PENTATEUCO KARDEQUIANO

PENTATEUCO  KARDEQUIANO
OBRAS BÁSICAS

sábado, novembro 13, 2010

OBRAS PÓSTUMAS - ALLAN KARDEC - TRADUÇÃO DE EVANDRO NOLETO BEZERRA

MORTE ESPÍRITUAL

A questão da morte espiritual é um dos novos princípios que assinalam o progresso da ciência espírita. A maneira por que foi apresentada em certa teoria individual determinou, no primeiro momento, a sua rejeição, porque parecia implicar o aniquilamento, em dado tempo, do eu individual e assimilar as transformações da alma às da matéria, cujos elementos se desagregam para formar novos corpos. Os seres felizes e aperfeiçoados seriam, na realidade, novos seres, o que é inadmissível. A equidade das penas e dos gozos futuros só se evidencia com a perpetuidade dos mesmos seres ascendendo a escala do progresso e depurando-se pelo trabalho e pelos esforços da própria vontade.
Eram estas as consequências que se podiam tirar, a priori, daquela teoria. Entretanto, devemos convir que ela não foi apresentada com a arrogância de um orgulhoso que pretendesse impor o seu sistema.
Disse modestamente o autor que apenas desejava lançar uma ideia no terreno da discussão, já que dessa ideia poderia surgir uma verdade nova.
Segundo nossos eminentes guias espirituais, ele teria pecado menos quanto ao fundo do que quanto à forma, que se prestou a uma falsa interpretação.
Foi isso que nos levou a estudar seriamente a questão e é o que tentaremos fazer, baseando-nos na observação dos fatos que ressaltam da situação do Espírito, em duas épocas, para eles de grande importância: a da sua descida à vida corpórea e a do seu regresso à vida espiritual.
Por ocasião da morte corpórea, o Espírito entra em perturbação e perde a consciência de si mesmo, de modo que jamais testemunha o último suspiro do seu corpo. Pouco a pouco a perturbação se dissipa e o Espírito recobra a consciência, como um homem que desperta de profundo sono. Sua primeira sensação é a de estar livre do fardo carnal; segue-se o espanto, ao perceber o novo meio em que se encontra. Acha-se na situação de um homem a quem se cloroformiza para uma amputação e que, ainda adormecido, é levado para outro lugar. Ao acordar, ele se sente livre do membro que o fazia sofrer; muitas vezes ele o procura, surpreendido de não mais o possuir. Do mesmo modo o Espírito, no primeiro momento, procura o corpo que tinha; descobre-o ao seu lado; reconhece que é o seu e se espanta de estar separado dele e só gradativamente se apercebe da sua nova situação.
Nesse fenômeno, apenas se operou uma mudança de situação material. Quanto ao moral, o Espírito é exatamente o que era algumas horas antes; não passou por nenhuma modificação sensível; suas faculdades, suas ideias, seus gostos, suas inclinações, seu caráter são os mesmos; as transformações que possa experimentar só se operarão gradativamente, pela influência do que o cerca. Em resumo, só houve morte para o corpo; para o Espírito, apenas houve sono.
Na reencarnação, as coisas se passam de modo completamente diverso.
No momento da concepção do corpo destinado ao Espírito, este é apanhado por uma corrente fluídica que, semelhante a um laço, o atrai e aproxima da sua nova morada. Desde então, ele pertence ao corpo, como o corpo lhe pertencerá até que morra. Todavia, a união completa, a possessão real somente se verifica por ocasião do nascimento.
Desde o instante da concepção, a perturbação se apodera do Espírito; suas ideias se tornam confusas; suas faculdades se aniquilam; a perturbação cresce à medida que os laços se apertam; torna-se completo durante as últimas fases da gestação, de maneira que o Espírito não assiste ao ato de nascimento do seu corpo, como não assiste ao da morte deste; não tem a mínima consciência nem de um nem de outro.
A partir do momento em que a criança respira, a perturbação começa a dissipar-se e as ideias voltam pouco a pouco, mas em condições diferentes das que se verificam por ocasião da morte do corpo.
No ato da reencarnação, as faculdades do Espírito não ficam apenas entorpecidas por uma espécie de sono momentâneo, como sucede quando o Espírito retorna à vida espiritual; todas, sem exceção, passam ao estado de latência. A vida corpórea tem por fim desenvolvê-las mediante o exercício, mas nem todas se podem desenvolver simultaneamente, porque o exercício de uma poderia prejudicar o desenvolvimento de outra, ao passo que, por meio do desenvolvimento sucessivo, umas se apoiam nas outras.
Convém, pois, que algumas fiquem em repouso, enquanto outras se desenvolvem. É por isso que o Espírito, na sua nova existência, pode apresentar-se sob aspecto completamente diferente daquele que tinha na existência precedente, sobretudo se for pouco adiantado.
Num, a faculdade musical, por exemplo, será mais ativa; ele conceberá, perceberá e, portanto, fará tudo o que for necessário ao desenvolvimento dessa faculdade; em outra existência, será a vez da pintura, das ciências exatas, da poesia etc. Enquanto estas novas faculdades se exercitarem, a da música estará latente, mas conservando o progresso que realizou. Conclui- se daí que quem foi artista numa existência poderá ser um sábio, um estadista ou um estrategista em outra, sendo nulo do ponto de vista artístico e reciprocamente.
O estado latente das faculdades na reencarnação explica o esquecimento das existências precedentes, enquanto por ocasião da morte do corpo, achando-se as faculdades em estado de sono pouco durável, a lembrança da vida que acaba de transcorrer é completa, ao despertar o Espírito na vida espiritual.
As faculdades que se manifestam naturalmente guardam relação com a posição que o Espírito tem de ocupar no mundo e com as provas que haja escolhido.
Entretanto, acontece muitas vezes que os preconceitos sociais o desloquem, o que faz que certas pessoas estejam intelectual e moralmente acima e abaixo da posição que ocupam. Esse deslocamento, pelos entraves que acarreta, faz parte das provas e cessará com o progresso. Numa ordem social avançada, tudo se regula de acordo com as regras das leis naturais e aquele que somente tiver aptidão para fabricar sapatos não será, por direito de nascimento, chamado a governar os povos.
Voltemos à criança. Até o nascimento, todas as suas faculdades se encontram em estado latente, não tendo, pois, o Espírito a menor consciência de si mesmo.
As que devam desenvolver-se não desabrocham de súbito no ato de nascer; o desenvolvimento delas acompanha o dos órgãos que terão de servir para as suas manifestações; por meio da atividade íntima em que se colocam, elas impulsionam o desenvolvimento dos órgãos que lhes correspondem, do mesmo modo que o broto, ao nascer, força a casca da árvore.
Daí resulta que, na primeira infância, o Espírito não goza em plenitude de nenhuma de suas faculdades, não só como encarnado, mas também como Espírito livre. Ele é verdadeiramente criança, como o corpo a que se encontra ligado. Não se acha comprimido penosamente no corpo imperfeito, porquanto, a não ser assim, Deus teria feito da encarnação um suplício para todos os Espíritos, bons ou maus.
O mesmo, porém, não acontece com o idiota ou o cretino. Nestes, como os órgãos não se desenvolveram paralelamente às faculdades, o Espírito acaba por achar-se na posição de um homem preso por laços que lhe tiram a liberdade dos movimentos. Tal a razão pela qual se pode evocar o Espírito de um idiota e obter respostas sensatas, ao passo que o de uma criança de tenra idade, ou que ainda não veio à luz, é incapaz de responder.
Todas as faculdades, todas as aptidões se encontram em gérmen no Espírito, desde a sua criação, mas em estado rudimentar, como todos os órgãos se acham no feto informe, como todas as partes da árvore na semente. O selvagem que mais tarde se tornará homem civilizado possui, pois, em si, os germens que, um dia, farão dele um sábio, um grande artista ou um grande filósofo.
À medida que esses germens chegam à maturidade, a Providência lhes dá, para a vida terrestre, um corpo apropriado às suas novas aptidões. É assim que o cérebro de um europeu é organizado de modo mais completo, provido de maior número de teclas, do que o do selvagem. Para a vida espiritual, dá-lhes um corpo fluídico, ou perispírito, mais sutil e impressionável por novas sensações. À proporção que o Espírito se engrandece, a Natureza o provê dos instrumentos que lhe são necessários.
No sentido de desorganização, de desagregação das partes, de dispersão dos elementos, não há morte, senão para o envoltório material e o envoltório fluídico; mas, quanto à alma, ou Espírito, esse não pode morrer para progredir, porquanto, de outro modo, perderia a sua individualidade, o que equivaleria ao nada. No sentido de transformação, regeneração, pode- se dizer que o Espírito morre a cada encarnação, para ressuscitar com atributos novos, sem deixar de ser ele mesmo. Tal, por exemplo, um camponês que enriquece e se torna grande senhor. Trocou a choupana por um palácio, as roupas modestas por vestuários de seda. Todos os seus hábitos mudaram, seus gostos, sua linguagem, até o seu caráter. Em suma, o camponês morreu, enterrou as vestes grosseiras, para renascer homem de sociedade, sendo sempre, no entanto, o mesmo indivíduo, porém transformado.
Cada existência corpórea é, pois, para o Espírito, um meio de progredir mais ou menos sensivelmente. De volta ao mundo dos Espíritos, leva para lá novas ideias; seu horizonte moral se dilata e as percepções são mais agudas, mais delicadas. Vê e compreende o que antes não via nem compreendia; sua visão que, a princípio, não ia além da última existência que tivera, passa a abranger sucessivamente as suas existências passadas, como o homem que sobe uma montanha e para quem o nevoeiro se vai dissipando, abrange com o olhar um horizonte cada vez mais vasto.
A cada novo estágio na erraticidade, novas maravilhas do mundo invisível se desdobram diante do seu olhar, porque, em cada um desses estágios, um véu se rasga. Ao mesmo tempo, seu envoltório fluídico se depura; torna-se mais leve, mais brilhante e mais tarde resplandecerá. É quase um novo Espírito; é o camponês esclarecido e transformado. Morreu o Espírito velho e, no entanto, é sempre a mesma individualidade.
É assim, cremos, que convém se entenda a morte espiritual.

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