PENTATEUCO KARDEQUIANO

PENTATEUCO  KARDEQUIANO
OBRAS BÁSICAS

quarta-feira, novembro 25, 2015

O Espiritismo e o Clero Católico - Léon Denis

Léon Denis
O Espiritismo e o Clero Católico
Traduzido do Francês
Léon Denis - Le Spiritualisme et le Clergé Catholique
Paris (1921)

Apresentação

Ao  trazermos  a  público O  Espiritismo  e  o  Clero  Católico, procedemos de acordo com o plano de trabalho do Centro que é o de publicar toda a obra impressa de Léon Denis.
O livro foi classificado por Gaston Luce, o ilustre biógrafo de Denis,  como  “uma  das  brochuras  de  defesa”.  Esse  era um  dos meios  pelo  qual  Léon  Denis  respondia  aos  ataques  contra  o Espiritismo.
Na  época  em  que  foi  escrito  (1921)  encontramos  um  Léon Denis  já  alquebrado  de  forças;  ele  desencarnaria  seis  anos  mais tarde,  porém  com  enorme  vigor  intelectual  e  sempre pronto  a responder  a  quem  atacasse  o  Espiritismo.  E  isto  ele o  fez admiravelmente, não poupando esforços nem mesmo procurando adocicar  quaisquer  palavras.  Seus  raciocínios  claros  trazem  a verdade  para  os  leitores.  Opondo  argumentos,  em  sua maior parte oriundos das experiências psíquicas com ilustres padres da Igreja,  Denis  respondeu  em  defesa  do  Espiritismo  usando  até mesmo as expressões intelectuais católicas.
Ao   final,   o   mestre   faz   uma   análise   da   reencarnação.
Novamente  usando  os  argumentos  do  padre  Coubé,  ele mostra que a reencarnação é nada mais nada menos que a crença comum dos  primeiros  cristãos.  Denis  perpassa  os  olhos  pela  História  e nos   mostra   que,   em   pleno   século   IV,   São   Jerônimo   “já reconhecia  que  a  crença  nas  vidas  sucessivas  era  a da  maioria dos cristãos do seu tempo”.
Os argumentos de Denis eram, portanto, em sua  maior parte, calcados nas experiências dos padres da Igreja.
Ele  termina  este  estudo  mostrando  o  aspecto  consola dor  da
Doutrina  Espírita.  Esse  aspecto,  aliás,  constitui  uma  pedra  de tropeço nos que rejeitam a reencarnação. Normalmente, os que a ela  se  opõem  o  fazem  por  interesses  pessoais,  porque  não  há quem  não  se  renda  às  lições  sublimes  de  amor  e  compreensão humanas tão bem apregoadas e sintetizadas pelo Espiritismo.
Entregando    aos    leitores    mais    este    livro,    sentimo-nos satisfeitos   pela   excelente   e   substancial   obra   assinada   pelo “professor de confiança” que foi Léon Denis.

 Altivo Carissimi Pamphiro

Primeira Parte
O Espiritismo e as Contradições da Igreja
Capítulo I
A   campanha   contra   o   Espiritismo,   pelo   clero   católico, prossegue ativamente.
O   padre   Coubé,   em   suas   viagens   de   pregações   e   suas conferências   na   Madalena,   em   Paris,   iniciou   os   ataques, continuados sob a forma de artigos que publicou mensalmente na revista L’Idéal. 1
A  seu  turno,  o  padre  Mainage,  dominicano  muito  apreciado em  seu  meio,  saiu  em  seu  socorro  na Libre  Parole e  na Revue des Jeunes.
Seu  exemplo  foi  imitado  por  todos os  lados.  Atiraram  contra nós do alto dos púlpitos e do fundo dos confessionários.
Tudo isso ainda não pareceu suficiente. A artilharia pesada do Vaticano entrou no combate. Numa reunião plenária, os cardeais inquisidores  do  Santo  Ofício,  em  Roma,  proíbem  que os  fiéis frequentem  as  reuniões  e  os  estudos  espíritas,  “mesmo  que tenham uma aparência honesta e piedosa”.
Após   alguns   dias,   o   Papa   Benedito   XV   aprovava   essa resolução   e   o   arcebispo   de   Paris,   na Semaine   Religieuse solicitava que seus diocesanos lhe dessem a mais séria atenção.
Assim,  todos  os  canhões  da  Igreja  trovejam  em  conjunto contra o pobre Espiritismo, que nem por isso sofre qualquer mal.
O  Espiritismo  já  conheceu  muitos  outros  assaltos,  ele  é  tão antigo quanto o mundo e durará tanto quanto ele, porque repousa em base indestrutível: a Verdade.
Seus   adversários   podem   revoltar-se   contra   ele,   mas só conseguirão chamar a atenção do público a seu favor e aumentar o  número  de  seus  adeptos.  É  o  que  acontece  em  todos os  casos
análogos.   Só   nos   cabe   desejar   que   nossos   contraditores continuem tão eficaz propaganda.
Procuramos,  debalde,  uma  explicação  justa  na  decisão  do Santo   Ofício.   Sua   proibição   não   vem   seguida   de   qualquer explicação.
Ficamos  limitados  a  nos  socorrermos  dos  argumentos dos pregadores  da  imprensa católica  para  descobrirmos  os  motivos que originaram tal resolução.
Em  seus  sermões  e  durante  uma  entrevista  concedida a  um redator  do Matin,  o  padre  Coubé  reconhece  a  realidade  dos fenômenos  espíritas  e  até  apresenta  pormenores,  demonstrando um certo interesse, porém os atribui a uma intervenção satânica.
Em  seus  artigos  no L’Idéal,  repete,  incessantemente,  a  questão do inferno.
O  padre  Mainage,  na Revue  des  Jeunes,  de  25  de  abril  de 1917, não se apresenta menos radical.
Os  fenômenos  espíritas,  disse  ele,  têm  por  origem  “um  mau princípio,  muito ardiloso  ao  empregar  os  meios  de  cegar  as almas e de as perder”.
No prefácio que fez ao livro da senhora H. Minck-Jullien, Les Voices de Dieu,2 ele ainda fala da intervenção do diabo nos fatos espíritas.
Encontramo-nos  diante  da  antiga  teoria  satânica,  bastante odiosa.  É  pena  ver  homens  inteligentes,  dotados  de real  talento, recorrer  a  argumentos  tão  desgastados.  Entretanto, a  palavra  de ordem foi dada, o tema foi imposto e é preciso obedecer!
Lamentamos as boas almas, constrangidas a aceitar tarefa tão ingrata!
Não  mais  nos  deteremos  numa  tese  que  refutamos  muitas vezes 3 e  que  apenas  faz  despertar  um  sorriso  zombeteiro  nos lábios daqueles a quem ousam apresentá-la. Nós nos limitaremos a  contrapor  às  opiniões  dos  padres  Coubé  e  Mainage, as  dos teólogos cuja autoridade é incontestável.
Em todas as épocas houve processos mais ou menos bizarros para  a  comunicação  com  os  espíritos,  porém  antigamente  fazia-se  mistério  com  esses  processos,  como  se  fazia  mistério  com  a Química.  A  Justiça,  por  meio  de  execuções  terríveis, lançava na sombra essas estranhas práticas.
Hoje,   graças   à   liberdade   dos   cultos   e   da   publicidade universal, o que era um segredo tornou-se uma fórmula popular.
Certamente,   por  essa  divulgação,  Deus  quis   proporcionar  o desenvolvimento  das forças  espirituais,  a  fim  de  que  o  homem não  se  esquecesse,  em  presença  das  maravilhas  da  mecânica,  de que há dois  mundos inclusos um no outro: o dos corpos e o dos espíritos.
Aos cardeais do Santo Ofício lembraremos o que dizia o não menos  eminente  cardeal  Bona,  tão  justamente  cognominado  o “Fénelon da Itália”, em seu Traité du Discernement des Esprits:  “É  espantoso  que  haja  homens  de  bom  senso  que  tenham ousado  negar  inteiramente  as  aparições  e  as  comunicações  das almas com os vivos, ou atribuí-las a uma imaginação iludida ou, então, à arte dos demônios!”
Ainda é preciso citar autoridades mais altas: Santo  Agostinho,  em De  Cura  pro  Mortuis,  dá  sua  opinião nesses termos: “Os  espíritos  dos  mortos  podem  ser  enviados  aos  vivos; podem  desvendar-lhes  o  futuro,  que  eles  conhecem,  seja  por intermédio de outros espíritos, pelos anjos ou por uma revelação divina”. 8
E, mais adiante, acrescenta:  “Por   que   não   atribuir   essas   atuações   aos   espíritos dos defuntos  e  não  acreditar  que  a  Divina  Providência  faz  um  bom uso  de  tudo,  para  instruir  os  homens,  consolá-los  ou  assustá-los?”
São  Tomás  de  Aquino,  o  “Anjo  da  Escolástica”,  diz-nos  o abade  Poussin,  professor  no  Seminário  de  Nice,  em  sua  obra Le Spiritisme   devant   l’Église (1866):   “comunicava-se   com   os habitantes  do  outro  mundo,  com  mortos  que  lhe  informavam sobre  o  estado  das  almas  pelas  quais  ele  se  interessava,  com santos  que  o  reconfortavam  e  lhe  abriam  os  tesouros da  ciência divina”.
Diante   de   tantas   contradições,   como   ficam   a   magnífica unidade  de  vistas,  a  pura  doutrina  infalível,  o  dogma  intangível que era a magnificência da Igreja Romana?
Os  homens  que  se  supõem  os  representantes  de  Deus  na Terra, os fiéis intérpretes de sua palavra, os que se julgam com o direito  absoluto  de  governar  nossas  consciências,  esses  ficam hesitantes,   vacilantes,   em   face   dessa   questão   capital:   as condições da vida futura e as relações entre vivos e defuntos!
Será, portanto, ao Espiritismo que a Humanidade irá pedir as certezas e as consolações que lhe são necessárias e das quais está hoje desprovida.
As   perplexidades   do   padre   diante   desses   problemas   se revelam   de   forma   chocante   no   prefácio   escrito   pelo padre Mainage  para  o  livro  da  senhora  Minck-Jullien,  do  qual  já falamos.
Trata-se   de   uma   jovem   senhora,   “animada   de   um   ódio inexplicável  contra  a  Igreja”,  e  que  os  conselhos  do  defunto marido    reconduzem    ao    Catolicismo.    Diversos    fenômenos espíritas     concorreram     para     essa     conversão:     tiptologia, premonições, etc.
O  autor  do  prefácio  está  muito  embaraçado.  “Como  explicar esse  retorno  à  fé  através  de  uma  intervenção  do  demônio?”,  ele questiona.
Todavia,  a  Igreja  qualifica  essas  práticas  de  diabólicas,  mas as    comunicações    obtidas    pela    senhora    Minck    não    têm necessariamente essa característica.
Deus  teria  se  utilizado  do  Espiritismo  para  reconduzir  essa senhora ao Catolicismo?
Embora  a  solução  do  problema  seja  tão  simples,  tão fácil  de se  encontrar,  o  padre  Mainage  se  debate  em  um  círculo  de contradições   e   de   dificuldades.   O   distinto   religioso,   cujas intenções  pareciam  sinceras,  está  como  que  desnorteado  nesse domínio  que  lhe  é  pouco  familiar.  Entretanto,  ele  apresentou  a única  explicação  plausível,  citando  na  página  495  da Revue  des Jeunes: “A  morte  não  nos  muda,  somos  no  Além  o  que  nós  fizemos nesta vida”.
Os  espíritos  conservam  por  muito  tempo,  após  a  morte,  suas opiniões  terrenas.  Ora,  a  senhora  Minck-Jullien,  casando-se, entrara  para  uma  família  católica.  Seu  cunhado  era padre  e  sua cunhada    era    apegada    à    devoção.    Seu    marido,    que    ela transformara  em  livre  pensador,  converteu-se,  graças  ao  Além-Túmulo, por meio de espíritos crentes.
Na    primeira    manifestação    espírita    relatada,    houve    o aparecimento do sogro defunto para afirmar sua fé na vida eterna e sua vontade de atrair, para ela, seu filho ainda vivo (página 43 do  citado  livro).  Este, depois  de  morto,  cedeu  às  sugestões paternais. Esta é a única solução possível do enigma.
A  intervenção  do  demônio  nada  tem  a  ver  aqui  e  essa hipótese não tem outro fim a não ser desacreditar o Espiritismo.
Após  ter  vislumbrado  a  verdade  como  um  clarão,  o  padre Mainage    recai    em    suas    dúvidas.    No    decorrer    de    suas conferências  em  S.  Luis  d’Antin  (1920),  6º  sermão, e  em  seu livro La Religion Spirite (1921-1922), ainda evoca o espectro de satã.
É   bem   a   neurose   diabólica,   doença   mental   que   tanto prejudicou na Idade Média, causou tantos males e se perpetua até nós.
A  teoria  do  demônio  e  do  inferno  rendeu  tantas  vantagens  à Igreja  que  ela  não  hesitará  em  utilizá-la  nas  horas difíceis.
Entretanto, o que no passado podia impressionar, hoje nada mais suscita que um ceticismo zombeteiro.
Às  afirmativas  peremptórias  proferidas  da  cátedra, o  homem atual   preferirá   as   demonstrações   positivas,   as   experiências sempre controláveis de um Crookes, de um Myers, de um Lodge, de um Aksakof, de um Lombroso.
O Espiritismo faz, pouco a pouco, sua brecha na Ciência. Os fatos,  as  provas  e  os  testemunhos  se  acumulam  a  seu favor.
Grande número de sábios célebres, principalmente na Inglaterra, contam-se entre seus adeptos.
Ele  pode  olhar  o  futuro  com  confiança,  considerar  com indulgência e serenidade as críticas vãs de que é objeto. A Igreja Romana poderia dizer o mesmo? Não, seguramente.
Debaixo das intemperanças de linguagem de seus defensores, adivinha-se   um   despeito,   um   receio   de   ver   nossas   crenças substituírem,  pouco  a  pouco,  o  obscuro  e  sufocante dogma católico.
Não será, também, rebaixar Deus, como o padre Mainage faz, acreditando  em  sua  intervenção  no  curso  das  manifestações  de ordem física?
Dir-se-ia    que    o    Catolicismo    estava    empenhado    em amesquinhar Deus e que conseguiu seu propósito com os homens que,  na  sua  maioria,  chegaram  a  perder  de  vista  a  majestade divina e o esplendor de suas leis.
A Igreja tinha por missão conservar no homem a noção clara e  elevada  de  Deus  e  da  vida  futura.  Ora,  o  materialismo  e  o ateísmo é que reinam como dominadores na sociedade moderna.
Socorrendo-se  sempre  do  espantalho  do  inferno  e  das penas eternas, fazendo de Deus o carrasco de suas criaturas, atribuindo a  satã  um  papel  importante  no  universo,  levou  o  homem  à negação.
No decorrer de uma conferência numa cidade do Sul, um bom católico me fez a seguinte objeção: – O  senhor  disse  que  o  inferno  é  um  simples  produto da imaginação. Eu fui a Nápoles e vi o Vesúvio em erupção; é uma das bocas do inferno que, portanto, é uma realidade.
Repliquei: – Então o senhor acredita que o inferno se encontra no centro da  Terra?  Entretanto,  tendo  sido  a  Terra  uma  grande massa ígnea,  um  globo  de  fogo,  antes  de  se  tornar  sólida e  de  ser habitada,  daí  resulta  que  Deus  criou  o  inferno  antes  de  criar  o homem.  Assim,  se  poderia  comparar  Deus  a  um  grande senhor da Idade Média que desejando fundar uma cidade, começaria por mandar  construir,  no  centro,  a  geena,  a  casa  dos  suplícios,  o lugar  de  torturas  e  diria,  em  seguida,  a  todos: “Venham,  meus amigos, vos instalar nesse local, que preparei com carinho!”
Com essas palavras, toda a sala foi sacudida por uma enorme hilaridade e o meu contraditor ficou com um ar contristado.
Eis  a  que  chegam  tais  teorias.  Nossos  excelentes  pregadores católicos duvidam do resultado obtido por seus efeitos oratórios?
A  noção  de  Deus  é  inseparável  da  de  justiça;  quando uma desmorona, arrasta a outra também.
Ora,  apesar  de  todas  as  argúcias  e  de  todos  os  sofismas, jamais  se  poderá  conciliar  a  noção  de  justiça  com  a de  um inferno  perenal.  O  sentimento,  a  piedade,  a  misericórdia  não combinam com tais ideias.
Direi a nossos contraditores: Como  recomendais  aos  fiéis,  com  convicção,  o  perdão das ofensas,  o  esquecimento  das  injúrias;  aconselhais  aos  pais  a indulgência  para  com  seus  filhos;  gostais  de  citar a  parábola  do filho  pródigo  que,  não  obstante  seus  erros,  foi  acolhido  por  seu pai,  de  braços  abertos,  e  fazeis  de  Deus,  Pai  de  todos,  um  ser impiedoso e cruel?! Impiedoso por toda a eternidade!
Não  sentis  qualquer  coisa  tremer  dentro  de  vós,  quando afirmais semelhantes erros, tais absurdos?

Notas:
1 – “Bulletin  Mensuel  de  la  Ligue  de  la  Communion  Fréquente  et Quotidiene.”
2 – Editor Pierre Téqui, 1917.
3 – Ver, principalmente, No Invisível, capítulo XXIII.
4 – Atualmente, arcebispo de Cambrai (1921).
5 – Reproduzido pelo Matin, de 15 de abril de 1912.
6 – Swetchine,  Anne-Sophie  (1782-1857),  escritora  francesa,  de nacionalidade russa, autora de  
       Letters e Pensées, de inspiração mística.
7 – Trata-se, evidentemente, de um cristão católico.
8 – De Cura pro Mortuis, edição beneditina, tomo VI, Col. 527.


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