PENTATEUCO KARDEQUIANO

PENTATEUCO  KARDEQUIANO
OBRAS BÁSICAS

sábado, setembro 29, 2012

BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC

LIVRO: BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC
AUTOR: HENRI SAUSSE
TRADUÇÃO: EVANDRO NOLETO BEZERRA
FEB - 1ª EDIÇÃO - 2/2012
 
 
Senhoras e senhores,
Muitas pessoas que se interessam pelo Espiritismo já manifestaram o pesar de só possuírem conhecimento muito imperfeito da biografia de Allan Kardec, e não saberem
onde encontrar, sobre aquele a quem chamamos Mestre, as informações que desejariam conhecer. Pois é para honrar Allan Kardec e festejar a sua memória que nos achamos hoje reunidos, e, posto que um mesmo sentimento de veneração e reconhecimento faz vibrar todos os corações em respeito ao fundador da filosofia espírita, permiti-me, no intuito de tentar corresponder a tão legítimo desejo, que vos entretenha alguns momentos com esse Mestre amado, cujos trabalhos são universalmente conhecidos e apreciados, e cuja vida íntima e laboriosa existência mal suspeitamos.
Se foi fácil a todos os investigadores conscienciosos darem-se conta do alto valor e do grande alcance da obra de Allan Kardec pela leitura atenta de seus livros, bem poucos
puderam, pela ausência até hoje de elementos para isso, adentrar a vida interior do homem e segui-lo passo a passo no desempenho da sua tarefa tão grande, tão gloriosa e tão bem preenchida.
Não apenas pouco se conhece a biografia de Allan Kardec, senão que ela ainda está por ser escrita. A inveja e o ciúme semearam sobre ela os mais evidentes erros, as mais grosseiras e as mais impudentes calúnias. Vou, portanto, esforçar-me por mostrar-vos, com luz mais verdadeira, o grande iniciador de quem nos orgulhamos de ser discípulos.
                        [Nascimento]
Todos sabeis que a nossa cidade se deve honrar, com justa razão, por ter visto nascer entre seus muros esse pensador tão arrojado quão metódico, esse filósofo sábio, clarividente e profundo, esse trabalhador obstinado cujo labor sacudiu o edifício religioso do Velho Mundo e preparou os novos fundamentos que deveriam servir de base à evolução e à renovação da nossa sociedade caduca, impelindo-a para um ideal mais são, mais elevado, para um adiantamento intelectual e moral seguros. Foi realmente em Lyon que, a 3 de outubro de 1804, nasceu de antiga família lionesa, com o nome de Rivail, aquele que mais tarde devia ilustrar o nome de Allan Kardec e conquistar para ele tantos títulos à nossa profunda simpatia, ao nosso filial reconhecimento.
Eis, a tal respeito, um documento positivo e oficial:
“Aos doze do vindemiário do ano XIII, auto do nascimento de Denizard Hyppolyte-Léon Rivail, nascido ontem às 7 horas da noite, fi lho de Jean-Baptiste-Antoine Rivail, magistrado, e Jeanne Duhamel, sua esposa, residentes em Lyon, rua Sala, no 76.8
O sexo da criança foi reconhecido como masculino.
Testemunhas maiores: Syriaque-Frédéric Ditmar, diretor do estabelecimento das águas minerais da rua Sala, e Jean-François Targe, mesma rua Sala, por requisição do médico Pierre Radamel, rua Saint-Dominique, no 78.
Feita a leitura, as testemunhas assinaram, assim como o administrador da divisão do Sul.
O presidente do Tribunal, (assinado): Mathiou.
Confere com o original: O escrivão do Tribunal,
(assinado): Malhun.”
                                   [Batismo]
O jovem Rivail foi batizado no dia 15 de junho do ano seguinte, conforme assinalam os registros de batismo a seguir transcritos, cujo original o Sr. Leymarie teve a gentileza de nos ceder:
“Certidão de batismo da paróquia de Saint-Denis en Bresse,9 diocese de Lyon
Aos quinze dias do mês de junho do ano de mil oitocentos e cinco, foi batizado nesta paróquia Hypolite-Léon Denizard, nascido em Lyon no dia três de outubro de mil oitocentos e quatro, fi lho de Jean-Baptiste Antoine Rivail, homem de leis, e Jeanne Louise Duhamel, tendo como padrinhos Pierre Louis Perrin e Gabrielle Marie Vernier, residentes na cidade de Bourg. — Assinado: Barthe, cura da paróquia, com cópia liberada no dia vinte e oito de outubro de mil oitocentos e treze.”
“(assinado): Chassin, cura.”10
O futuro fundador do Espiritismo recebeu desde o berço um nome querido e respeitado, e todo um passado de virtudes, de honra, de probidade; grande número de seus antepassados se havia distinguido na advocacia e na magistratura, por seu talento, saber e escrupulosa probidade. Parecia que o jovem Rivail devia sonhar, ele também, com os louros e as glórias da sua família. Tal, porém, não sucedeu, porque, desde o começo da sua juventude, ele se sentiu atraído para as Ciências e para a Filosofia.
Rivail Denizard fez em Lyon os seus primeiros estudos11 e completou em seguida a sua bagagem escolar, em Yverdun (Suíça), com o célebre professor Pestalozzi, de quem cedo se tornou um dos mais eminentes discípulos, colaborador inteligente e devotado. Aplicou-se, de todo o coração, à propaganda do sistema de educação que exerceu tão grande influência sobre a reforma dos estudos na França e na Alemanha.
Desde os catorze anos o jovem Rivail explicava a seus colegas, menos instruídos do que ele, as lições do Mestre, quando aqueles não as haviam compreendido, visto que a sua inteligência, tão aberta e tão ativa, captava as lições de Pestalozzi tão logo eram enunciadas na sala de aula. Foi nessa escola que se desenvolveram as ideias que mais tarde deviam fazer de Rivail um observador atento, meticuloso, um pensador prudente e profundo. As dificuldades por que passou inicialmente, devidas ao fato de ser católico num país protestante, o levaram, desde cedo, a ser tolerante e o transformaram num homem de progresso, num livre-pensador judicioso, querendo compreender primeiro, antes de acreditar naquilo que lhe ensinavam.
Muitas vezes, quando Pestalozzi era chamado pelos governos, um pouco de todos os lados, para fundar institutos semelhantes ao de Yverdun, confiava a Denizard Rivail o encargo de o substituir na direção da sua escola.12 O discípulo tornado Mestre tinha, além de tudo, com os mais legítimos direitos, a capacidade requerida para levar a bom termo a tarefa que lhe era confiada. Era bacharel em Letras e em Ciências e doutor em Medicina, tendo feito todos os estudos médicos e defendido brilhantemente sua tese.13,14 Linguista insigne, conhecia a fundo e falava fluentemente o alemão, o inglês, o italiano e o espanhol; conhecia também o holandês, e podia facilmente exprimir-se nesta língua.
Denizard Rivail era um alto e belo rapaz, de maneiras distintas, humor jovial na intimidade, bom e afável no trato.
Tendo a conscrição incluído o seu nome para o serviço militar, ele obteve isenção e, dois anos depois, veio fundar em Paris, à rua de Sèvres, no 35, um estabelecimento semelhante ao de Yverdun. Para essa empresa ele se associara a um de seus tios, irmão de sua mãe, o qual era seu sócio capitalista.
                                   [Casamento]
No mundo das letras e do ensino, que frequentava em Paris, Denizard Rivail encontrou a Srta. Amélie Boudet, professora com diploma de 1a classe. Pequena, mas bem-proporcionada, gentil e graciosa, rica por seus pais e fi lha única, inteligente e viva, ela soube por seus sorrisos e predicados fazer-se notar pelo Sr. Rivail, em quem adivinhou, sob a franca e comunicativa alegria do homem amável, o pensador sábio e profundo, que aliava grande dignidade à mais esmerada educação.
O registro civil nos informa que:
“Amélie Gabrielle Boudet, fi lha de Julien-Louis Boudet, proprietário e antigo tabelião, e de Julie-Louise Seigneat de Lacombe, nasceu em Thiais (Sena), aos dois do Frimário do ano IV (23 de novembro de 1795).”
A senhorita Amélie Boudet tinha, pois, mais nove anos que o Sr. Rivail, mas, na aparência, dir-se-ia ter menos dez que ele, quando, em 6 de fevereiro de 1832, em Paris, se firmou o contrato de casamento de Hippolyte-Léon Denizard Rivail, diretor do Instituto Técnico, à rua de Sèvres (Método de Pestalozzi), fi lho de Jean-Baptiste Antoine e senhora Jeanne Duhamel, residentes em Château-du-Loir, com Amélie-Gabrielle Boudet, filha de Julien-Louis e senhora Julie-Louise Seigneat de Lacombe, residentes em Paris, rua de Sèvres, no 35.
O sócio do Sr. Rivail tinha paixão pelo jogo; arruinou o sobrinho, perdendo o tio grossas somas em Spa e em Aix-la-Chapelle. O Sr. Rivail requereu a liquidação do Instituto, de cuja partilha couberam 45.000 francos a cada um deles.
Essa soma foi colocada pelo Sr. e Sra. Rivail em casa de um dos seus amigos íntimos, negociante, que fez maus negócios e cuja falência não deixou coisa alguma aos credores.
Longe de desanimar com esse duplo revés, o Sr. e a Sra. Rivail lançaram-se corajosamente ao trabalho. Ele encontrou e pôde encarregar-se de três contabilidades, que lhe rendiam cerca de 7.000 francos por ano e, fi ndo o seu dia, esse trabalhador infatigável aproveitava a noite para escrever gramáticas, aritméticas, livros para estudos pedagógicos superiores; traduzia obras inglesas e alemãs e preparava todos os cursos de Levy-Alvarès, frequentados por discípulos de ambos os sexos do bairro Saint-Germain. Organizou também em sua casa, à rua de Sèvres, cursos gratuitos de Química, Física, Astronomia e Anatomia comparada, de 1835 a 1840, e que eram muito frequentados.
                                   [Carreira pedagógica]
Membro de várias sociedades sábias, notadamente da Academia Real de Arras, foi premiado, por concurso, em 1831, pela apresentação da sua notável memória: Qual o sistema de estudo mais em harmonia com as necessidades da época?
Dentre as suas numerosas obras convém citar, por ordem cronológica: Curso prático e teórico de Aritmética, publicado em 182415 para uso das mães de família e dos professores, segundo o método de Pestalozzi; Plano proposto para o melhoramento da instrução pública, em 1828; em 1831, fez aparecer a Gramática francesa clássica; em 1846, o Manual dos exames para obtenção dos certificados de capacidade: soluções racionais das questões e problemas de Aritmética e de Geometria; em 1848, foi publicado o Catecismo gramatical da língua francesa; finalmente, em 1849, encontramos o Sr. Rivail como professor do Liceu Polimático, lecionando nas cadeiras de Fisiologia, Astronomia, Química e Física. Em uma obra muito apreciada ele resume seus cursos, e depois publica: Ditados normais dos exames na Municipalidade e na Sorbonne; Ditados especiais sobre as dificuldades ortográficas.
Tendo sido essas diversas obras adotadas pela Universidade de França, e vendendo-se abundantemente, o Sr. Rivail pôde conseguir, graças a elas e ao seu assíduo trabalho, uma modesta abastança. Como se pode julgar por esta muito rápida exposição, o Sr. Rivail estava admiravelmente preparado para a espinhosa tarefa que ia desempenhar e fazer triunfar.
Seu nome era conhecido e respeitado, seus trabalhos justamente apreciados, muito antes que ele imortalizasse o nome de Allan Kardec.
Prosseguindo em sua carreira pedagógica, o Sr. Rivail poderia viver feliz, honrado e tranquilo, com sua fortuna reconstituída, graças ao trabalho perseverante e ao brilhante êxito que lhe coroara os esforços, mas a sua missão o chamava a uma tarefa mais sacrificial, a uma obra maior e, como muitas vezes teremos oportunidade de evidenciar, ele sempre se mostrou à altura da gloriosa missão que lhe estava reservada.
Suas tendências e aspirações o teriam impelido para o misticismo, mas a educação, o juízo reto e a observação metódica o resguardaram dos entusiasmos irracionais e das negações não justificadas.
Ainda cedo o Sr. Rivail se ocupou com os fenômenos do magnetismo. Ele tinha no máximo 19 anos quando, em 1823, se sentiu impelido a estudar as fases do sonambulismo, cujos mistérios perturbadores eram tidos por ele no mais alto interesse. Foi, pois, com perfeito conhecimento de causa que ele escreveu, um dia, na sua Revista Espírita de março de 1858 [Magnetismo e Espiritismo]:
“O magnetismo preparou o caminho do Espiritismo, e o rápido progresso desta última doutrina se deve, incontestavelmente, à vulgarização das ideias sobre a primeira. Dos fenômenos magnéticos, do sonambulismo e do êxtase às manifestações espíritas não há mais que um passo; tal é sua conexão que, por assim dizer, torna-se impossível falar de um sem falar do outro. Se tivéssemos que ficar fora da ciência magnética, nosso quadro seria incompleto e poderíamos ser comparados a um professor de Física que se abstivesse de falar da luz. Todavia, como entre nós o magnetismo já possui órgãos especiais justamente acreditados, seria supérfluo insistirmos sobre um assunto que é tratado com tanta superioridade de talento e de experiência; a ele, pois, não nos referiremos senão acessoriamente, mas de maneira suficiente para mostrar as relações íntimas entre essas duas ciências que, a bem da verdade, não passam de uma.”
Contudo, não nos antecipemos; ainda não chegamos lá.
Allan Kardec ainda não encontrou o caminho glorioso que o conduzirá à imortalidade.
                        [Primeiros contatos com o Espiritismo]
Foi em 1854 que o Sr. Rivail ouviu falar pela primeira vez das mesas girantes, a princípio pelo Sr. Fortier, magnetizador, com o qual mantinha relações em razão dos seus estudos sobre o magnetismo. O Sr. Fortier lhe disse um dia:
 “Eis uma coisa muito mais extraordinária; não só se consegue que uma mesa se mova, magnetizando-a, como também que fale. Interrogada, ela responde.” “Isto agora”, repliquei-lhe, “é outra questão. Só acreditarei quando o vir e quando me provarem que uma mesa tem cérebro para pensar, nervos para sentir e que possa tornar-se sonâmbula. Até lá, permita que eu não veja no caso mais que um conto da carochinha.
Tal era no início o estado de espírito do Sr. Rivail, tal o encontraremos muitas vezes, não negando coisa alguma por parti pris, mas pedindo provas e querendo ver e observar para crer; tais nos devemos mostrar sempre no estudo tão cativante das manifestações do Além.
Até agora não vos falei senão do Sr. Rivail, professor emérito, autor pedagógico de renome, mas, nessa época de sua vida, de 1854 a 1856, um novo horizonte se rasga para esse pensador profundo, para esse sagaz observador. Então o nome de Rivail se apaga pouco a pouco para ceder lugar ao de Allan Kardec, que a fama levará a todos os cantos do globo, os ecos repetirão e todos os nossos corações idolatram.
Eis aqui como Allan Kardec nos confessa as suas dúvidas, as suas hesitações e também a sua iniciação no Espiritismo:
“Eu estava, pois, diante de um fato não explicado, aparentemente contrário às Leis da Natureza e que a minha razão repelia. Ainda nada vira, nem observara; as experiências, realizadas em presença de pessoas honradas e dignas de fé, confirmavam a minha opinião quanto à possibilidade do efeito puramente material, mas a ideia de uma mesa falante ainda não me entrara na mente.
Em meados do ano seguinte — 1855 — encontrei-me com o Sr. Carlotti, amigo de 25 anos, que me falou daqueles fenômenos durante cerca de uma hora, com o entusiasmo que consagrava a todas as ideias novas. Ele era natural da Córsega, de temperamento ardoroso e enérgico, e eu sempre apreciara nele as qualidades que distinguem uma grande e bela alma, porém desconfiava da sua exaltação. Foi o primeiro que me falou da intervenção dos Espíritos e me contou tantas coisas surpreendentes que, longe de me convencer, aumentou mais ainda as minhas dúvidas. ‘Um dia, o senhor será dos nossos’, concluiu. ‘Não direi que não’, respondi-lhe: ‘veremos isso mais tarde.’
Passado algum tempo, lá pelo mês de maio de 1855, fui à casa da sonâmbula Sra. Roger, em companhia do Sr. Fortier, seu magnetizador. Ali encontrei o Sr. Pâtier e a Sra. Plainemaison, que me falaram daqueles fenômenos no mesmo sentido em que o Sr. Carlotti se pronunciara, mas em tom muito diverso. O Sr. Pâtier era funcionário público, já de certa idade, muito instruído, de caráter grave, frio e calmo; sua linguagem pausada, isenta de todo entusiasmo, produziu em mim viva impressão e, quando me convidou a assistir às experiências que se realizavam em casa da Sra. Plainemaison, à rua Grange-Batelière, 18, aceitei imediatamente. A reunião foi marcada para terça-feira de maio,16 às oito horas da noite.
Foi aí que, pela primeira vez, presenciei o fenômeno das mesas que giravam, saltavam e corriam em condições tais que não deixavam lugar para qualquer dúvida. Assisti também a alguns ensaios, muito imperfeitos, de escrita mediúnica numa ardósia, com o auxílio de uma cesta. Minhas ideias estavam
longe de precisar-se, mas havia ali um fato que necessariamente decorria de uma causa. Eu entrevia, naquelas aparentes futilidades, no passatempo que faziam daqueles fenômenos, qualquer coisa de sério, como que a revelação de uma nova lei, que tomei a mim estudar a fundo.
Bem depressa se me apresentaram outras oportunidades para observar os fatos com mais atenção, como ainda não o havia feito. Numa das reuniões da Sra. Plainemaison, travei conhecimento com a família Baudin, que residia então à rua Rochechouart. O Sr. Baudin me convidou para assistir às sessões semanais que se realizavam em sua casa e às quais me tornei, desde logo, muito assíduo.
[...] Foi nessas reuniões que comecei os meus estudos sérios de Espiritismo, menos, ainda, por meio de revelações, do que de observações. Apliquei, a essa nova ciência, como fizera até então, o método experimental; nunca elaborei teorias preconcebidas; observava cuidadosamente, comparava, deduzia consequências; a partir dos efeitos procurava remontar às causas, por dedução e pelo encadeamento lógico dos fatos, não admitindo por válida uma explicação, senão quando podia resolver todas as dificuldades da questão. Foi assim que procedi sempre em meus trabalhos anteriores, desde a idade de quinze ou dezesseis anos. Compreendi, antes de tudo, a gravidade da exploração que ia empreender; percebi, naqueles fenômenos, a chave do problema tão obscuro e tão controvertido do passado e do futuro da Humanidade, a solução que eu procurara em toda a minha vida. Era, em suma, toda uma revolução nas ideias e nas crenças: era preciso, portanto, andar com a maior circunspeção, e não levianamente; ser positivista, e não idealista, para não me deixar iludir.
Um dos primeiros resultados que colhi das minhas observações foi que os Espíritos, nada mais sendo do que as almas dos homens, não possuíam nem a plena sabedoria, nem a ciência integral; que o saber de que dispunham se limitava ao grau de adiantamento que haviam alcançado, e que a opinião deles só tinha o valor de uma opinião pessoal.
Reconhecida desde o princípio, esta verdade me preservou do grave escolho de crer na infalibilidade dos Espíritos e me impediu de formular teorias imaturas, tendo por base o que fora dito por um ou alguns deles.
O simples fato da comunicação com os Espíritos, dissessem eles o que dissessem, provava a existência do mundo invisível ambiente. Já era um ponto essencial, um imenso campo aberto às nossas explorações, a chave de inúmeros fenômenos até então sem explicação. O segundo ponto, não menos importante, era que aquela comunicação nos permitia conhecer o estado desse mundo, seus costumes, se assim nos podemos exprimir. Logo vi que cada Espírito, em virtude da sua posição pessoal e de seus conhecimentos, me desvendava uma face daquele mundo, do mesmo modo como se chega a conhecer o estado de um país, interrogando habitantes seus de todas as classes e de todas as condições, visto que cada um nos pode ensinar alguma coisa, não podendo um só, individualmente, informar-nos de tudo. Cabe ao observador formar o conjunto, por meio dos documentos colhidos de diferentes lados, cotejados, coordenados e comparados uns com os outros. Conduzi-me, pois, com os Espíritos, como o teria feito com homens.
Para mim, eles foram, do menor ao maior, meios de me informar, e não reveladores predestinados.”
A estas informações, colhidas nas Obras Póstumas de Allan Kardec [Segunda Parte — A minha iniciação no Espiritismo], convém acrescentar que a princípio o Sr. Rivail, longe de ser um entusiasta dessas manifestações e absorvido por outras ocupações, esteve a ponto de abandoná-las, o que talvez tivesse feito se não fossem as insistentes solicitações dos Srs. Carlotti, René Taillandier, membro da Academia das Ciências, Tiedman-Monthèse, Sardou, pai e filho, e Didier, editor, que acompanhavam havia cinco anos o estudo desses fenômenos e tinham reunido cinquenta cadernos de comunicações diversas, que não conseguiam pôr em ordem. Conhecendo as vastas e raras aptidões de síntese do Sr. Rivail, esses senhores lhe enviaram os cadernos, pedindo-lhe que tomasse conhecimento deles e os ordenasse. Este trabalho era árduo e exigia muito tempo, em virtude das lacunas e obscuridades que as comunicações apresentavam, de modo que o sábio enciclopedista relutava em aceitar essa tarefa enfadonha e absorvente, em razão de outros trabalhos.
Certa noite, seu Espírito protetor, Z, deu-lhe por um médium uma comunicação toda pessoal, na qual lhe dizia, entre outras coisas, tê-lo conhecido em uma precedente existência, quando, ao tempo dos druidas, viviam juntos nas Gálias. Ele se chamava, então, Allan Kardec, e, como a amizade que lhe votara só fazia aumentar, prometia-lhe esse Espírito secundá-lo na tarefa muito importante a que ele era chamado, e que facilmente levaria a termo.
O Sr. Rivail lançou-se, pois, à obra: tomou os cadernos, anotou-os com cuidado. Após atenta leitura, suprimiu as repetições e ordenou cada ditado, cada relatório de sessão, assinalando as lacunas a preencher, as obscuridades a aclarar, e preparando as perguntas necessárias para chegar a esse resultado.
 
8 N. de H. S.: A casa em que nasceu Allan Kardec desapareceu entre 1840 e 1852, quando se fez o alargamento e alinhamento da rua Sala, em consequência das inundações de 1840.
9 N. de H. S.: Igreja de Saint-Denis de la Croix Rousse, que, então, não fazia parte de Lyon.
10 N. de H. S.: Este documento foi lavrado em papel timbrado custando 25 centavos.
11 N. do T.: O jovem Rivail nunca morou em Lyon, conforme ele mesmo atesta na Revista Espírita de junho de 1862 (“Assim se escreve a História — os milhões do Sr. Allan Kardec.”) Pesquisas recentes revelam que ele passou a infância em Bourg-en-Bresse, distante 60km de Lyon, e naquela cidade é que teria feito os seus primeiros estudos, antes de ir para Yverdun, na Suíça, estudar no colégio do famoso pedagogo Henrique Pestalozzi. Biografia de Allan Kardec 14x21-miolo.indd 28 11/10/2011 13:10:52
12 N. do T.: O pesquisador espírita Zêus Wantuil discorda dessa afirmação de Henri Sausse. Segundo ele, “o máximo que se pode admitir, e ainda o consideramos muito pouco provável, é ter ele (Rivail) administrado, no final de sua permanência em Yverdun, alguma seção daquele estabelecimento de ensino e educação. (Allan Kardec — o Educador e o Codificador, volume I, capítulo 9, FEB, 2004.)
13 N. de H. S.: Esses dados me foram fornecidos pelo Sr. G. Leymarie, em 1896.
14 N. do T.: Apesar dessa informação, que outros escritores e pesquisadores encamparam, “ainda não apareceu nenhum documento que pelo menos prove haver Rivail frequentado, como aluno ou mesmo como ouvinte, alguma faculdade de Medicina, não existindo em seus escritos nenhuma nota ou referência que possa dirimir a questão”. (Allan Kardec — o Educador e o Codificador, volume I, capítulo 31: “Rivail Médico?”, FEB, 2004.) Biografia de Allan Kardec 14x21-miolo. indd 30 11/10/2011 13:10:52
15 N. do T.: Embora conste o ano de 1829 no original francês que serviu de base para esta tradução, o Curso prático e teórico de Aritmética apareceu em 1824. Veja-se o livro Allan Kardec — o Educador e o Codificador, organizado por Zêus Wantuil, volume I, cap. 14, FEB, 2004.
16 Nota do original francês: a data ficou em branco no manuscrito.

2 comentários:

Evandro disse...

Amigo e irmão Halvei.

Que bom saber que também és blogueiro! E que bom saber, também, que compartilhamos alguma coisa além dos temas terrenos!

Recebi o teu link em e-mail enviado pelo Homero. Vou colocá-los nos meus favoritos. Melhor, vou inserir em dois dos meus blogs, que são o da família - "NÓS AQUI" e o de fotografias que cometo de vez em quando - "RETRATOS DO MEU JARDIM". Espero que não tenhas objeção.

Por agora é isto. Voltarei com freqüência, podes ter certeza.

Um feliz e abençoado fim de semana junto aos teus.

Abraço fraterno.

Evandro (Inácio)

Valdomiro Halvei Barcellos disse...

Irmão Nós somos um dos Adm do Blog. A matéria comentada foi postada por Erealdo, tambem Administrador do Blog Evolução. Paz! Halvei