Os que defendem a
legalização do aborto encontraram na associação do aumento da microcefalia com
o surto de zika vírus uma oportunidade para retomar a discussão da liberação do
aborto no Brasil. Recentemente foi noticiado que grupo liderado pela Débora
Diniz, do instituto de bioética Anis, prepara uma ação no STF para a liberação
do aborto em casos de microcefalia. É o mesmo grupo que propôs a ação para
interrupção da gravidez de anencéfalos, acatada pelo STF em 2012. A bióloga e feminista Ilana Löwy, numa entrevista para a
Revista ÉPOCA, vê no surto de zika vírus uma oportunidade para se debater o
direito de decisão da mulher de ter ou não o bebê, como aconteceu com a
epidemia de rubéola no Reino Unido. Interessante é que a Rubéola hoje em dia é
uma doença totalmente controlável e passível de prevenção através da vacinação,
deixando de ser um risco epidêmico, usado como justificativa para a liberação
do aborto na Europa. Os argumentos utilizados se baseiam na liberdade da
mulher poder escolher o que é melhor para si, esquecendo que existe uma vida a
qual se está negando o primeiro e mais fundamental dos direitos humanos, o
direito à vida.
Cabe ressaltar que os fundamentos utilizados para liberar
o aborto dos fetos anencéfalos não se aplicam nesses casos. O diagnóstico da microcefalia é tardio, em torno da 28ª
semana, diferentemente da anencefalia, que é feito a partir da 12ª semana de
gestação. As lesões da microcefalia geralmente aparecem na
ultrassonografia depois da 24ª e não são incompatíveis com vida, como nos casos
de anencefalia. Além disso, o diagnóstico ecográfico de lesão neurológica
não é 100% seguro, já que depende da análise de um profissional passível de
equívocos. Existem inúmeros relatos de erros em fetos com diagnóstico de
mal-formações neurológicas e que nasceram perfeitamente normais.
No entanto, os que argumentam em favor do aborto
querem transformar o diagnóstico de microcefalia em atestado de morte para
todas as crianças das mães que contraíram o zika vírus e que optarem pela
interrupção da gravidez, mesmo com possibilidades de nascerem normais ou com
poucas sequelas neurológicas.
Com o avanço da medicina fetal e
da genética médica, hoje é possível a detecção, ainda no útero, de várias
anomalias fetais. Diversas técnicas como ultrassom morfológico, ultrassom de
terceira dimensão, a biópsia de vilos coriais, a amniocentese, a cordocentese,
o desenvolvimento da técnica citogenética molecular permitem o diagnóstico
intrauterino de várias doenças. O diagnóstico permite iniciar o tratamento
antes do nascimento, como cirurgias intrauterinas para correções de
más-formações, assim como a preparação psicológica dos pais para o
enfrentamento das graves anomalias.
Querer
selecionar apenas as crianças saudáveis com direito à vida é retomar a prática
da eugenia feita na Grécia antiga e pelo nazismo, abrindo um precedente para a
liberação do aborto em outros casos de microcefalia como as causadas por
hipóxia neonatal, desnutrição grave na gestação, fenilcetonúria materna,
rubéola congênita na gravidez, toxoplasmose congênita na gravidez, infecção
congênita por citomegalovírus ou em doenças genéticas como Síndrome de Down,
Síndrome de Cornelia de Lange, Síndrome Cri du Chat, Síndrome de Rubinstein –
Taybi, Síndrome de Seckel, Síndrome de Smith-Lemli–Opitz e Síndrome de Edwards. Nesses
casos pessoas como Ana Carolina Dias Cáceres, moradora de Campo Grande (MS),
hoje com 24 anos e formada em jornalismo, e tantas outras crianças em situações
parecidas, não teriam direito à vida.
Ao saber da iniciativa de alguns
em defender o aborto de fetos com microcefalia, Ana Cáceres veio a público dar
seu depoimento a BBC do Brasil em defesa dos portadores de microcefalia.
Nos
casos microcefalia não se pode falar na opção de abortamento, pois não se trata
de patologia letal que inviabilize a vida extrauterina. Embora as limitações
que possam surgir, a expectativa de vida das crianças com microcefalia não são
diferentes das outras crianças, exigindo, no entanto, estimulação e cuidados
especiais para melhorar a sua qualidade de vida.
A discussão do aborto em casos de microcefalia retrata
bem o momento pós-moderno em que vivemos, o que Bauman, um dos maiores
pensadores da atualidade, chama de modernidade líquida. Na modernidade líquida
os indivíduos não possuem mais padrões de referência, nem códigos sociais e
culturais que lhes possibilitem, ao mesmo tempo, construir sua vida e se
inserir dentro das condições de classe e cidadão.
A
modernidade líquida trouxe descentramento do homem, do sujeito, produzindo
identidades híbridas, locais e globais, efêmeras sobre tudo. É a cultura do
efêmero, da destruição criativa, “tudo que é sólido desmancha no ar” na imagem
trazida por Berman. Para
a maioria dos autores, a pós-modernidade é marcada como a época das incertezas,
das fragmentações, do narcisismo, da troca de valores, do vazio, do niilismo,
da deserção, do imediatismo, da efemeridade, do hedonismo, da substituição da
ética pela estética, da apatia, do consumo de sensações e do fim dos grandes
discursos. A
educação recebida dos pais e das escolas, os valores morais que orientam as
boas relações sociais, o fortalecimento da família e a busca do bem comum está
perdendo espaço para novas formas de comportamento regidas pelas leis do
mercado, do consumo e do espetáculo. Existe
uma crise de valores com perda de referenciais importantes em detrimento de uma
vida superficial e de um discurso liberal. Na
sociedade pós-moderna predomina o ter acima do ser, o prazer pelo prazer, o
prazer acima de tudo, a permissividade que justifica que tudo é bom desde que
me sinta bem, o relativismo no qual não há nada absoluto, nada totalmente bom
ou mau e as verdades são oscilantes, o consumismo, se vive para consumir, e o
niilismo caracterizado pela subjetividade, a paixão pelo nada, numa indiferença
assustadora. Renata Araújo descreve muito bem
o sujeito pós-moderno:
“A
pós-modernidade nos apresenta um sujeito imediatista, fragmentado, narcisista,
desiludido, ansioso, hedonista, deprimido, embora também informatizado,
buscando independência, autonomia e defesa de seus direitos. Mas, a
supervalorização e autonomia geram um individualismo, um egocentrismo, uma
ênfase na subjetividade, sendo o outro apenas para a consecução de seus
objetivos pessoais.” (ARAÚJO, p. 1 e 2)
Vive-se numa época de grande
competitividade e de pouca solidariedade. Em nome dessa nova ideologia, os
indivíduos se permitem agir passando por cima de valores fundamentais.
A coisificação da vida e o predomínio dos interesses
pessoais em detrimento do coletivo são bem característicos dessa fase em que vivemos. Entretanto, aprendemos com a genética que a diversidade é
a nossa maior riqueza coletiva. E o feto anômalo, mesmo o portador de grave
deficiência, como é o caso da microcefalia, faz parte dessa diversidade. Deve
ser, portanto, preservado e respeitado. Necessário se faz proteger também a gestante, dando a ela
apoio em sua gravidez e proporcionando tratamento ao seu futuro filho. Reconhecemos que a mulher que gera um feto deficiente
precisa de ajuda psicológica por longo tempo; constatamos, porém, que, na
prática, esse direito não lhe é assegurado. O aborto provocado é um procedimento traumático com
repercussões gravíssimas para a saúde mental da mulher e que geralmente
aparecem tardiamente. O aborto produz um luto incluso devido à negação da
ocorrência de uma morte real, mas esse aspecto é totalmente desconsiderado. As mulheres sofrem uma perda e suas necessidades
emocionais são relegadas ou escondidas. Elas não conseguem vivenciar o seu luto
e lidar com a culpa. Esse processo vai gerar profundas marcas e favorecer o
surgimento da Síndrome pós-aborto (PAS). Psiquiatras e psicólogos especializados em atender
mulheres que abortaram alertam para o aumento dos transtornos emocionais
causados pelo aborto provocado. Eles afirmam que os efeitos psicológicos do
aborto são extremamente variados e não são determinados pela educação recebida
ou pelo credo religioso. Esclarecem que a reação psicológica ao aborto espontâneo
e ao aborto involuntário é diferente, está relacionada com as características
de cada um desses dois eventos.
O aborto espontâneo é um evento imprevisto e
involuntário, enquanto o aborto provocado interrompendo o desenvolvimento do embrião ou do feto e
extraindo-o do útero materno contempla a responsabilidade consciente da mãe. As
mulheres que se submeteram ao aborto afirmam que a culpa não é gerada de fora
para dentro, infundida nelas por outras pessoas ou pela religião, ao contrário,
ela surge e cresce em seu mundo íntimo a partir do ato abortivo.
Os
problemas emocionais gerados pelo aborto são tão graves, que em muitos países
onde ele é legalizado, foram criadas, pelas próprias mulheres vitimadas pelo
aborto, associações como a Women Exploited by Abortion (Mulheres Exploradas
pelo Aborto) nos EUA, e a Asociación de Víctimas del Aborto (Associação de
Vítimas do Aborto) na Espanha, que orientam e alertam sobre as consequências
prejudiciais do aborto.
O
aborto não é definitivamente uma "solução fácil" como afirmam muitos,
mas um grave problema, um ato agressivo que terá repercussões contínuas na vida
da mulher. As
consequências danosas provocadas pelo aborto à saúde mental nos países onde ele
foi legalizado é tão grave como a depressão profunda, que o Royal College of
Psychiatrists (associação dos psiquiatras britânicos e irlandeses), alertaram
que a mulher deve ser comunicada para os graves riscos emocionas que se submete
caso opte pela interrupção da gravidez. Portanto,
aborto nunca será uma solução, sempre um lado ou ambos serão prejudicados. Não
é dando a mulher autonomia para matar seu filho dentro de seu ventre que
resolveremos os problemas sociais. Isto não passa de demagogia. É necessário
investir na educação das massas para prevenção da gravidez indesejada, mas
jamais matar uma criança inocente. Os fins não podem justificar os meios.
A sociedade que apela para o
aborto declara-se falida em suas bases educacionais, porque dá guarida à
violência no que ela tem de pior, que é a pena de morte para inocentes.
Compromete, portanto, o seu projeto mais sagrado que é o da construção da
paz. A
Associação Médico-Espírita do Brasil reitera seu posicionamento contra qualquer
forma de violência a uma nova vida que
não põe em risco a vida materna e que surge aguardando o auxílio de braços
fortes e sensíveis que lhe ampare em sua fragilidade. Concitamos
a todos os colegas das AMEs para continuarmos firmes em defesa da vida e da
paz.
AME-Brasil
REFERÊNCIAS
1) ARAÚJO, Renata Castro Branco. O Sofrimento Psíquico
na Pós-Modernidade: Uma Discussão Acerca dos Sintomas Atuais na Clínica
Psicológica. Trabalho de Conclusão do Curso de Pós-Graduação em Psicologia
Clínica.
2) BAUMAN, Zygmunt. Ética Pós-moderna. São Paulo:
Paulus Ed., 1997.
3) BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
4) BAUMAN, Zygmunt. Tempos Líquidos. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 2007.
5) BAUMAN, Zygmunt. Cegueira Moral. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 2014
6) BERMAN, Marshall. Tudo que é Sólido Desmancha no
Ar. São Paulo: Schwarce ed., 1986.
7) CÁCERES, Ana Carolina Dias 'Existo porque minha mãe
não optou pelo aborto', diz jornalista com microcefalia. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/…/1735812-existo-porque-minha-…Acessado em 09/02/2016.
8) LÖWI, Ilana. A rubéola levou à legalização do
aborto no Reino Unido. O zika fará o mesmo no Brasil? Disponível em: http://epoca.globo.com/…/rubeola-levou-legalizacao-do-abort… Acessado em
09/02/2016.
9)RAZZO, Francisco. Um novo
nome para uma velha fantasia. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/…/um-novo-nome-para-uma-velh…Acessado em 09/02\/2016.
Disponível no link
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