PENTATEUCO KARDEQUIANO
quarta-feira, junho 03, 2015
PEDAGOGIA ESPÍRITA – J. HERCULANO PIRES - A EDUCAÇÃO ESPÍRITA
O que podemos entender por Educação Espírita? Essa expressão pode ser entendida em dois sentidos: 1°) como uma espécie de formação sectária das crianças e dos jovens, uma forma de transmissão dos princípios espíritas às novas gerações, e portanto um assunto doméstico, restrito ao lar e às escolinhas que funcionam nas Federações e nos Centros Espíritas, à semelhança do que se faz nos catecismos das igrejas; 2°) como um processo de formação universal das novas gerações para o mundo novo que o Espiritismo está fazendo surgir na Terra.
O primeiro sentido da expressão Educação Espírita contrasta de tal maneira com o segundo que parece ser muito inferior, negativo, ligado ainda às fases do religiosismo dogmático que o Espiritismo superou. Mas na verdade não o é. A educação familial corresponde a uma fase natural do processo educacional. A educação institucional é simples desenvolvimento daquela. Dessa maneira, a Educação Espírita dada no lar e nos Centros é válida e pertence, de direito e de fato, ao processo natural da Educação Social. O que é negativo, obscurantista, retrógrado, é querer-se reduzir a Educação Espírita a esse aspecto inicial do processo.
Em todas as sociedades humanas existe uma cultura que deve ser transmitida às novas gerações. Essa cultura tem vários aspectos, várias diversificações correspondentes a grupos culturais determinados por fatores sociais, raciais, religiosos e assim por diante. A transmissão da cultura se realiza em dois planos: o da tradição coletiva e o da tradição grupal. No plano da tradição coletiva a Educação Geral é a mesma para todos. No plano da tradição grupal existe a especificidade, a posição social, ética ou religiosa que deve inserir-se na tradição coletiva sem deixar-se absorver por ela.
Foi esse problema que suscitou entre nós, há alguns anos, os debates sobre, escola pública e escola particular, resultando numa solução parcial com a reintrodução do ensino religioso nas escolas. Os espíritas, em geral contrários a essa introdução, tiveram de participar da luta para salvaguardar a formação espiritual de seus filhos. Mas a posição espírita ficou bem clara no manifesto da Associação Espírita de Defesa da Escola Pública, onde se declarou que o ideal seria a introdução do ensino religioso nas escolas sem sectarismo, incluindo-se a Religião nos currículos como matéria de ensino geral, ou seja, encarando-se a Religião como matéria de cultura geral, à semelhança do que se faz com a Ciência e a Filosofia.
Essa proposição espírita não foi aceita porque vivemos ainda no império das seitas salvacionistas. Cada uma dessas seitas arroga-se a posse exclusiva da verdade religiosa e pretende salvar a todos como via única da salvação. Mas os tempos estão mudando rapidamente e não nos parece longe o dia em que a Religião será reconhecida como disciplina escolar, livre dos preconceitos sectários. Então a Educação Leiga desaparecerá para dar lugar a um tipo de educação em que a Religião terá o seu lugar como disciplina cultural. Por outro lado, a Ciência e a Filosofia não sofrerão mais as deturpações e desfigurações produzidas pelo ensino sectário, que não pode tolerar contradições aos seus infalíveis dogmas de fé.
Pode-se então perguntar por que não esperamos pacientemente essa época ao invés de lutar pela Educação Espírita. A resposta não será dada por nós, mas pelos fatos. A Educação Espírita surgiu como um fato social produzido pelas transformações que se operam na consciência contemporânea. Os progressos culturais, tendo como base o avanço das Ciências e o desenvolvimento das Técnicas, que revolucionam as estruturas sociais e subvertem a ordem moral, criaram novas exigências na consciência coletiva. Os espíritas, que esposam uma doutrina de vanguarda, anunciadora dos novos tempos, sentiram a insuficiência dos dois tipos de educação que se acomodaram artificialmente nas escolas atuais: a Educação Leiga e a Educação Sectária. Por isso começaram a fundar escolas espíritas, escolas próprias em que seus filhos poderiam receber uma educação adequada, pois a Religião Espírita, ao invés de contradizer a Educação Leiga, de natureza científica e técnica, harmonizasse com ela e a complementa.
A prova de que as escolas espíritas surgiram atendendo às exigências de uma nova fase histórica está na espontaneidade do seu aparecimento. Os fundadores dessas escolas agiram levados pelas circunstâncias. Sentiam nas escolas oficiais e mesmo nas particulares a pressão de dois lados sobre a mentalidade em formação de seus filhos. De um lado a pressão dos ensinos materialistas e de outro a pressão do ensino sectário. As crianças e os jovens que reagiam a essas pressões eram e são colocados em situação marginal perante professores e colegas. Levados por essa pressão social os fundadores não pensaram, em geral, numa revolução educacional e cultural. Mas os fatos aí estão: centenas de escolas espíritas, de todos os graus de ensino, funcionam hoje no Brasil e em vários países da América.
Ao mesmo tempo em que isso se pairava no plano da prática, a cultura espírita se desenvolvia nas instituições doutrinárias. A bibliografia espírita brasileira cresceu aceleradamente nos últimos anos. A procura de livros espíritas pelo povo intensificou-se, dando motivo ao aparecimento de numerosas editoras doutrinárias.
Surgiram os Institutos de Cultura Espírita, os clubes de leitura, as Mocidades Espíritas, as associações de Medicina e Espiritismo, os cursos regulares de Espiritismo nas Federações e nos Centros. A imprensa, o rádio e a televisão interessaram-se pelos problemas espíritas. Chico Xavier foi arrancado por essa onda cultural do seu retiro mediúnico e lançado ante às câmaras de televisão, às páginas de jornais e revistas, às homenagens oficiais nas Assembleias Legislativas. Os livros espíritas abandonaram o seu feitio gráfico antiquado, canhestro, modernizaram-se e dinamizaram-se em sua apresentação e em seu conteúdo.
Tudo isso e muito mais, que seria longo enumerar, revelou a capacidade expansiva dos princípios espíritas e o seu poder de renovação da cultura em conflito dos nossos dias. Então se tornou clara, evidente, a necessidade da Pedagogia Espírita para orientar o sistema escolar em desenvolvimento e balizar os rumos da transformação cultural que se processa em ritmo acelerado. E todos viram — com exceção apenas dos cegos que não querem ver (os piores cegos) — que a Civilização Espírita está nascendo no Brasil com ímpeto indomável. Nem o ensino leigo nem o ensino sectário tem condições para enfrentar os novos tempos. A união dos dois é um arranjo incômodo, pois ambos se contradizem, se prejudicam e acabam desvirtuando nesse conflito interno a finalidade mesma da Educação e da Escola. Só uma doutrina se apresenta como capaz de atender às exigências dos novos tempos: a Doutrina Espírita em sua forma de síntese cultural, com perspectivas cósmicas e imortalistas na interpretação do homem e do mundo. Só uma educação corresponde às exigências da era cósmica: a Educação Espírita.
Como se vê, a espontaneidade é inegável em todo esse quadro que apenas esboçamos em linhas gerais. Não houve uma organização poderosa dirigindo esse processo. Não existe uma Igreja Espírita com a tradicional estrutura orgânica e hierárquica, determinando isto ou aquilo. Mais de trinta Hospitais Psiquiátricos Espíritas só no Estado de São Paulo, mais de cem escolas que vão do pré-primário até o grau universitário de ensino, milhares de Centros e Grupos Espíritas, centenas de jornais e revistas, milhões de livros editados em escala crescente — e tudo isso partindo do esforço isolado de grupos de pessoas que tudo sacrificam, desde as comodidades pessoais até às economias familiares, no anseio de construir uma nova civilização, na maioria das vezes sem terem sequer a consciência desse anseio.
Onde os futurólogos, os profetas do cálculo, os magos dos computadores eletrônicos, que não são capazes de ver com seus próprios olhos o futuro nascendo em terras do Brasil e da América? E que estranha cegueira atinge os espíritas que ainda perguntam: “Por que Educação Espírita? Pode haver uma Pedagogia Espírita?”
A Pedagogia é o acabamento de toda Filosofia. A Pedagogia orienta o desenvolvimento eficiente de toda Educação. A mundividência ou cosmovisão, essa visão do homem e do mundo que é a essência de toda Filosofia, só pode transmitir-se de geração a geração através da Educação. A Educação Espírita é a forja da Cultura e, portanto, da Civilização Espírita que vem completar na Terra a incipiente e contraditória Civilização Cristã dos nossos dias. Quem poderá negar isso diante da evidência dos fatos? Quem pretenderá combater, dentro do movimento espírita, esse impulso irresistível para um mundo melhor que brota das entranhas da Doutrina Espírita?
Os que não têm olhos de ver continuarão fechados em sua concepção estreita e sectária do Espiritismo. Oremos por eles. Mas os que têm os olhos abertos para a realidade palpitante que se abre diante de todos nós, os que vivem este momento de transição em sua plenitude, esses jamais cruzarão suas armas na batalha sem tréguas pelo futuro, que é a batalha da Educação Espírita.
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