OPINIÃO DE CARLOS IMBASSAHY
Homenageando
Charles Richet ( * 26 AGO 1850 + 04 DEZ 1935 ) por ocasião de sua desencarnação, o dr. Carlos Imbassahy, em
determinado trecho de seu artigo, escreve:91
“(...)
Há
mais de 60 anos que o notável fisiologista procurava atrair a atenção do mundo
científico para a metafísica, a grande verdade do presente e a grande ciência
do futuro, como ele dizia, capaz de revolucionar todas as nossas ideias de
agora, não só as que possuímos sobre o conhecimento, como as que nos conduzem
no campo da moral.
Mantendo-se
Richet ou aparentando manter- se nos limites do materialismo, os nossos
adversários costumam citá-lo, quando querem atacar a Doutrina Espírita. O que
eles nunca perceberam, porém, é que toda a imensa obra metafísica de Richet não
é mais do que um pedestal que ele ofereceu aos espíritas para assentarem a sua
tese.
Inda
mais: disfarçadamente, o mestre apresentava as razões em que se escudava a
Doutrina Espírita, por forma a torná-la inderrocável, e isso sem disfarce
algum.
Testemunhamos,
então, este fato assombroso: o fisiologista declarava não acreditar no
Espiritismo, senão como mera hipótese de trabalho; mas, quando supúnhamos que ia
demonstrar, com os esteios de sua ciência, a fraqueza da doutrina a que era
adverso, o que a sua ciência nos fazia ver era a realidade da manifestação dos
mortos; o que ele opunha era simplesmente a sua opinião pessoal: – não
acreditava.
O
materialista, o cientista, recusava uma doutrina por ponto de fé! Entretanto,
quase diríamos que o ceticismo não tinha raízes no fundo de sua alma. Várias
vezes afirmava: ‘je parle em physiologiste’.
Nos
seus trabalhos, confessa o eminente mestre a luta formidável que se travou em
seu espírito para aceitar os fatos supranormais, fatos que vinham desorganizar,
perturbar completamente seus conhecimentos sobre a matéria e a vida. Foi
dominado enfim pela evidência”.
No
Traité de Métapsychique declara: “Talvez, e disso me acuso, eu não ficasse
convencido com o que eminentes sábios já publicaram, se dos quatro fenômenos
fundamentais da metapsíquica não tivesse sido testemunha, testemunha pouco
entusiástica, testemunha severa, testemunha revoltada, testemunha desconfiada
em extremo dos fatos que se me empunham. Pude verificar, em condições
irreprocháveis, e apesar do meu desejo de negá-los, a realidade dos quatro
fenômenos essenciais da metafísica”.
Diante
das dúvidas, mal apresentadas pelo mestre, com relação à hipótese espírita,
fica em todos a suspeita de que elas, a serem sinceras, tinham o mesmo
substrato psicológico que o levou a descrer primitivamente dos fatos narrados
pelos outros e a aceitar somente os que ele próprio via, como testemunha sem
entusiasmo, como testemunha revoltada.
Mas,
ao mesmo tempo, o que se lhe lê nas entrelinhas, senão também o que lhe
transparece das linhas, nos faz acreditar que a sua suposta relutância em
aceitar a comunicabilidade dos mortos, tinha, apenas, por fim, dando caráter
materialista à nova ciência, atrair para ela a atenção dos universitários.
É
o que induzimos das suas vacilações, a princípio, e das largas concessões que
vinha fazendo gradativamente, à proporção que a neve lhe embranquecia a fronte,
que a experiência lhe enriquecia o entendimento e que os preconceitos se lhe
apagavam do espírito.
No
Traité escrevia ainda: “Recuso a hipótese espírita, não apenas porque não
esteja nenhumamente demonstrada, nem porque se ache em desacordo flagrante com
tudo o que nos ensina a fisiologia cerebral; mas porque é inferior à magnífica realidade
das coisas.
Um
ser humano que, com suas paixões, seus gostos, seus caprichos, suas manias,
sobrevivesse à desagregação de seus humanos andrajos, não seria um caso
sedutor, nem interessante”.
Aqui
temos o que ele opunha: o caso não seria interessante, estaria em desacordo com
o que ensina a Fisiologia, não se acharia demonstrado.
A
primeira razão é simplesmente anódina; a realidade de um fato não poderia
depender do nosso gosto.
Não
há nada menos interessante, nem menos sedutor, do que a vida, com os seus
sofrimentos, e nem por isso deixam uma e outra de existir.
Quanto
ao que ensina a Fisiologia, é o mestre o primeiro a pôr em dúvida a rigidez da
ciência:
No
próprio Traité, assegura:
“A
inteligência humana tem outras vias de conhecimento, que não as dos sentidos
normais”.
Ora,
não é isso o que ensina a Fisiologia.
E,
o que é mais importante: “Entretanto, as nossas ciências, apesar do seu
prodigioso progresso, não puderam dar a razão de ser de certos fenômenos
excepcionais, aos quais as leis até aqui conhecidas da Física, da Química e da
Fisiologia não mais se aplicam”.
Todos
sabem que os fisiologistas têm a peito o paralelismo psico-fisiológico. Richet
sustenta-o nas suas corteses polêmicas com Lodge e Bozzano.
Mas,
atacado de frente por aqueles destemidos e leais adversários, a sua firmeza se
abala e já, em La grande espérance, declara:
“O
paralelismo absoluto, constante, irresistível entre o pensamento e a função do
cérebro não é de indiscutível evidência”.
No
Traité ensina:
“A
palavra sobrevivência significa sobrevivência da consciência, porque, se não há
nem consciência, nem memória, a sobrevivência perde o interesse...
Ora,
inumeráveis fatos têm provado que a memória é uma função que desaparece muito
depressa. É frágil, diminui rapidamente com a idade. Sobreviver, sem ter
lembrança do velho eu, não é sobreviver”.
Mas,
o cientista que punha em dúvida a sobrevivência, por ver a memória tão
intimamente dependente das funções orgânicas, não sabe, do mesmo passo, como
essa memória se mantém, nas inúmeras transformações das células.
E
diz no L’avenir:
“Do
ponto de vista estritamente fisiológico, o fenômeno da memória, posto que
habitual, se aproxima do sobrenatural.
Como
uma palavra que eu ouvi há 50 anos, uma paisagem que vi há 50 anos, uma figura
que se me apresentou há 50 anos, podem, palavra, paisagem, figura, tornar-se
indeléveis em minha consciência ou em minha inconsciência?
Como
podem os abalos do protoplasma nervoso, consecutivos à formação dessas imagens,
persistir durante 50 anos com sua complexidade prodigiosa, quando a cada
segundo, nas mesmas células talvez, outros abalos se produzem, quando os
materiais dessas células se transformaram mil vezes na abóbada cerebral? Que
traços deixaram?
E
onde? Onde estão esses abalos? Quais são? Onde essas células? Ao fim de alguns
dias, não resta absolutamente nada dos elementos químicos e anatômicos que
constituíam o nosso cérebro.
E,
então, ao fim de 50 anos?...”.
Aqui
temos como, disfarçadamente, o fisiologista deixava na mão dos espíritas a
prova formidável de que a memória não é função do cérebro, nem mesmo do que
eles chamam o inconsciente, mas puro patrimônio espiritual.
O
mistério – como ele denomina o caso – logo se esclarece, sabendo-se que a
memória não reside na célula, mas na parte imaterial do ser.
Se
Richet não disse isto, deixou preparado o caminho para que o disséssemos.
Também,
assim como declarava que a hipótese espírita não estava demonstrada, afirmava:
“Com a telecinesia, com a ectoplasmia, sucede o mesmo. Basta se suponha que
existem vasto cosmos, forças inteligentes, humanas ou não humanas, capazes de
atuar sobre a matéria. Essa hipótese das forças inteligentes desconhecidas não
é temerária. Não há temeridade em supor que tais forças existam, mas, sim, em
afirmar que elas não existem”.
Não
acreditando que estivesse provada a hipótese espírita, o sábio, contudo,
declara, em todos os seus trabalhos, que ela é a mais simples, a mais clara e
melhor de todas. Em La grande espérance assegura que faz empalidecer as demais.
Vemo-lo
assim ir afrouxando a resistência, à proporção que os anos passam e à proporção
que suas obras se multiplicam.
No
livro acima citado, fala ainda das dificuldades que encontra e do absurdo que
lhe parece ser o acreditar-se na intervenção dos mortos; porém, quando o
imaginamos firme nessa convicção, ei-lo que fecha o livro acenando-nos com a
esperança de fechar os olhos neste mundo para abri-los com toda a segurança no
Além.
O
seu último trabalho é um brado de socorro. Au secours, denomina-se esse livro
magistral, escrito quando o mestre já estava preste a transpor os umbrais de
nosso misérrimo planeta.
Nele,
preparando-se o seu espírito para o derradeiro voo, fez esta verdadeira
profissão de fé: “A falar a verdade, essa transformação moral que as ciências
não nos podem dar, as religiões pretendem trazê-la; proclamam a fraternidade,
sem, aliás, a praticarem. Ora bem! O mundo novo, que entrevemos em nossos
sonhos do futuro, conhecerá uma nova religião! Pois que tenho todas as
audácias, julgo necessário à humanidade uma religião, isto é, outra adoração
que não seja a do deus dólar, e que as concepções da humanidade futura subirão
mais alto do que a explicação mecânica das coisas que nos assoberbam.
A
vida não valeria a pena de ser vivida, se somente tivéssemos o nosso corpo,
mais ou menos infecto, para fazer viver.
Essa
nova religião não terá messias, nem profeta. Contrariamente a outras religiões,
suas bases serão científicas. Terá como conseqüência um novo ideal moral”.
Está
aqui traçado o futuro do Espiritismo, tendo por base o fato cientificamente
demonstrado e a moral por cúpula.
Depois
de estudar todas as hipóteses capazes de explicar os inúmeros casos
supranormais que cita, Richet conclui, como sempre, que a comunicabilidade dos
mortos é mais racional.
Quando
mesmo, porém, não chegasse a semelhante conclusão, para lhe sermos gratos,
bastaria o imenso acervo de fenômenos que ele apresenta ao mundo científico e
onde vamos assentar os princípios que trarão à humanidade uma religião nova,
que não a da adoração do dólar.
(...)
Incontestavelmente,
conquanto nunca se tenha afirmado espírita, Charles Richet figura, certamente,
entre os missionários que mais contribuíram para a afirmação dos fenômenos e
postulados espiritistas.
Se
ele relutou, muitas vezes, em aceitar essas propostas como verdades científicas
absolutas, devemos compreender a sua condição de homem afeito aos laboratórios
de pesquisas fisiológicas, para repetir, ainda, com o saudoso professor Ismael
Gomes Braga:92
“É
muito compreensível em um professor de Fisiologia esse esforço por explicar
tudo independentemente da sobrevivência, e seria estreito sectarismo nosso não
vermos com simpatia a luta de 62 anos de um grande homem, para impor os fatos
ao mundo científico, luta em que ele só tem vencido sobre mil dificuldades, com
imensos sacrifícios”.
90
No Invisível, 5. ed., pág. 33 e 34.
91
Reformador, 16 de dezembro de 1935.
92
Reformador, janeiro de 1935, pág. 59.
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