LIVRO: BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC
AUTOR: HENRI SAUSSE
TRADUÇÃO: EVANDRO NOLETO BEZERRA
FEB - 1ª EDIÇÃO - 2/2012
Senhoras e senhores,
Muitas pessoas que se
interessam pelo Espiritismo já manifestaram o pesar de só possuírem
conhecimento muito imperfeito da biografia de Allan Kardec, e não saberem
onde encontrar, sobre
aquele a quem chamamos Mestre, as informações que desejariam conhecer. Pois é
para honrar Allan Kardec e festejar a sua memória que nos achamos hoje reunidos,
e, posto que um mesmo sentimento de veneração e reconhecimento faz vibrar todos
os corações em respeito ao fundador da filosofia espírita, permiti-me, no
intuito de tentar corresponder a tão legítimo desejo, que vos entretenha alguns
momentos com esse Mestre amado, cujos trabalhos são universalmente conhecidos e
apreciados, e cuja vida íntima e laboriosa existência mal suspeitamos.
Se foi fácil a todos
os investigadores conscienciosos darem-se conta do alto valor e do grande
alcance da obra de Allan Kardec pela leitura atenta de seus livros, bem poucos
puderam, pela
ausência até hoje de elementos para isso, adentrar a vida interior do homem e
segui-lo passo a passo no desempenho da sua tarefa tão grande, tão gloriosa e
tão bem preenchida.
Não apenas pouco se
conhece a biografia de Allan Kardec, senão que ela ainda está por ser escrita.
A inveja e o ciúme semearam sobre ela os mais evidentes erros, as mais
grosseiras e as mais impudentes calúnias. Vou, portanto, esforçar-me por
mostrar-vos, com luz mais verdadeira, o grande iniciador de quem nos orgulhamos
de ser discípulos.
[Nascimento]
Todos sabeis que a
nossa cidade se deve honrar, com justa razão, por ter visto nascer entre seus
muros esse pensador tão arrojado quão metódico, esse filósofo sábio,
clarividente e profundo, esse trabalhador obstinado cujo labor sacudiu o edifício
religioso do Velho Mundo e preparou os novos fundamentos que deveriam servir de
base à evolução e à renovação da nossa sociedade caduca, impelindo-a para um
ideal mais são, mais
elevado, para um adiantamento intelectual e moral seguros. Foi realmente em
Lyon que, a 3 de outubro de 1804, nasceu de antiga família lionesa, com o nome
de Rivail, aquele que mais tarde devia ilustrar o nome de Allan Kardec e
conquistar para ele tantos títulos à nossa profunda simpatia, ao nosso filial
reconhecimento.
Eis, a tal respeito,
um documento positivo e oficial:
“Aos doze do
vindemiário do ano XIII, auto do nascimento de Denizard Hyppolyte-Léon
Rivail, nascido ontem às 7 horas da noite, fi lho de Jean-Baptiste-Antoine
Rivail, magistrado, e Jeanne Duhamel, sua esposa, residentes em Lyon,
rua Sala, no 76.8
O sexo da criança foi
reconhecido como masculino.
Testemunhas maiores: Syriaque-Frédéric
Ditmar, diretor do estabelecimento das águas minerais da rua Sala, e Jean-François
Targe, mesma rua Sala, por requisição do médico Pierre Radamel, rua
Saint-Dominique, no 78.
Feita a leitura, as
testemunhas assinaram, assim como o administrador da divisão do Sul.
O presidente do
Tribunal, (assinado): Mathiou.
Confere com o
original: O escrivão do Tribunal,
(assinado): Malhun.”
[Batismo]
O jovem Rivail foi
batizado no dia 15 de junho do ano seguinte, conforme assinalam os registros de
batismo a seguir transcritos, cujo original o Sr. Leymarie teve a gentileza de nos
ceder:
“Certidão de batismo
da paróquia de Saint-Denis en Bresse,9 diocese de Lyon
Aos quinze dias do
mês de junho do ano de mil oitocentos e cinco, foi batizado nesta paróquia
Hypolite-Léon Denizard, nascido em Lyon no dia três de outubro de mil oitocentos
e quatro, fi lho de Jean-Baptiste Antoine Rivail, homem de leis, e Jeanne
Louise Duhamel, tendo como padrinhos Pierre Louis Perrin e Gabrielle Marie
Vernier, residentes na cidade de Bourg. — Assinado: Barthe, cura da paróquia,
com cópia liberada no dia vinte e oito de outubro de mil oitocentos e treze.”
“(assinado): Chassin,
cura.”10
O futuro fundador do
Espiritismo recebeu desde o berço um nome querido e respeitado, e todo um
passado de virtudes, de honra, de probidade; grande número de seus antepassados
se havia distinguido na advocacia e na magistratura, por seu talento, saber e
escrupulosa probidade. Parecia que o jovem Rivail devia sonhar, ele também, com
os louros e as glórias da sua família. Tal, porém, não sucedeu, porque, desde o começo da sua
juventude, ele se sentiu atraído para as Ciências e para a Filosofia.
Rivail Denizard fez
em Lyon os seus primeiros estudos11 e completou em seguida a sua bagagem
escolar, em Yverdun (Suíça), com
o célebre professor Pestalozzi, de quem cedo se tornou um dos mais eminentes
discípulos, colaborador inteligente e devotado. Aplicou-se, de todo o coração, à
propaganda do sistema de educação que exerceu tão grande influência sobre a
reforma dos estudos na França e na Alemanha.
Desde os catorze anos
o jovem Rivail explicava a seus colegas, menos instruídos do que ele, as lições
do Mestre, quando aqueles não as haviam compreendido, visto que a sua inteligência, tão
aberta e tão ativa, captava as lições de Pestalozzi tão logo eram enunciadas na
sala de aula. Foi nessa escola que se desenvolveram as ideias que mais tarde deviam
fazer de Rivail um observador atento, meticuloso, um pensador prudente e
profundo. As dificuldades por que passou inicialmente, devidas ao fato de ser
católico num país protestante, o levaram, desde cedo, a ser tolerante e o transformaram
num homem de progresso, num livre-pensador judicioso, querendo compreender
primeiro, antes de acreditar naquilo que lhe ensinavam.
Muitas vezes, quando
Pestalozzi era chamado pelos governos, um pouco de todos os lados, para fundar
institutos semelhantes ao de Yverdun, confiava a Denizard Rivail o encargo de o
substituir na direção da sua escola.12 O discípulo tornado Mestre tinha, além
de tudo, com os mais legítimos direitos, a
capacidade requerida para levar a bom termo a tarefa que lhe era confiada. Era
bacharel em Letras e em Ciências e doutor em Medicina, tendo feito todos os
estudos médicos e defendido brilhantemente sua tese.13,14 Linguista insigne,
conhecia a fundo e falava fluentemente o alemão, o inglês, o italiano e o
espanhol; conhecia também o holandês, e podia facilmente exprimir-se nesta
língua.
Denizard Rivail era
um alto e belo rapaz, de maneiras distintas, humor jovial na intimidade, bom e
afável no trato.
Tendo a conscrição
incluído o seu nome para o serviço militar, ele obteve isenção e, dois anos
depois, veio fundar em Paris, à rua de Sèvres, no 35, um estabelecimento
semelhante ao de Yverdun. Para essa empresa ele se associara a um de seus tios,
irmão de sua mãe, o qual era seu sócio capitalista.
[Casamento]
No mundo das letras e
do ensino, que frequentava em Paris, Denizard Rivail encontrou a Srta. Amélie
Boudet, professora com diploma de 1a classe. Pequena, mas bem-proporcionada, gentil
e graciosa, rica por seus pais e fi lha única, inteligente e viva, ela soube
por seus sorrisos e predicados fazer-se notar pelo Sr.
Rivail, em quem adivinhou, sob a franca e comunicativa alegria do homem amável,
o pensador sábio e profundo, que aliava grande dignidade à mais esmerada educação.
O registro civil nos
informa que:
“Amélie Gabrielle
Boudet, fi lha de Julien-Louis Boudet, proprietário e antigo tabelião, e de
Julie-Louise Seigneat de Lacombe, nasceu em Thiais (Sena), aos dois do Frimário
do ano IV (23 de novembro de 1795).”
A senhorita Amélie
Boudet tinha, pois, mais nove anos que o Sr. Rivail, mas, na aparência,
dir-se-ia ter menos dez que ele, quando, em 6 de fevereiro de 1832, em Paris,
se firmou o contrato de casamento de Hippolyte-Léon Denizard Rivail, diretor do
Instituto Técnico, à rua de Sèvres (Método de Pestalozzi), fi lho de
Jean-Baptiste Antoine e senhora Jeanne Duhamel, residentes em Château-du-Loir,
com Amélie-Gabrielle Boudet, filha de Julien-Louis e senhora Julie-Louise
Seigneat de Lacombe, residentes em Paris, rua de Sèvres, no 35.
O sócio do Sr. Rivail
tinha paixão pelo jogo; arruinou o sobrinho, perdendo o tio grossas somas em
Spa e em Aix-la-Chapelle. O Sr. Rivail requereu a liquidação do Instituto, de cuja partilha
couberam 45.000 francos a cada um deles.
Essa soma foi
colocada pelo Sr. e Sra. Rivail em casa de um dos seus amigos íntimos, negociante,
que fez maus negócios e cuja falência não deixou coisa alguma aos credores.
Longe de desanimar
com esse duplo revés, o Sr. e a Sra. Rivail lançaram-se corajosamente ao
trabalho. Ele encontrou e pôde encarregar-se de três contabilidades, que lhe
rendiam cerca de 7.000 francos por ano e, fi ndo o seu dia, esse trabalhador
infatigável aproveitava a noite para escrever gramáticas, aritméticas, livros
para estudos pedagógicos superiores; traduzia obras inglesas e alemãs e
preparava todos os cursos de Levy-Alvarès, frequentados por discípulos de ambos
os sexos do bairro Saint-Germain. Organizou também em sua casa, à rua de
Sèvres, cursos gratuitos de Química, Física, Astronomia e Anatomia comparada,
de 1835 a 1840, e que eram muito frequentados.
[Carreira
pedagógica]
Membro de várias
sociedades sábias, notadamente da Academia Real de Arras, foi premiado, por concurso,
em 1831, pela apresentação da sua notável memória: Qual o sistema de
estudo mais em harmonia com as necessidades da época?
Dentre as suas
numerosas obras convém citar, por ordem cronológica: Curso prático e teórico
de Aritmética, publicado em 182415 para uso das mães de família e dos
professores, segundo o método de Pestalozzi; Plano proposto para o
melhoramento da instrução pública, em 1828; em 1831, fez aparecer a Gramática
francesa clássica; em 1846, o Manual dos exames para obtenção dos
certificados de capacidade: soluções racionais das questões e problemas de
Aritmética e de Geometria; em 1848, foi publicado o Catecismo gramatical da
língua francesa; finalmente, em 1849, encontramos o Sr. Rivail como
professor do Liceu Polimático,
lecionando nas cadeiras de Fisiologia, Astronomia, Química e Física. Em uma
obra muito apreciada ele resume seus cursos, e depois publica: Ditados
normais dos exames na Municipalidade e na Sorbonne; Ditados
especiais sobre as dificuldades ortográficas.
Tendo sido essas
diversas obras adotadas pela Universidade de França, e vendendo-se
abundantemente, o Sr. Rivail pôde conseguir, graças a elas e ao seu assíduo
trabalho, uma modesta abastança. Como se pode julgar por esta muito rápida exposição,
o Sr. Rivail estava admiravelmente preparado para a espinhosa tarefa que ia
desempenhar e fazer triunfar.
Seu nome era
conhecido e respeitado, seus trabalhos justamente apreciados, muito antes que
ele imortalizasse o nome de Allan Kardec.
Prosseguindo em sua
carreira pedagógica, o Sr. Rivail poderia viver feliz, honrado e tranquilo, com
sua fortuna reconstituída, graças ao trabalho perseverante e ao brilhante êxito
que lhe coroara os esforços, mas a sua missão o chamava a uma tarefa mais
sacrificial, a uma obra maior e, como muitas vezes teremos oportunidade de
evidenciar, ele sempre se mostrou à altura da gloriosa missão que lhe estava
reservada.
Suas tendências e
aspirações o teriam impelido para o misticismo, mas a educação, o juízo reto e
a observação metódica o resguardaram dos entusiasmos irracionais e das negações não justificadas.
Ainda cedo o Sr.
Rivail se ocupou com os fenômenos do magnetismo. Ele tinha no máximo 19 anos
quando, em 1823, se sentiu impelido a estudar as fases do sonambulismo, cujos
mistérios perturbadores eram tidos por ele no mais alto interesse. Foi, pois,
com perfeito conhecimento de causa que ele escreveu, um dia, na sua Revista
Espírita de março de 1858 [Magnetismo e Espiritismo]:
“O magnetismo
preparou o caminho do Espiritismo, e o rápido progresso desta última doutrina
se deve, incontestavelmente, à vulgarização das ideias sobre a primeira. Dos fenômenos magnéticos,
do sonambulismo e do êxtase às manifestações espíritas não há mais que um
passo; tal é sua conexão que, por assim dizer, torna-se impossível falar de um sem
falar do outro. Se tivéssemos que ficar fora da ciência magnética, nosso
quadro seria incompleto e poderíamos ser comparados a um professor de Física
que se abstivesse de falar da luz. Todavia, como entre nós o magnetismo já
possui órgãos especiais justamente acreditados, seria supérfluo insistirmos
sobre um assunto que é tratado com tanta superioridade de talento e de
experiência; a ele, pois, não nos referiremos senão acessoriamente, mas de
maneira suficiente para mostrar as relações íntimas entre essas duas ciências
que, a bem da verdade, não passam de uma.”
Contudo, não nos
antecipemos; ainda não chegamos lá.
Allan Kardec ainda
não encontrou o caminho glorioso que o conduzirá à imortalidade.
[Primeiros contatos com
o Espiritismo]
Foi em 1854 que o Sr.
Rivail ouviu falar pela primeira vez das mesas girantes, a princípio pelo Sr.
Fortier, magnetizador, com o qual mantinha relações em razão dos seus estudos
sobre o magnetismo. O Sr. Fortier lhe disse um dia:
“Eis uma coisa muito mais extraordinária; não
só se consegue que uma mesa se mova, magnetizando-a, como também que fale.
Interrogada, ela responde.” “Isto agora”, repliquei-lhe, “é outra questão. Só
acreditarei quando o vir e quando me provarem que uma mesa tem cérebro para
pensar, nervos para sentir e que possa tornar-se sonâmbula. Até lá, permita que
eu não veja no caso mais que um conto da carochinha.
Tal era no início o
estado de espírito do Sr. Rivail, tal o encontraremos muitas vezes, não negando
coisa alguma por parti pris, mas pedindo provas e querendo ver e
observar para crer; tais nos devemos mostrar sempre no estudo tão cativante das manifestações do
Além.
Até agora não vos
falei senão do Sr. Rivail, professor emérito, autor pedagógico de renome, mas,
nessa época de sua vida, de 1854 a 1856, um novo horizonte se rasga para esse
pensador profundo, para esse sagaz observador. Então o nome de Rivail se apaga
pouco a pouco para ceder lugar ao de Allan Kardec, que a fama levará a todos os
cantos do globo, os ecos repetirão e todos os nossos corações idolatram.
Eis aqui como Allan
Kardec nos confessa as suas dúvidas, as suas hesitações e também a sua
iniciação no Espiritismo:
“Eu estava, pois,
diante de um fato não explicado, aparentemente contrário às Leis da Natureza e
que a minha razão repelia. Ainda nada vira, nem observara; as experiências, realizadas
em presença de pessoas honradas e dignas de fé, confirmavam a minha opinião
quanto à possibilidade do efeito puramente material, mas a ideia de uma mesa falante
ainda não me entrara na mente.
Em meados do ano
seguinte — 1855 — encontrei-me com o Sr. Carlotti, amigo de 25 anos, que me
falou daqueles fenômenos durante cerca de uma hora, com o entusiasmo que
consagrava a todas as ideias novas. Ele era natural da Córsega, de temperamento
ardoroso e enérgico, e eu sempre apreciara nele as qualidades que distinguem
uma grande e bela alma, porém desconfiava da sua exaltação. Foi o primeiro que
me falou da intervenção dos Espíritos e me contou tantas coisas surpreendentes
que, longe de me convencer, aumentou mais ainda as minhas dúvidas. ‘Um dia, o
senhor será dos nossos’, concluiu. ‘Não direi que não’, respondi-lhe: ‘veremos
isso mais tarde.’
Passado algum tempo,
lá pelo mês de maio de 1855, fui à casa da sonâmbula Sra. Roger, em companhia
do Sr. Fortier, seu magnetizador. Ali encontrei o Sr. Pâtier e a Sra.
Plainemaison, que me falaram daqueles fenômenos no mesmo sentido em que o Sr.
Carlotti se pronunciara, mas em tom muito diverso. O Sr. Pâtier era funcionário
público, já de certa idade, muito instruído, de caráter grave, frio e calmo; sua
linguagem pausada, isenta de todo entusiasmo, produziu em mim viva impressão e,
quando me convidou a assistir às experiências que se realizavam em casa da Sra.
Plainemaison, à rua
Grange-Batelière, 18, aceitei imediatamente. A reunião foi marcada para terça-feira
de maio,16 às oito horas da noite.
Foi aí que, pela
primeira vez, presenciei o fenômeno das mesas que giravam, saltavam e corriam
em condições tais que não deixavam lugar para qualquer dúvida. Assisti também a
alguns ensaios, muito imperfeitos, de escrita mediúnica numa ardósia, com o
auxílio de uma cesta. Minhas ideias estavam
longe de precisar-se,
mas havia ali um fato que necessariamente decorria de uma
causa. Eu entrevia, naquelas aparentes futilidades, no passatempo que faziam
daqueles fenômenos, qualquer coisa de sério, como que a revelação de uma nova
lei, que tomei a mim estudar a fundo.
Bem depressa se me
apresentaram outras oportunidades para observar os fatos com mais atenção, como
ainda não o havia feito. Numa das reuniões da Sra. Plainemaison, travei conhecimento
com a família Baudin, que residia então à rua Rochechouart. O Sr. Baudin me
convidou para assistir às sessões semanais que se realizavam em sua casa e às
quais me tornei, desde logo, muito assíduo.
[...] Foi nessas
reuniões que comecei os meus estudos sérios de Espiritismo, menos, ainda, por
meio de revelações, do que de observações. Apliquei, a essa nova ciência, como
fizera até então, o método experimental; nunca elaborei teorias preconcebidas;
observava cuidadosamente, comparava, deduzia consequências; a partir dos
efeitos procurava remontar às causas, por dedução e pelo encadeamento lógico
dos fatos, não admitindo por
válida uma explicação, senão quando podia resolver todas as dificuldades da
questão. Foi assim que procedi sempre em meus trabalhos anteriores, desde a idade
de quinze ou dezesseis anos. Compreendi, antes de tudo, a gravidade da
exploração que ia empreender; percebi, naqueles fenômenos, a chave do problema
tão obscuro e tão controvertido do passado e do futuro da Humanidade, a solução
que eu procurara em toda a minha vida. Era, em suma, toda uma revolução nas
ideias e nas crenças: era preciso, portanto, andar com a maior circunspeção, e
não levianamente; ser positivista, e não idealista, para não me deixar iludir.
Um dos primeiros
resultados que colhi das minhas observações foi que os Espíritos, nada mais
sendo do que as almas dos homens, não possuíam nem a plena sabedoria, nem a
ciência integral; que o saber de que dispunham se limitava ao grau de
adiantamento que haviam alcançado, e que a opinião deles só tinha o valor de
uma opinião pessoal.
Reconhecida desde o
princípio, esta verdade me preservou do grave escolho de crer na infalibilidade
dos Espíritos e me impediu de formular teorias imaturas, tendo por base o que fora
dito por um ou alguns deles.
O simples fato da
comunicação com os Espíritos, dissessem eles o que dissessem, provava a
existência do mundo invisível ambiente. Já era um ponto essencial, um imenso campo
aberto às nossas explorações, a chave de inúmeros fenômenos até então sem
explicação. O segundo ponto, não menos importante, era que aquela comunicação
nos permitia conhecer o estado desse mundo, seus costumes, se assim nos podemos
exprimir. Logo vi que cada Espírito, em virtude da sua posição pessoal e de
seus conhecimentos, me desvendava uma face daquele mundo, do mesmo modo como se
chega a conhecer o estado de um país, interrogando habitantes seus de todas as
classes e de todas as condições, visto que cada um nos pode ensinar alguma coisa,
não podendo um só, individualmente, informar-nos de tudo. Cabe ao observador
formar o conjunto, por meio dos documentos colhidos de diferentes lados,
cotejados, coordenados e comparados uns com os outros. Conduzi-me, pois, com os
Espíritos, como o teria feito com homens.
Para mim, eles foram,
do menor ao maior, meios de me informar, e não reveladores predestinados.”
A estas informações, colhidas nas Obras
Póstumas de Allan Kardec [Segunda Parte — A minha iniciação no
Espiritismo], convém acrescentar que a princípio o Sr. Rivail, longe de ser um
entusiasta dessas manifestações e absorvido por outras ocupações, esteve a
ponto de abandoná-las, o que talvez tivesse feito se não fossem as insistentes
solicitações dos Srs. Carlotti, René Taillandier, membro da Academia das
Ciências, Tiedman-Monthèse, Sardou, pai e filho, e
Didier, editor, que acompanhavam havia cinco anos o estudo desses fenômenos e
tinham reunido cinquenta cadernos de comunicações diversas, que não
conseguiam pôr em ordem. Conhecendo as vastas e raras aptidões de síntese do
Sr. Rivail, esses senhores lhe enviaram os cadernos, pedindo-lhe que tomasse
conhecimento deles e os ordenasse. Este trabalho era árduo e exigia muito
tempo, em virtude das lacunas e obscuridades que as comunicações apresentavam,
de modo que o sábio enciclopedista relutava em aceitar essa tarefa enfadonha e
absorvente, em razão de outros trabalhos.
Certa noite, seu Espírito protetor, Z,
deu-lhe por um médium uma comunicação toda pessoal, na qual lhe dizia, entre outras
coisas, tê-lo conhecido em uma precedente existência, quando, ao tempo dos
druidas, viviam juntos nas Gálias. Ele se chamava, então, Allan Kardec, e, como
a amizade que lhe votara só fazia aumentar, prometia-lhe esse Espírito secundá-lo
na tarefa muito importante a que ele era chamado, e que facilmente levaria a termo.
O Sr. Rivail lançou-se, pois, à obra:
tomou os cadernos, anotou-os com cuidado. Após atenta leitura, suprimiu as repetições
e ordenou cada ditado, cada relatório de sessão, assinalando as lacunas a
preencher, as obscuridades a aclarar, e preparando as perguntas necessárias
para chegar a esse resultado.
8 N. de H. S.: A casa em que nasceu Allan Kardec desapareceu entre 1840 e 1852, quando se fez o alargamento e alinhamento da rua Sala, em consequência das inundações de 1840.
9 N. de H. S.: Igreja de Saint-Denis de la Croix Rousse, que, então, não fazia parte de Lyon.
11 N. do T.: O jovem Rivail nunca morou em Lyon, conforme ele mesmo atesta na Revista Espírita de junho de 1862 (“Assim se escreve a História — os milhões do Sr. Allan Kardec.”) Pesquisas recentes revelam que ele passou a infância em Bourg-en-Bresse, distante 60km de Lyon, e naquela cidade é que teria feito os seus primeiros estudos, antes de ir para Yverdun, na Suíça, estudar no colégio do famoso pedagogo Henrique Pestalozzi. Biografia de Allan Kardec 14x21-miolo.indd 28 11/10/2011 13:10:52
12 N. do T.: O pesquisador espírita Zêus Wantuil discorda dessa afirmação de Henri Sausse. Segundo ele, “o máximo que se pode admitir, e ainda o consideramos muito pouco provável, é ter ele (Rivail) administrado, no final de sua permanência em Yverdun, alguma seção daquele estabelecimento de ensino e educação. (Allan Kardec — o Educador e o Codificador, volume I, capítulo 9, FEB, 2004.)
13 N. de H. S.: Esses dados me foram fornecidos pelo Sr. G. Leymarie, em 1896.
14 N. do T.: Apesar dessa informação, que outros escritores e pesquisadores encamparam, “ainda não apareceu nenhum documento que pelo menos prove haver Rivail frequentado, como aluno ou mesmo como ouvinte, alguma faculdade de Medicina, não existindo em seus escritos nenhuma nota ou referência que possa dirimir a questão”. (Allan Kardec — o Educador e o Codificador, volume I, capítulo 31: “Rivail Médico?”, FEB, 2004.) Biografia de Allan Kardec 14x21-miolo. indd 30 11/10/2011 13:10:52
15 N. do T.: Embora conste o ano de 1829 no original francês que serviu de base para esta tradução, o Curso prático e teórico de Aritmética apareceu em 1824. Veja-se o livro Allan Kardec — o Educador e o Codificador, organizado por Zêus Wantuil, volume I, cap. 14, FEB, 2004.
16 Nota do original francês: a data ficou em branco no manuscrito.
2 comentários:
Amigo e irmão Halvei.
Que bom saber que também és blogueiro! E que bom saber, também, que compartilhamos alguma coisa além dos temas terrenos!
Recebi o teu link em e-mail enviado pelo Homero. Vou colocá-los nos meus favoritos. Melhor, vou inserir em dois dos meus blogs, que são o da família - "NÓS AQUI" e o de fotografias que cometo de vez em quando - "RETRATOS DO MEU JARDIM". Espero que não tenhas objeção.
Por agora é isto. Voltarei com freqüência, podes ter certeza.
Um feliz e abençoado fim de semana junto aos teus.
Abraço fraterno.
Evandro (Inácio)
Irmão Nós somos um dos Adm do Blog. A matéria comentada foi postada por Erealdo, tambem Administrador do Blog Evolução. Paz! Halvei
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