção matemática? Certamente que não, mas os elementos da matéria parecem ser unos e semelhantes para todos os corpos; os alquimistas, apoiados nessa ideia, procuravam e ainda procuram a transmutação dos metais. Além disso, podia suceder que, nesse ponto, a força e a matéria se encontrassem e se confundissem; eis um assunto do qual nos tornaremos a ocupar.
Seja como for, em virtude da grande lei da conservação da matéria, que Lavoisier definitivamente estabeleceu, apesar de seus movimentos e migrações perpétuas, o átomo não varia nem se destrói: é indestrutível e invariável, constituindo apenas um elemento fluídico, cíclico, giratório do fluido universal de que a matéria é formada (Helmholtz, William Thomson, Tait, etc.).[i]
A energia animal dos átomos, de um movimento tão rápido que a imaginação não pode fazer uma ideia dele, seria pois o agente real que fixa a molécula e esta por sua vez não será senão a energia condensada? Simples teoria!... A verdade é que os físicos estão hoje de acordo, considerando os corpos mais densos como representando apenas em aparência uma superfície contínua, como, por exemplo, uma esfera, oca, de prata, cheia de água e soldada hermeticamente. Colocando sobre uma bigorna esta bola e batendo-se-lhe com um martelo, a água escapa-se por todos os poros do metal a cada golpe do martelo e vem aljofrar a sua superfície, segundo experiências dos acadêmicos de Florença. Outros fatos nos demonstram que a ideia da impenetrabilidade da matéria dos corpos é absolutamente falsa. Sem falar da mistura de uma parte de álcool e outra de água, que dá um volume total inferior aos dois volumes primitivos dos dois líquidos separados – porque pode dar-se neste caso uma variedade de combinação –, os fatos persistentes de penetrabilidade produzidos sob a influência da força psíquica – como o anel de vidro e o anel de marfim, que subitamente aparecem enfiados um no outro quais elos de uma corrente, não guardando vestígio de solução de continuidade – estes fatos demonstram, não somente a penetrabilidade dos corpos, mas também a sua desmolecularização e reconstituição possíveis ad integrum, sob a influência de certas forças das quais a ciência futura vai fazer um dos objetos principais de observação.
O volume das moléculas pode ser, quando muito, avaliado por milionésimos de milímetros, e mesmo levando em conta o espaço relativamente considerável que as separa, é ainda por trilhões, quintilhões, sextilhões que devemos contá-las em um milímetro cúbico.
Elas estão em um estado contínuo de agitação, de projeção, de choques violentos, de atração, de repulsões enérgicas, das quais é sem dúvida um pálido reflexo o movimento browniano das partículas microscópicas. Fazemos uma ideia do seu tremendo turbilhão, quando vemos que no hidrogênio, em pressão e temperatura ordinárias, as moléculas deste gás estão animadas da velocidade mais ou menos de 2.000 metros por segundo (Joule) e que cada uma sofre de suas vizinhas cerca de 17 bilhões de choques no mesmo espaço de tempo (Clausius, Maxwell, Boltzmann). “É o bombardeio operado por essa multidão de pequenos projéteis contra a parede envolvente, que constitui a tensão dos gases”, diz M. E. Jouffret em notável trabalho, onde encontramos, a respeito da reconstituição da matéria, numerosas exposições desenvolvidas e claras, sabiamente estudadas (Introduction à l’étude de l’Énergie).
Cada molécula, formada por uma multidão de átomos-turbilhões, é hoje considerada por alguns sábios do modo pelo qual ela o foi antigamente por iniciados da Índia e do Egito, isto é, como um sistema planetário “com todas as complicações de movimento e de vida”, dirigida esta, segundo os pandits da Índia atual, por inteligências elementares inferiores (élémentals). Os corpos, que são aglomerações de moléculas, seriam assim os análogos das vias-lácteas e das nebulosas resolúveis.
Em resumo, tomando uma partícula microscópica de matéria qualquer, se a dividirmos em pensamento muitos milhares de vezes, chegaremos a obter uma molécula que só seria percebida por meio de nossos instrumentos mais poderosos, se o poder de aumento dos mais fortes microscópios crescesse cerca de mil vezes. E esta molécula é por sua vez uma aglomeração de átomos, que podemos considerar como turbilhões, círculos de energia, produzindo, por movimentos variados, as aparências da matéria, tal como a percebemos. Uma parcela de dinamite, onde se acumulasse enorme quantidade de energia mecânica, poderia representar uma imagem grosseira da molécula considerada segundo as mais sábias teorias, comparando a energia mecânica da dinamite à energia condensada na matéria, e os gases, condensados indiretamente pelas manipulações químicas na dinamite, ao Éter arranjado sob a forma de átomos na molécula. A matéria não passaria, pois, de uma aparência da energia.
Em presença desta análise da matéria e dos resultados a que ela conduz, não estaríamos autorizados a admitir, com Hume, Berkeley, Hamilton, Stuart Mill, Coyteux, etc., que nada existe realmente? Sim, se só houvesse matéria e energia (força) no mundo, porque a própria energia, assim como veremos mais adiante, tende, não a desaparecer, mas a repousar “no sétimo dia”, e o dinâmico tende a tornar-se puramente potencial. Em outras palavras, o Universo tende ao repouso absoluto.
                                                                                                      * * *
No momento de terminar este estudo sumário, que, todavia, nos fez mergulhar em pensamento nas profundezas do infinitamente pequeno, formulemos a nossa opinião. Não obstante a perturbação que podem lançar no espírito as conclusões atuais da Ciência acerca da constituição da matéria, não pensamos dever adotar a teoria de que acabamos de falar e segundo a qual nada existe. Somos, entretanto, forçados a concluir, à vista destas análises, que nos mostram as coisas tão diferentes do modo pelo qual as concebemos habitualmente, que andamos incessantemente enganados com a aparência dos objetos. De sorte que, levando em conta a imperfeição dos nossos sentidos, podemos avançar, como uma espécie de axioma, que a ilusão mais forte é a que denominamos realidade.



[i]        Este livro foi escrito em 1890, época em que não se conhecia a desintegração atômica. (Nota da editora.)

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