PENTATEUCO KARDEQUIANO

PENTATEUCO  KARDEQUIANO
OBRAS BÁSICAS

terça-feira, setembro 12, 2017

CHARLES RICHET - O APÓSTOLO DA CIÊNCIA E O ESPIRITISMO

OPINIÃO DE CARLOS IMBASSAHY

Homenageando Charles Richet ( * 26 AGO 1850  + 04 DEZ 1935 ) por ocasião de sua desencarnação, o dr. Carlos Imbassahy, em determinado trecho de seu artigo, escreve:91
“(...)
Há mais de 60 anos que o notável fisiologista procurava atrair a atenção do mundo científico para a metafísica, a grande verdade do presente e a grande ciência do futuro, como ele dizia, capaz de revolucionar todas as nossas ideias de agora, não só as que possuímos sobre o conhecimento, como as que nos conduzem no campo da moral.
Mantendo-se Richet ou aparentando manter- se nos limites do materialismo, os nossos adversários costumam citá-lo, quando querem atacar a Doutrina Espírita. O que eles nunca perceberam, porém, é que toda a imensa obra metafísica de Richet não é mais do que um pedestal que ele ofereceu aos espíritas para assentarem a sua tese.
Inda mais: disfarçadamente, o mestre apresentava as razões em que se escudava a Doutrina Espírita, por forma a torná-la inderrocável, e isso sem disfarce algum.
Testemunhamos, então, este fato assombroso: o fisiologista declarava não acreditar no Espiritismo, senão como mera hipótese de trabalho; mas, quando supúnhamos que ia demonstrar, com os esteios de sua ciência, a fraqueza da doutrina a que era adverso, o que a sua ciência nos fazia ver era a realidade da manifestação dos mortos; o que ele opunha era simplesmente a sua opinião pessoal: – não acreditava.
O materialista, o cientista, recusava uma doutrina por ponto de fé! Entretanto, quase diríamos que o ceticismo não tinha raízes no fundo de sua alma. Várias vezes afirmava: ‘je parle em physiologiste’.
Nos seus trabalhos, confessa o eminente mestre a luta formidável que se travou em seu espírito para aceitar os fatos supranormais, fatos que vinham desorganizar, perturbar completamente seus conhecimentos sobre a matéria e a vida. Foi dominado enfim pela evidência”.
No Traité de Métapsychique declara: “Talvez, e disso me acuso, eu não ficasse convencido com o que eminentes sábios já publicaram, se dos quatro fenômenos fundamentais da metapsíquica não tivesse sido testemunha, testemunha pouco entusiástica, testemunha severa, testemunha revoltada, testemunha desconfiada em extremo dos fatos que se me empunham. Pude verificar, em condições irreprocháveis, e apesar do meu desejo de negá-los, a realidade dos quatro fenômenos essenciais da metafísica”.
Diante das dúvidas, mal apresentadas pelo mestre, com relação à hipótese espírita, fica em todos a suspeita de que elas, a serem sinceras, tinham o mesmo substrato psicológico que o levou a descrer primitivamente dos fatos narrados pelos outros e a aceitar somente os que ele próprio via, como testemunha sem entusiasmo, como testemunha revoltada.
Mas, ao mesmo tempo, o que se lhe lê nas entrelinhas, senão também o que lhe transparece das linhas, nos faz acreditar que a sua suposta relutância em aceitar a comunicabilidade dos mortos, tinha, apenas, por fim, dando caráter materialista à nova ciência, atrair para ela a atenção dos universitários.
É o que induzimos das suas vacilações, a princípio, e das largas concessões que vinha fazendo gradativamente, à proporção que a neve lhe embranquecia a fronte, que a experiência lhe enriquecia o entendimento e que os preconceitos se lhe apagavam do espírito.
No Traité escrevia ainda: “Recuso a hipótese espírita, não apenas porque não esteja nenhumamente demonstrada, nem porque se ache em desacordo flagrante com tudo o que nos ensina a fisiologia cerebral; mas porque é inferior à magnífica realidade das coisas.
Um ser humano que, com suas paixões, seus gostos, seus caprichos, suas manias, sobrevivesse à desagregação de seus humanos andrajos, não seria um caso sedutor, nem interessante”.
Aqui temos o que ele opunha: o caso não seria interessante, estaria em desacordo com o que ensina a Fisiologia, não se acharia demonstrado.
A primeira razão é simplesmente anódina; a realidade de um fato não poderia depender do nosso gosto.
Não há nada menos interessante, nem menos sedutor, do que a vida, com os seus sofrimentos, e nem por isso deixam uma e outra de existir.
Quanto ao que ensina a Fisiologia, é o mestre o primeiro a pôr em dúvida a rigidez da ciência:
No próprio Traité, assegura:
“A inteligência humana tem outras vias de conhecimento, que não as dos sentidos normais”.
Ora, não é isso o que ensina a Fisiologia.
E, o que é mais importante: “Entretanto, as nossas ciências, apesar do seu prodigioso progresso, não puderam dar a razão de ser de certos fenômenos excepcionais, aos quais as leis até aqui conhecidas da Física, da Química e da Fisiologia não mais se aplicam”.
Todos sabem que os fisiologistas têm a peito o paralelismo psico-fisiológico. Richet sustenta-o nas suas corteses polêmicas com Lodge e Bozzano.
Mas, atacado de frente por aqueles destemidos e leais adversários, a sua firmeza se abala e já, em La grande espérance, declara:
“O paralelismo absoluto, constante, irresistível entre o pensamento e a função do cérebro não é de indiscutível evidência”.
No Traité ensina:
“A palavra sobrevivência significa sobrevivência da consciência, porque, se não há nem consciência, nem memória, a sobrevivência perde o interesse...
Ora, inumeráveis fatos têm provado que a memória é uma função que desaparece muito depressa. É frágil, diminui rapidamente com a idade. Sobreviver, sem ter lembrança do velho eu, não é sobreviver”.
Mas, o cientista que punha em dúvida a sobrevivência, por ver a memória tão intimamente dependente das funções orgânicas, não sabe, do mesmo passo, como essa memória se mantém, nas inúmeras transformações das células.
E diz no L’avenir:
“Do ponto de vista estritamente fisiológico, o fenômeno da memória, posto que habitual, se aproxima do sobrenatural.
Como uma palavra que eu ouvi há 50 anos, uma paisagem que vi há 50 anos, uma figura que se me apresentou há 50 anos, podem, palavra, paisagem, figura, tornar-se indeléveis em minha consciência ou em minha inconsciência?
Como podem os abalos do protoplasma nervoso, consecutivos à formação dessas imagens, persistir durante 50 anos com sua complexidade prodigiosa, quando a cada segundo, nas mesmas células talvez, outros abalos se produzem, quando os materiais dessas células se transformaram mil vezes na abóbada cerebral? Que traços deixaram?
E onde? Onde estão esses abalos? Quais são? Onde essas células? Ao fim de alguns dias, não resta absolutamente nada dos elementos químicos e anatômicos que constituíam o nosso cérebro.
E, então, ao fim de 50 anos?...”.
Aqui temos como, disfarçadamente, o fisiologista deixava na mão dos espíritas a prova formidável de que a memória não é função do cérebro, nem mesmo do que eles chamam o inconsciente, mas puro patrimônio espiritual.
O mistério – como ele denomina o caso – logo se esclarece, sabendo-se que a memória não reside na célula, mas na parte imaterial do ser.
Se Richet não disse isto, deixou preparado o caminho para que o disséssemos.
Também, assim como declarava que a hipótese espírita não estava demonstrada, afirmava: “Com a telecinesia, com a ectoplasmia, sucede o mesmo. Basta se suponha que existem vasto cosmos, forças inteligentes, humanas ou não humanas, capazes de atuar sobre a matéria. Essa hipótese das forças inteligentes desconhecidas não é temerária. Não há temeridade em supor que tais forças existam, mas, sim, em afirmar que elas não existem”.
Não acreditando que estivesse provada a hipótese espírita, o sábio, contudo, declara, em todos os seus trabalhos, que ela é a mais simples, a mais clara e melhor de todas. Em La grande espérance assegura que faz empalidecer as demais.
Vemo-lo assim ir afrouxando a resistência, à proporção que os anos passam e à proporção que suas obras se multiplicam.
No livro acima citado, fala ainda das dificuldades que encontra e do absurdo que lhe parece ser o acreditar-se na intervenção dos mortos; porém, quando o imaginamos firme nessa convicção, ei-lo que fecha o livro acenando-nos com a esperança de fechar os olhos neste mundo para abri-los com toda a segurança no Além.
O seu último trabalho é um brado de socorro. Au secours, denomina-se esse livro magistral, escrito quando o mestre já estava preste a transpor os umbrais de nosso misérrimo planeta.
Nele, preparando-se o seu espírito para o derradeiro voo, fez esta verdadeira profissão de fé: “A falar a verdade, essa transformação moral que as ciências não nos podem dar, as religiões pretendem trazê-la; proclamam a fraternidade, sem, aliás, a praticarem. Ora bem! O mundo novo, que entrevemos em nossos sonhos do futuro, conhecerá uma nova religião! Pois que tenho todas as audácias, julgo necessário à humanidade uma religião, isto é, outra adoração que não seja a do deus dólar, e que as concepções da humanidade futura subirão mais alto do que a explicação mecânica das coisas que nos assoberbam.
A vida não valeria a pena de ser vivida, se somente tivéssemos o nosso corpo, mais ou menos infecto, para fazer viver.
Essa nova religião não terá messias, nem profeta. Contrariamente a outras religiões, suas bases serão científicas. Terá como conseqüência um novo ideal moral”.
Está aqui traçado o futuro do Espiritismo, tendo por base o fato cientificamente demonstrado e a moral por cúpula.
Depois de estudar todas as hipóteses capazes de explicar os inúmeros casos supranormais que cita, Richet conclui, como sempre, que a comunicabilidade dos mortos é mais racional.
Quando mesmo, porém, não chegasse a semelhante conclusão, para lhe sermos gratos, bastaria o imenso acervo de fenômenos que ele apresenta ao mundo científico e onde vamos assentar os princípios que trarão à humanidade uma religião nova, que não a da adoração do dólar.
(...)
Incontestavelmente, conquanto nunca se tenha afirmado espírita, Charles Richet figura, certamente, entre os missionários que mais contribuíram para a afirmação dos fenômenos e postulados espiritistas.
Se ele relutou, muitas vezes, em aceitar essas propostas como verdades científicas absolutas, devemos compreender a sua condição de homem afeito aos laboratórios de pesquisas fisiológicas, para repetir, ainda, com o saudoso professor Ismael Gomes Braga:92
“É muito compreensível em um professor de Fisiologia esse esforço por explicar tudo independentemente da sobrevivência, e seria estreito sectarismo nosso não vermos com simpatia a luta de 62 anos de um grande homem, para impor os fatos ao mundo científico, luta em que ele só tem vencido sobre mil dificuldades, com imensos sacrifícios”.

90 No Invisível, 5. ed., pág. 33 e 34.
91 Reformador, 16 de dezembro de 1935.
92 Reformador, janeiro de 1935, pág. 59.


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