ENTREVISTA CONCEDIDA POR GERSON SIMÕES MONTEIRO A MARCOS LEITE, ASSESSOR DE IMPRENSA DA RÁDIO RIO DE JANEIRO
Tema: Deus na Visão Espírita
MARCOS LEITE (ML) – Eu gostaria, inicialmente, que você falasse para os ouvintes da Rádio Rio de Janeiro sobre Deus na Visão Espírita.
GERSON (G) – Falar da figura de Deus constitui sempre uma tarefa muito difícil, embora agradável, tendo em vista a distância que, em todos os aspectos, separa os homens, criaturas finitas e imperfeitas, da incomensurável grandeza e perfeição do Criador. Por isso, escreveu com acerto o professor Milton O'Reiily de Souza: “Deus, a idéia mais alta do pensamento humano, é simples, como motivo de crença e adoração e se torna complexo como motivo de conhecimento e explicação”.
Assim, Deus melhor se sente do que se entende.
É como disse Léon Denis:
"Há coisas que de tão profundas só se sentem, não se descrevem".
ML – A idéia de Deus, ao que vejo, varia muito, de acordo com a evolução espiritual de cada criatura. É isso?
G – Sim, essa circunstância foi exposta com muita beleza e profundidade pelo professor Rubens Romanelli, da seguinte forma: "Viviam num edifício de sete andares, moradores cujos olhos jamais tinham contemplado a luz do sol, a não ser através das vidraças diversamente coloridas de cada pavimento. Encerrados nos limites de seu pequeno mundo, cada qual fazia uma idéia diferente quanto à cor da luz solar. Os moradores do primeiro pavimento diziam que era vermelha, porque vermelhos eram os vidros através dos quais se habituaram a vê-la.
Os do segundo pavimento diziam, por sua vez, que era alaranjada, porque alaranjados eram os vidros pelos quais ela diariamente se filtrava. Os do terceiro diziam, pela mesma razão, que era amarela. Os do quarto diziam que era verde. Os do quinto, azul. Os do sexto, anil e os do sétimo diziam que a luz solar era violeta.
Certo dia, porém, um morador mais inteligente e indagador resolveu sair do edifício,e surpreendido com a luz do sol, que lá no alto se decompunha na policromia do arco-íris, compreendeu logo que cada morador havia apreendido somente uma parcela da verdade. Tudo se passava exatamente como se cada um deles, em seu próprio pavimento, tivesse a visão limitada a uma faixa apenas, dentre as sete faixas luminosas do espectro solar. A luz do sol era realmente da cor sob que cada qual a tinha visto, mas era também muito mais do que isso: era a síntese das sete cores. Assim como cada morador via o sol, assim também cada criatura humana vê Deus. Situado em diferentes faixas de evolução, cada um o verá sob um aspecto diferente, segundo a coloração do seu entendimento. Chegará, no entanto, um dia em que a criatura transcenderá os augustos limites do seu mundo e compreenderá Deus em sua essência, na síntese de seus atributos".
ML – Quer dizer, então, que os homens sempre se abstiveram de estudar a figura de Deus por não poderem entendê-lo?
G – Sim. Isso não impediu, absolutamente, que os grandes pensadores de todos os tempos, os maiores filósofos e estudiosos nos campos da cosmologia e da metafísica, tivessem dedicado sua inteligência e seu tempo à pesquisa e ao entendimento da figura do Criador de todas as coisas e seres do Universo, este tomado no sentido amplo. Criaram até uma ciência para isso: a TEODICÉIA.
Dois assuntos principais foram objeto do exame desses estudiosos:
a)a existência de Deus, e
b) a essência de Deus.
DEUS EXISTE?
O grande filósofo da França, Descartes, baseia-se no chamado argumento ontológico, para afirmar que sim: eu tenho idéia de um ser, de um ente perfeito; este ente perfeito tem que existir, porque se não existisse faltar-lhe-ia a perfeição da existência e então não seria perfeito. É o argumento pela evidência.
Outro vulto notável do pensamento francês foi Voltaire. Seu raciocínio é prático, ao afirmar: "O Universo me espanta e não posso imaginar que este relógio exista e não tenha relojoeiro". Assim, diante da realidade do Universo, é forçoso reconhecer que ele foi feito por alguém.
Se esse alguém não foi o homem, só pode ter sido Deus, mas este nos concede sempre o benefício da dúvida, não é mesmo?
Deve-se, porém, ao famoso S. Tomaz de Aquino, autor da não menos famosa Summa Theológica, a prova da existência de Deus mais convincente, baseada nos argumentos metafísicos .
ML – Antes de citá-los, Gerson, você poderia dizer por que são chamados metafísicos?
G – Metafísica quer dizer: estudo das ciências não físicas, e faz parte da Filosofia, cujo objeto é o estudo das causas primeiras ou primárias, das causas supremas. Dessas causas uma é a maior, Deus.
Argumentos metafísicos são assim sutis, transcendentes.
ML – Você nos dizia que Tomaz de Aquino, uma das maiores inteligências
que o Mundo já conheceu, provou a existência de Deus pelos argumentos metafísicos. Quais são eles?
G – Tomaz de Aquino nos diz que a existência de Deus pode ser provada por cinco vias, que são a do movimento, da causalidade, dos seres contingentes, dos graus de perfeição dos seres e da ordem do mundo.
Esses argumentos assim se sintetizam:
1 – Se no mundo existe movimento ou mudança, que caracteriza o vir-a-ser, deve existir um motor primeiro que não seja movido por nenhum outro, pois se tudo fosse movido, teríamos o efeito sem causa;
2 – Há uma causa absolutamente primeira, transcendente às causas em geral; assim, se existem as causas segundas, deve existir a causa primeira, porque as causas segundas são efeitos.
ML – Lembramos aqui que os Espíritos definiram Deus como a Causa primária de todas as coisas.
G – Exatamente. Causa primária ou primeira. Mas vamos aos outros argumentos:
3 - Existem seres contingentes, que não possuem em si mesmos a razão de sua existência, que são mas poderiam não ser; Se existem seres contingentes, deve existir um ser necessário;
4 – Nas coisas existem vários graus de perfeição, referentes à beleza, à bondade, à inteligência, à verdade; então deve haver um ser infinitamente perfeito, porque o relativo exige o absoluto;
5 - Prova pela ordem do mundo, pela organização complexa do Universo, pelo governo das coisas, tudo devido a uma inteligência ordenadora, superior, absoluta, necessária.
ML – Estamos vendo que somente com sofismas e manifesta incredulidade se poderá negar a existência de Deus. Do outro lado, estamos vendo que o Espiritismo se estrutura em conceitos filosóficos dos mais elevados.
Com relação a Deus, que prova nos oferece o Espiritismo quanto à sua existência?
G – Você viu, Marcos, que as provas citadas não repugnam à inteligência mais lúcida e mais lógica e o Espiritismo nada lhes tem a opor. Quanto à existência de Deus, se não houvesse motivos outros para admiti-la, este seria bastante, conforme está na Questão 4 de “O Livro dos Espíritos”: “Onde se pode encontrar a prova da existência de Deus?”
Resposta: "Num axioma que aplicais às vossas ciências. Não há efeito sem causa. Procurai a Causa de tudo que não é obra do homem e a vossa razão responderá".
E Kardec acrescenta: "O universo existe, logo tem uma causa".
Por isso, repetimos: Deus é a causa primária de todas as coisas.
ML – Parece que Meimei tem uma página que bem ilustra esse assunto...
G – É verdade. Há uma página simples, mas interessante, de Meimei, na obra "Idéias e Ilustrações", psicografada por Chico Xavier, capítulo 47, que vem a calhar. Ela conta que um velho árabe analfabeto orava com tanto fervor e com tanto carinho cada noite, que, certa vez,
o rico chefe da grande caravana chamou-o à sua presença e lhe perguntou:
-Por que oras com tanta fé?
-Como sabes que Deus existe, quando se nem ao menos sabes ler?
O crente fiel respondeu:
- Grande senhor, conheço a existência de nosso Pai Celeste pelos sinais DELE.
- Como assim? Indagou o chefe, admirado. O servo humilde explicou-se:
-Quando o senhor recebe uma carta de pessoa ausente, como reconhece quem a escreveu? Pela letra.
- Quando o senhor recebe uma jóia, como é que se informa quanto ao autor dela?
Pela marca do ourives.
O empregado sorriu e acrescentou:
- Quando ouve passos de animais, ao redor da tenda, como sabe, depois, se foi um carneiro, um cavalo ou um boi?
Pelos rastros, respondeu o chefe, surpreendido.
Então, o velho crente convidou-o para fora da barraca e, mostrando-lhe o céu onde a Lua brilhava, cercada por multidões de estrelas, exclamou, respeitoso:
-Senhor, aqueles sinais, lá em cima, não podem ser dos homens!
Nesse momento, o orgulhoso caravaneiro, de olhos lacrimosos, ajoelhou-se na areia e começou a orar também.
Não há dúvida, caros ouvintes, de que só o orgulho tolo do homem pode negar a existência de Deus. Isso, entretanto, constitui atitude passageira, pois todos um dia o encontrarão, de vez que cada um de nós tem D'ELE a intuição de sua existência, como está na Questão 5 de “O Livro dos Espíritos”.
continua...
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