Léon Denis
O Espiritismo e o Clero Católico
Traduzido do Francês
Léon Denis - Le
Spiritualisme et le Clergé Catholique
Paris (1921)
Apresentação
Ao
trazermos a público O
Espiritismo e o
Clero Católico, procedemos de
acordo com o plano de trabalho do Centro que é o de publicar toda a obra
impressa de Léon Denis.
O livro foi classificado por Gaston
Luce, o ilustre biógrafo de Denis,
como “uma das
brochuras de defesa”.
Esse era um dos meios
pelo qual Léon
Denis respondia aos
ataques contra o Espiritismo.
Na
época em que
foi escrito (1921)
encontramos um Léon Denis
já alquebrado de
forças; ele desencarnaria
seis anos mais tarde,
porém com enorme
vigor intelectual e
sempre pronto a responder a
quem atacasse o
Espiritismo. E isto
ele o fez admiravelmente, não
poupando esforços nem mesmo procurando adocicar
quaisquer palavras. Seus
raciocínios claros trazem
a verdade para os
leitores. Opondo argumentos,
em sua maior parte oriundos das
experiências psíquicas com ilustres padres da Igreja, Denis
respondeu em defesa
do Espiritismo usando
até mesmo as expressões intelectuais católicas.
Ao
final, o mestre
faz uma análise
da reencarnação.
Novamente usando
os argumentos do
padre Coubé, ele mostra que a reencarnação é nada mais
nada menos que a crença comum dos
primeiros cristãos. Denis
perpassa os olhos
pela História e nos
mostra que, em
pleno século IV,
São Jerônimo “já reconhecia que
a crença nas
vidas sucessivas era a da maioria dos cristãos do seu tempo”.
Os argumentos de Denis eram, portanto,
em sua maior parte, calcados nas
experiências dos padres da Igreja.
Ele
termina este estudo
mostrando o aspecto
consola dor da
Doutrina Espírita.
Esse aspecto, aliás,
constitui uma pedra
de tropeço nos que rejeitam a reencarnação. Normalmente, os que a ela se
opõem o fazem
por interesses pessoais,
porque não há quem
não se renda às
lições sublimes de
amor e compreensão humanas tão bem apregoadas e
sintetizadas pelo Espiritismo.
Entregando aos
leitores mais este
livro, sentimo-nos satisfeitos pela
excelente e substancial
obra assinada pelo “professor de confiança” que foi Léon
Denis.
Altivo
Carissimi Pamphiro
Primeira Parte
O Espiritismo e as Contradições da
Igreja
Capítulo I
A
campanha contra o
Espiritismo, pelo clero
católico, prossegue ativamente.
O
padre Coubé, em
suas viagens de
pregações e suas conferências na
Madalena, em Paris,
iniciou os ataques, continuados sob a forma de artigos
que publicou mensalmente na revista L’Idéal. 1
A
seu turno, o
padre Mainage, dominicano
muito apreciado em seu
meio, saiu em
seu socorro na Libre
Parole e na Revue des Jeunes.
Seu exemplo
foi imitado por
todos os lados. Atiraram
contra nós do alto dos púlpitos e do fundo dos confessionários.
Tudo isso ainda não pareceu suficiente.
A artilharia pesada do Vaticano entrou no combate. Numa reunião plenária, os
cardeais inquisidores do Santo
Ofício, em Roma,
proíbem que os fiéis frequentem as
reuniões e os
estudos espíritas, “mesmo
que tenham uma aparência honesta e
piedosa”.
Após
alguns dias, o
Papa Benedito XV
aprovava essa resolução e
o arcebispo de
Paris, na Semaine Religieuse solicitava que seus diocesanos
lhe dessem a mais séria atenção.
Assim,
todos os canhões
da Igreja trovejam
em conjunto contra o pobre
Espiritismo, que nem por isso sofre qualquer mal.
O
Espiritismo já conheceu
muitos outros assaltos,
ele é tão antigo quanto o mundo e durará tanto
quanto ele, porque repousa em base indestrutível: a Verdade.
Seus
adversários podem revoltar-se
contra ele, mas só conseguirão chamar a atenção do
público a seu favor e aumentar o
número de seus
adeptos. É o
que acontece em
todos os casos
análogos. Só
nos cabe desejar
que nossos contraditores continuem tão eficaz
propaganda.
Procuramos, debalde,
uma explicação justa
na decisão do Santo
Ofício. Sua proibição
não vem seguida
de qualquer explicação.
Ficamos
limitados a nos
socorrermos dos argumentos dos pregadores da
imprensa católica para descobrirmos
os motivos que originaram tal
resolução.
Em
seus sermões e
durante uma entrevista
concedida a um redator do Matin,
o padre Coubé
reconhece a realidade
dos fenômenos espíritas e
até apresenta pormenores,
demonstrando um certo interesse, porém os atribui a uma intervenção
satânica.
Em
seus artigos no L’Idéal,
repete, incessantemente, a
questão do inferno.
O
padre Mainage, na Revue
des Jeunes, de
25 de abril
de 1917, não se apresenta menos radical.
Os
fenômenos espíritas, disse
ele, têm por
origem “um mau princípio, muito ardiloso ao
empregar os meios
de cegar as almas e de as perder”.
No prefácio que fez ao livro da senhora
H. Minck-Jullien, Les Voices de Dieu,2 ele ainda fala da intervenção do diabo
nos fatos espíritas.
Encontramo-nos diante
da antiga teoria
satânica, bastante odiosa. É
pena ver homens
inteligentes, dotados de real
talento, recorrer a argumentos
tão desgastados. Entretanto, a
palavra de ordem foi dada, o tema
foi imposto e é preciso obedecer!
Lamentamos as boas almas, constrangidas
a aceitar tarefa tão ingrata!
Não
mais nos deteremos
numa tese que
refutamos muitas vezes 3 e que
apenas faz despertar
um sorriso zombeteiro
nos lábios daqueles a quem ousam apresentá-la. Nós nos limitaremos a contrapor
às opiniões dos
padres Coubé e
Mainage, as dos teólogos cuja
autoridade é incontestável.
Em todas as épocas houve processos mais
ou menos bizarros para a comunicação
com os espíritos,
porém antigamente fazia-se
mistério com esses
processos, como se
fazia mistério com a Química. A
Justiça, por meio
de execuções terríveis, lançava na sombra essas estranhas
práticas.
Hoje,
graças à liberdade
dos cultos e
da publicidade universal, o que
era um segredo tornou-se uma fórmula popular.
Certamente, por
essa divulgação, Deus
quis proporcionar o desenvolvimento das forças
espirituais, a fim
de que o
homem não se esquecesse,
em presença das
maravilhas da mecânica,
de que há dois mundos inclusos um
no outro: o dos corpos e o dos espíritos.
Aos cardeais do Santo Ofício
lembraremos o que dizia o não menos
eminente cardeal Bona,
tão justamente cognominado
o “Fénelon da Itália”, em seu Traité du Discernement des Esprits: “É
espantoso que haja
homens de bom
senso que tenham ousado negar
inteiramente as aparições
e as comunicações
das almas com os vivos, ou atribuí-las a uma imaginação iludida ou, então,
à arte dos demônios!”
Ainda é preciso citar autoridades mais
altas: Santo Agostinho, em De
Cura pro Mortuis,
dá sua opinião nesses termos: “Os espíritos
dos mortos podem
ser enviados aos
vivos; podem desvendar-lhes o
futuro, que eles
conhecem, seja por intermédio de outros espíritos, pelos
anjos ou por uma revelação divina”. 8
E, mais adiante, acrescenta: “Por
que não atribuir
essas atuações aos
espíritos dos defuntos e
não acreditar que a Divina
Providência faz um bom
uso de
tudo, para instruir
os homens, consolá-los
ou assustá-los?”
São
Tomás de Aquino,
o “Anjo da
Escolástica”, diz-nos o abade
Poussin, professor no
Seminário de Nice,
em sua obra Le Spiritisme devant
l’Église (1866):
“comunicava-se com os habitantes do
outro mundo, com
mortos que lhe
informavam sobre o estado
das almas pelas
quais ele se
interessava, com santos que
o reconfortavam e lhe abriam
os tesouros da ciência divina”.
Diante
de tantas contradições, como
ficam a magnífica unidade de
vistas, a pura
doutrina infalível, o dogma intangível que era a magnificência da Igreja
Romana?
Os
homens que se
supõem os representantes de
Deus na Terra, os fiéis
intérpretes de sua palavra, os que se julgam com o direito absoluto
de governar nossas
consciências, esses ficam hesitantes, vacilantes,
em face dessa
questão capital: as condições da vida futura e as relações
entre vivos e defuntos!
Será, portanto, ao Espiritismo que a
Humanidade irá pedir as certezas e as consolações que lhe são necessárias e das
quais está hoje desprovida.
As
perplexidades do padre
diante desses problemas
se revelam de forma
chocante no prefácio
escrito pelo padre Mainage para
o livro da
senhora Minck-Jullien, do qual já falamos.
Trata-se de
uma jovem senhora,
“animada de um
ódio inexplicável contra a
Igreja”, e que
os conselhos do
defunto marido reconduzem ao
Catolicismo. Diversos fenômenos espíritas concorreram para
essa conversão: tiptologia, premonições, etc.
O
autor do prefácio
está muito embaraçado.
“Como explicar esse retorno
à fé através
de uma intervenção
do demônio?”, ele questiona.
Todavia, a
Igreja qualifica essas
práticas de diabólicas,
mas as comunicações obtidas
pela senhora Minck
não têm necessariamente essa
característica.
Deus
teria se utilizado
do Espiritismo para
reconduzir essa senhora ao
Catolicismo?
Embora
a solução do
problema seja tão
simples, tão fácil de se
encontrar, o padre
Mainage se debate
em um círculo
de contradições e de
dificuldades. O distinto
religioso, cujas intenções pareciam
sinceras, está como
que desnorteado nesse domínio
que lhe é
pouco familiar. Entretanto,
ele apresentou a única
explicação plausível, citando
na página 495 da
Revue des Jeunes: “A morte
não nos muda,
somos no Além
o que nós
fizemos nesta vida”.
Os
espíritos conservam por
muito tempo, após
a morte, suas opiniões
terrenas. Ora, a
senhora Minck-Jullien, casando-se, entrara para
uma família católica.
Seu cunhado era padre
e sua cunhada era
apegada à devoção.
Seu marido, que
ela transformara em livre
pensador, converteu-se, graças
ao Além-Túmulo, por meio de
espíritos crentes.
Na
primeira manifestação espírita
relatada, houve o aparecimento do sogro defunto para
afirmar sua fé na vida eterna e sua vontade de atrair, para ela, seu
filho ainda vivo (página 43 do
citado livro). Este, depois
de morto, cedeu
às sugestões paternais. Esta é a
única solução possível do enigma.
A
intervenção do demônio
nada tem a
ver aqui e essa
hipótese não tem outro fim a não ser desacreditar o Espiritismo.
Após
ter vislumbrado a
verdade como um
clarão, o padre Mainage recai
em suas dúvidas.
No decorrer de
suas conferências em S.
Luis d’Antin (1920),
6º sermão, e em seu
livro La Religion Spirite (1921-1922), ainda evoca o espectro de satã.
É
bem a neurose
diabólica, doença mental
que tanto prejudicou na Idade Média,
causou tantos males e se perpetua até nós.
A
teoria do demônio
e do inferno
rendeu tantas vantagens
à Igreja que ela
não hesitará em
utilizá-la nas horas difíceis.
Entretanto, o que no passado podia
impressionar, hoje nada mais suscita que um ceticismo zombeteiro.
Às
afirmativas peremptórias proferidas
da cátedra, o homem atual
preferirá as demonstrações positivas,
as experiências sempre
controláveis de um Crookes, de um Myers, de um Lodge, de um Aksakof, de um
Lombroso.
O Espiritismo faz, pouco a pouco, sua
brecha na Ciência. Os fatos, as provas
e os testemunhos
se acumulam a seu
favor.
Grande número de sábios célebres,
principalmente na Inglaterra, contam-se entre seus adeptos.
Ele
pode olhar o
futuro com confiança,
considerar com indulgência e
serenidade as críticas vãs de que é objeto. A Igreja Romana poderia dizer o
mesmo? Não, seguramente.
Debaixo das intemperanças de linguagem
de seus defensores, adivinha-se um despeito,
um receio de
ver nossas crenças substituírem, pouco
a pouco, o
obscuro e sufocante dogma católico.
Não será, também, rebaixar Deus, como o
padre Mainage faz, acreditando em sua
intervenção no curso
das manifestações de ordem física?
Dir-se-ia que
o Catolicismo estava
empenhado em amesquinhar Deus e
que conseguiu seu propósito com os homens que,
na sua maioria,
chegaram a perder
de vista a majestade
divina e o esplendor de suas leis.
A Igreja tinha por missão conservar no
homem a noção clara e elevada de
Deus e da
vida futura. Ora,
o materialismo e o ateísmo
é que reinam como dominadores na sociedade moderna.
Socorrendo-se sempre
do espantalho do
inferno e das penas eternas, fazendo de Deus o carrasco
de suas criaturas, atribuindo a
satã um papel
importante no universo,
levou o homem
à negação.
No decorrer de uma conferência numa
cidade do Sul, um bom católico me fez a seguinte objeção: – O senhor
disse que o
inferno é um
simples produto da imaginação. Eu
fui a Nápoles e vi o Vesúvio em erupção; é uma das bocas do inferno que,
portanto, é uma realidade.
Repliquei: – Então o senhor acredita
que o inferno se encontra no centro da
Terra? Entretanto, tendo
sido a Terra
uma grande massa ígnea, um
globo de fogo,
antes de se
tornar sólida e de ser
habitada, daí resulta
que Deus criou
o inferno antes
de criar o homem.
Assim, se poderia
comparar Deus a
um grande senhor da Idade Média
que desejando fundar uma cidade, começaria por mandar construir,
no centro, a
geena, a casa
dos suplícios, o lugar
de torturas e
diria, em seguida,
a todos: “Venham, meus amigos, vos instalar nesse local, que
preparei com carinho!”
Com essas palavras, toda a sala foi
sacudida por uma enorme hilaridade e o meu contraditor ficou com um ar contristado.
Eis
a que chegam
tais teorias. Nossos
excelentes pregadores católicos
duvidam do resultado obtido por seus efeitos oratórios?
A
noção de Deus
é inseparável da
de justiça; quando uma desmorona, arrasta a outra também.
Ora,
apesar de todas
as argúcias e
de todos os
sofismas, jamais se poderá
conciliar a noção
de justiça com a de um inferno
perenal. O sentimento,
a piedade, a
misericórdia não combinam com
tais ideias.
Direi a nossos contraditores: Como recomendais
aos fiéis, com convicção, o
perdão das ofensas, o esquecimento
das injúrias; aconselhais
aos pais a indulgência
para com seus
filhos; gostais de
citar a parábola do filho
pródigo que, não
obstante seus erros,
foi acolhido por
seu pai, de braços
abertos, e fazeis
de Deus, Pai
de todos, um ser
impiedoso e cruel?! Impiedoso por toda a eternidade!
Não
sentis qualquer coisa
tremer dentro de
vós, quando afirmais semelhantes
erros, tais absurdos?
Notas:
1 – “Bulletin Mensuel
de la Ligue
de la Communion
Fréquente et Quotidiene.”
2 – Editor
Pierre Téqui, 1917.
3 – Ver,
principalmente, No Invisível, capítulo XXIII.
4 – Atualmente,
arcebispo de Cambrai (1921).
5 – Reproduzido
pelo Matin, de 15 de abril de 1912.
6 – Swetchine, Anne-Sophie
(1782-1857), escritora francesa,
de nacionalidade russa, autora de
Letters e Pensées, de inspiração mística.
7 – Trata-se,
evidentemente, de um cristão católico.
8 – De
Cura pro Mortuis, edição beneditina, tomo VI, Col. 527.
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