NOSSOS FILHOS SÃO ESPÍRITOS
HERMÍNIO C. MIRANDA
14 – SÓ
ESQUECEMOS AQUILO QUE SABEMOS
O LEITOR NÃO-FAMILIARIZADO com a realidade do renascimento
(reencarnação) poderá pensar logo: “Ué, mas se eu também já vivi outras vidas,
por que não me lembro delas?”
A pergunta é legítima e merece resposta. De fato,
nós habitualmente não nos lembramos de
ter vivido antes, o que não é o mesmo que dizer que não tivemos outras existências. Você pode esquecer certo
presente ganho em seu aniversário há cinco ou seis anos e no entanto o
presente, se for durável, continua por aí, provavelmente em alguma gaveta ou armário.
É bom que esqueçamos mesmo, a fim de aproveitar a
oportunidade de dar início a uma existência como se estivéssemos abrindo um
novo caderno de muitas folhas em branco, no qual você irá escrever sua
história. É bom ignorar que você teve graves problemas, no passado, com a
pessoa que hoje é sua mãe, seu irmão ou aquela irmã mais difícil. Ou que você
tenha enganado vilmente a linda menina que agora é sua filha, ou ficado com a
herança que, de direito, pertencia àquele genro que você não queria que se
casasse com sua filha.
É que as famílias são, quase sempre, arranjos
combinados no mundo invisível entre as diversas personagens de um drama ou de
uma tragédia antiga, para que acertem suas diferenças pelo relógio cósmico do
amor ao próximo, a fim de que todos sejam felizes um dia. Nascem ao nosso lado,
ou nascemos nós junto de adversários, vítimas ou desafetos de outrora, aos
quais prejudicamos gravemente ou que nos tenham criado também dificuldades e
sofrimentos, perfeitamente evitáveis, se todos tivéssemos agido de maneira
correta. Nascem, também, é claro, conforme nossos méritos, pessoas maravilhosas,
a quem amamos profundamente e respeitamos, mas isto é quase exceção, não a
norma, pois não disse o Cristo que primeiro tínhamos de nos conciliar com o
adversário? E que não sairíamos de lá, ou seja, do sofrimento, enquanto não
houvéssemos resgatado o último centavo da dívida perante as leis do amor? E que
aquele que erra é escravo do erro? Lembram-se, ainda, da sua breve e amorosa
advertência? Aquela que diz: “Vai e não peques mais, para que não te aconteça
coisa pior.” Pois é isso!
Então a família é o campo de provas, onde
encontramos amigos e desafetos. Os primeiros nos trazem o gostoso refrigério de
sua afeição, num relacionamento agradável e construtivo. É facílimo amá-los. Os
outros, não. São pessoas difíceis, que inconscientemente guardam de nós
rancores ainda não superados, ou mágoas que não conseguiram vencer. E muito
mais difícil amá-los, convertendo sua atitude negativa por nós em um
relacionamento afetivo, desarmado e genuíno.
Mais uma vez, nos lembramos do Cristo, que tudo
sabia, previa e aconselhava:
“(...) Amai vossos inimigos”, diz ele, em Lucas
6,27, “fazei o bem àqueles que vos odeiam, bendizei aos que vos maldizem, rogai
pelos que vos maltratam.”
E mais adiante, em 6,32:
“Se amais aos que vos amam, que mérito tereis? Pois
também os pecadores amam àqueles que os amam.
Essa filosofia, aparentemente tão estranha, tem
profundas motivações. Com aqueles a quem amamos, não há problemas a resolver.
Já são nossos amigos, basta cultivá-los com carinho e respeito. Com aqueles que
nos detestam, ao contrário, temos questões pendentes, ainda que,
conscientemente, as ignoremos. Por uma razão oculta, estamos juntos para que
aprendamos a nos amar fraternalmente. E nisso lembramos, de novo, o Cristo,
que nos disse outras palavras da maior importância:
“Reconcilia-te com teu adversário enquanto estás a caminho com ele.”
É certíssimo isso. Ele foi posto em nosso caminho
precisamente para que nos reconciliássemos, convertendo adversário em amigo. É
mais fácil realizar essa tarefa quando ignoramos as verdadeiras causas das
divergências. Por outro lado, o difícil trabalho da conciliação tem mérito
maior precisamente quando o realizamos por espontâneo esforço pessoal em
conquistar a confiança e o amor fraterno daquele que nos desama, em vez de
fazê-lo somente porque é nossa obrigação oferecer ao antigo inimigo a reparação
que lhe é devida. Ademais, você não estará fazendo aquilo por um estranho ou desconhecido,
mas por um filho seu, por seu pai, ou sua mãe, por um irmão, por alguém da
família, enfim.
Também é bom esquecermos, porque, quando é muito
grande o peso das culpas, o remorso ameaça esmagar-nos e paralisar a ação
reparadora. Você pode até pensar que seria melhor conhecer logo tudo de uma
vez, mas não é bem assim. O esquecimento nos protege de certas angústias e
evitáveis vexames. Isso é tão verdadeiro que não gostamos de pensar, sequer,
nas tolices e loucuras praticadas na juventude ou na mocidade depois que
conseguimos algum equilíbrio para viver com maior serenidade.
Ainda há pouco eu lhes contava o episódio da pedra
que atirei no trem, quando estava com sete para oito anos. Sabem de uma coisa?
Hesitei bastante até decidir botar aquilo, preto no branco, no papel. Não foi
nada fácil, mas acabei vencendo as resistências íntimas, porque achei que o
episódio continha uma lição útil para um ou outro que o lesse, tanto quanto foi
útil para mim.
Foi naquele ponto da vida que tive a exata noção da
responsabilidade pessoal por tudo quanto fazemos. Mas, cá entre nós: eu teria
preferido deixar o caso da pedra arquivado em alguma gaveta secreta da memória.
Ou melhor, nunca tê-lo vivido. Já imaginou se em vez de jogar uma pedra você
tiver degolado ou envenenado a sangue-frio a menina que hoje é sua filha
predileta? E que, aliás, nem liga para você, porque ainda guarda certas
desconfianças a seu respeito? (Leia, a propósito, a história verídica “O Triste
Balido da Ovelha Desgarrada”, em meu livro O exilado.)
Bem, aí estão algumas das principais razões pelas
quais nos esquecemos das vidas anteriores, a fim de podermos começar outra,
como se nada tivesse acontecido. Ocorre, porém, que antigas lembranças e
vivências às vezes transbordam de uma vida para outra, como temos visto em
algumas das breves histórias narradas neste livro.
Nem sempre tais lembranças são nítidas e
explícitas. Surgem sob misteriosos disfarces, como por exemplo quando você
experimenta curiosa e inexplicável atração ou repulsão por uma pessoa a qual
você acaba de ser apresentado. Há pessoas de quem gostamos à primeira vista, em
quem confiamos e junto de quem nos sentimos perfeitamente à vontade, ao passo
que outras, que podem fazer tudo para nos agradar, não conseguimos aceitar
senão com muita relutância.
Gosto de ilustrar tais situações com pequenas
histórias — todas absolutamente autênticas, sem traço algum de fantasia. Esta
até já contei alhures, em outro escrito.
Foi o caso de uma senhora educada, inteligente e
equilibrada que me ligou para conversar sobre alguns aspectos de seus problemas
pessoais. O que ela pretendia mesmo é que eu pudesse realizar com ela (ou
indicar quem o fizesse) um trabalho de regressão de memória, para que ela
pudesse identificar as razões que a levavam a tamanha aversão por sua própria
mãe.
Dizia-me que a pobre senhora era carinhosa,
dedicada e muito amiga, procurando cercá-la de gentilezas e agrados, mas que,
com vergonha, ela me confessava não conseguir vencer certa reserva e até mesmo
repugnância. Evitava comer guloseimas que a mãe lhe trazia e chegava ao ponto
de ir lavar as mãos depois que ela se retirava. Evidentemente que essa
insuperável rejeição era uma atitude que muito a incomodava. Afinal, a senhora
era sua mãe e tudo fazia para ser simpática e agradável. E, ao que depreendi,
jamais desconfiara da repulsão da filha por ela.
Esse era o problema. Talvez, pensava ela, a
regressão de memória desvendasse o enigma e a ajudasse a libertar-se da
penosíssima situação, senão passando a amar a mãe, pelo menos vencendo racionalmente
a postura de aversão e desconfiança.
Cabia-me, agora, expor-lhe o que pensava.
Disse-lhe que não aconselhava a regressão de
memória, mesmo que me fosse possível fazê-la, o que não estava em minhas
cogitações, dado que meus estudos acerca do assunto se destinaram apenas a
coligir o material de que me utilizei no livro A memória e o tempo.
Não era aconselhável o procedimento porque ela
poderia se deparar com um episódio extremamente doloroso e traumático, que
agravaria ainda mais a situação, em vez de minorar suas aflições. Por outro
lado, eu não achava necessário fazê-lo. A razão era simples e lógica: não era
difícil depreender que o problema com a mãe resultava de grave erro cometido
pela senhora, em alguma existência anterior, contra a que hoje era sua filha.
Não tinha eu a menor ideia do que pudesse ter sido, mas imaginava até a
possibilidade de um envenenamento, quem sabe se por alimentos previamente
“preparados”, e daí a aversão da moça pelas guloseimas que a mãe lhe
preparava. O que parecia claro é que a moça deveria ter sofrido nas mãos da
outra, ou, provavelmente, teria mesmo sido assassinada por ela.
Acontece, porém, que tudo isto era, hoje, passado
superado. Ficaram desconfianças, temores e reservas, mas como fiz com que ela
percebesse, a mãe estava fazendo grande esforço para se recompor, para
recompensá-la, para redimir-se dos erros cometidos contra ela. No meu entender,
ela deveria esforçar-se, de sua parte, em aceitar a mãe, que evidentemente não
era mais a pessoa que fora.
A moça ouviu atentamente toda essa explanação,
pareceu meditar por breve instante e pude sentir que alguma coisa se desarmava
dentro dela. Respirou fundo, como que aliviada, e me agradeceu, disposta a
reconsiderar tudo aquilo para uma nova organização de seus sentimentos em
relação à mãe. Era tudo quanto eu pedia a Deus, por ambas. Disse-lhe que, caso
houvesse necessidade, voltasse a me procurar. Como isto não ocorreu, sinto-me
autorizado a concluir que pelo menos as tensões mais graves entre mãe e filha
foram atenuadas.
Nesse caso, portanto, as matrizes emocionais de
duas vidas não se revelaram em toda sua extensão e profundidade, mas o conflito
anterior parecia bem caracterizado e não muito difícil de ser depreendido das
circunstâncias que o envolviam.
Há casos, contudo, de crianças ou adultos que se
lembram com incrível nitidez de episódios marcantes de existências anteriores
ou até mesmo de vidas inteiras, com identificação, na existência atual, de
pessoas que, em outros tempos, desempenharam papéis de vilão, de amigo ou de
parentes. Aliás é bom reiterar: não é por acaso que as pessoas se unem.
Não fosse ser indiscreto com meus familiares,
poderia escrever uma novelinha de muitos capítulos narrando as diversas
histórias que, juntos, vivemos no passado, em diferentes existências e contextos.
Esses aspectos, contudo, são de extrema delicadeza
e tocam pontos muito sensíveis da maioria das pessoas. Amigos espirituais me
disseram, certa vez, que fui preparado para conhecer alguns (aliás, muitos)
episódios de minhas existências passadas, em razão da tarefa que me caberia
desempenhar aqui, na carne. Não sei, contudo, se aqueles que me cercam e a mim
se ligam por laços de afeição, parentesco ou profissionais teriam sido
igualmente preparados para absorver certos impactos suscetíveis de criar
conflitos íntimos.
Observamos que nas experiências de regressões
promovidas tanto pela Dra. Wambach quanto pela não menos competente Dra. Edith
Fiore há sempre o cuidado em testar previamente o paciente, para verificar se
ele ou ela está em condições de tomar conhecimento de eventos traumáticos
ocorridos no passado e potencialmente explosivos, se suscitados no presente. As vezes é preciso adiar ou até mesmo abandonar a pesquisa, a fim de que não
aconteça ficar a pessoa ainda mais perturbada do que está.
Isso me faz lembrar um homem que desejava livrar-se
de inexplicável claustrofobia e que se sentiu profundamente decepcionado
consigo mesmo ao descobrir que em antiga existência havia sido pirata, daqueles
que assaltavam navios carregados de riquezas, em alto-mar, e depois iam
esconder os tesouros numa ilha secreta. A intenção deles era a de se
“aposentarem” um dia de suas atividades criminosas, para então poderem levar
vida mansa e respeitável.
Numa das excursões feitas à ilha para esconder o
produto dos mais recentes assaltos, um túnel cavado na terra desabou e ele
morreu soterrado, a poucos passos da inútil riqueza.
Nesse, também, a lembrança ficara no inconsciente,
mas não se apagara e consistentemente enviava seu recado, claro e firme, por
intermédio da desagradável e inexplicável sensação de claustrofobia.
Reiteramos, contudo, que em algumas pessoas,
especialmente crianças, tais recordações são de impressionante realismo. É bom
que você, mamãe ou papai, saiba como considerar problemas desses com seus
filhos.
É o que poderemos ver a seguir.
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