FREDERICO
G. KREMER
5
- O MINISTÉRIO DO PRECURSOR
Havia quase cinco séculos que as vozes proféticas se calaram, após
setecentos anos de opressão. No último livro do Velho Testamento, o profeta Malaquias,
que vivera em Jerusalém por volta do século V a.C., prometera o retorno de
Elias como Precursor do Messias, tão ansiosamente aguardado.

Por volta do ano 29 d.C., surgiu no horizonte religioso da
Palestina um homem de vestimentas estranhas que começou a pregar na região sul
do rio Jordão, nos arredores de Betânia ou Betabara. O vilarejo localizava-se junto
ao vau de Hajlah, à margem do rio Jordão, perto da foz do rio no Mar Morto
(esta Betânia não deve ser confundida com a do monte das Oliveiras).
O pequeno rio já tinha ressonâncias bíblicas importantes para Israel
no tempo de Jesus, pois estava associado a alguns episódios cruciais para o
povo judeu. Era o local dos novos começos e lembrava o profeta Elias. Melhor local
para João realizar sua missão não havia. Ele retornava aos sítios mais caros
para o seu espírito.
Profeta independente, original, ascético no que concerne à comida
e ao estilo de vida, causou grande turbulência e forte impacto entre o povo judeu.
Utilizando a mesma vestimenta do profeta Elias, ele anunciava a eminente
chegada do Messias e exortava a renovação mental das criaturas para aceitarem a
nova mensagem que estava por ser anunciada. Quem se comprometesse com essa
renovação, modificando o seu modelo mental para aceitar um Messias servo,
participava de um ritual de batismo no rio Jordão. O batismo já era realizado
pelos judeus como símbolo de purificação corporal e estava na moda no século I
d.C.
O ritual que marcava a ligação com Deus era a circuncisão, desde
os tempos remotos de Abraão. Normalmente, os judeus consideravam o batismo um
ritual para conversão dos pagãos e não gostaram da exigência de João, que era
para todos e, em especial, para eles, que esperavam um Messias rei ou
sacerdote. Podemos entender que o batismo de João marcava o compromisso com uma
mudança de padrão mental, necessária para a aceitação do Messias e sua
mensagem.
Como preparador dos caminhos do Salvador, a sua mensagem foi bem contundente.
Era necessário o arrependimento, porque o juízo estava por chegar: “Raça de víboras!
Quem lhes deu a ideia de fugir da ira que se aproxima?
Deem fruto que mostre arrependimento!”. E completaria: “O machado já
está posto à raiz das árvores, e toda árvore que não der bom fruto será cortada
e lançada ao fogo. Ninguém corta árvore na raiz e sim no tronco.
Entretanto, do tronco nascem novos brotos”. Para João, era
essencial extirpar a raiz do homem velho, e a figura do machado lembra a
necessidade do trabalho para a renovação inevitável.
Considerando o cenário da época, o discurso de João foi voltado
para as autoridades religiosas e, pela veemência da sua palavra, como vimos acima,
altamente perigoso e abriu caminho para a sua prisão por Herodes Antipas.
O “batizador” conhecia bem a crise espiritual em que se encontrava
o povo e concentrou a força de seu olhar profético na raiz de tudo: o erro e a
rebeldia de Israel.
João foi um arauto, a voz que clamou forte no deserto, pois tinha
a força e as virtudes do Espírito de Elias. A humildade era marcante no seu comportamento.
João afirmou: “Depois de mim, vem alguém mais poderoso do que eu,
tanto que não sou digno nem de curvar-me e desamarrar as correias das suas sandálias”.
Dele falou o profeta Isaías, cerca de setecentos e cinquenta anos antes: “Voz
do que clama no deserto: preparai os caminhos do Senhor, tornai direito as suas
veredas”.
A impressão causada por João Batista foi muito intensa, atraindo
muitos da Judeia e da circunvizinhança do Jordão. Pregava as primícias do Reino
de Deus com grande emoção. Sua força de espírito, veracidade e humildade envolviam
as pessoas, tornando-o famoso em toda a região. Até o Sinédrio, o grande
Conselho Sacerdotal, enviou uma delegação para interrogá-lo se ele era mesmo
Elias. A pergunta foi mal formulada, expressando o desconhecimento da época.
Evidentemente, sua resposta foi negativa, pois ele era João. Se tivessem
perguntado se era o mesmo Espírito, a resposta seria afirmativa.
João não fez milagres, todavia era tido em honra pelo povo. Sua
maneira de se vestir e o modo de vida e de pregação correspondiam ao que se
esperava de um verdadeiro profeta. Adicionalmente, procurou trazer lições morais
para seus discípulos. Na verdade, preparava o caminho para o Mestre que
ensinaria lições muito mais complexas e difíceis de realizar.
Podemos citar como exemplo: “Quem tiver duas túnicas dê uma a quem
não tem”. Certamente, lição muito mais simples do que amar o inimigo, ou perdoar
setenta vezes sete vezes.
De acordo com João, o mal corrompe tudo, inclusive a aliança com Deus.
Entretanto, não pretendeu jamais mergulhar o povo no desespero; pelo contrário,
convidou-o à conversão mental para receber o Messias, esperado havia muitos séculos.
Para avaliarmos a condição espiritual diferenciada de João,
podemos citar uma passagem que bem caracteriza o seu espírito. Quando o Mestre iniciou
seu ministério público, as pessoas começaram a segui-lo e não mais a João.
Alguns discípulos de João ficaram melindrados e foram reclamar com ele. O
grande Precursor afirmou: “É necessário que Ele cresça e eu diminua”. Era, sem
dúvida, o homem que marcaria como ninguém a trajetória de Jesus.
João e Elias foram manifestações da mesma individualidade ou Espírito.
Elias foi o profeta judeu na sua essência mais pura, ou seja, a criatura que velava
pela aliança entre seu povo e Deus. Quem for à cidade israelense de Haifa
poderá visitar a gruta de Elias, no monte Carmelo, local venerado por judeus,
cristãos e mulçumanos.
Referências: Lc 3:1 a 18, Mc 1:1 a 8 e Jo 1:19 a 28
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