PENTATEUCO KARDEQUIANO

PENTATEUCO  KARDEQUIANO
OBRAS BÁSICAS

quarta-feira, junho 03, 2015

A PEDAGOGIA ESPÍRITA – J. HERCULANO PIRES

A Pedagogia Espírita já existe. Está, por assim dizer, entranhada nos princípios doutrinários. Por isso mesmo não está sistematizada. Assim também aconteceu com a Pedagogia Cristã. Entranhada nos Evangelhos, inspirou a criação das primeiras escolas cristãs e a elaboração dos primeiros manuais educativos do Cristianismo. Mais tarde, desenvolvido o Cristianismo, surgiram as sistematizações da Pedagogia Cristã, que se opunham ao esteticismo pagão da Pedagogia Grega e às finalidades pragmáticas da Pedagogia Romana. O que é preciso que se compreenda, antes de encarar o problema em si da Pedagogia Espírita, é o processo histórico da renovação da Cultura através de ciclos culturais que caracterizam as fases sucessivas da evolução humana. No período acima temos um exemplo dessa sucessão. A Cultura Greco Romana havia atingido os limites do seu desenvolvimento. Suas grandes religiões mitológicas fundiam-se numa só. Mas já não correspondiam às exigências da época. Gregos e romanos estavam saturados das lendas mitológicas e buscavam a verdade oculta atrás desse véu de fabulações. Foi então que surgiu o Cristianismo. Não podemos esquecer que ao lado da Cultura Greco Romana havia a Cultura Judaica, uma cultura teológica que se fundava na ideia do Deus Único, inaugurando o monoteísmo no mundo politeísta de então. Mas, pela própria necessidade de sobrevivência, essa cultura se fechava num exclusivismo absoluto. Faltava ao Judaísmo a compreensão de Deus em sentido universal. Os judeus eram os puros, os outros eram impuros, como gregos e romanos eram civilizados e os outros povos eram bárbaros. Não era possível universalizar a rígida religião judaica, apegada ao chão e à carne, presa pela tradição milenar aos ancestrais judeus e sua aliança particular com Deus, o terrível e ciumento Jeová das matanças coletivas. O Cristianismo, nascendo das próprias entranhas do Judaísmo, rompeu a estrutura sociocêntrica da cultura judaica e abriu-se para o mundo através do conceito renovador da fraternidade humana. Jesus substituiu o Jeová hebraico pelo Pai universal. Deus deixava de ser judeu para se universalizar. Era o pai de todas as criaturas, de todos os homens, de todos os povos e de todas as raças. A Educação Judaica não podia servir a essa ideia absurda, revolucionária, como não o podiam as formas da Educação Grega e da Educação Romana. Os cristãos, na proporção em que o Cristianismo se expandia, foram sentindo a necessidade de criar o seu próprio sistema educacional. Não era possível submeter a nova cultura espiritual às restrições mitológicas de gregos e romanos ou às exigências rituais dos judeus. As escolas cristãs surgiram como surgiriam mais tarde as escolas espíritas — por uma exigência natural da nova situação pelos princípios cristãos. Começaram timidamente e logo surgiram os atritos com as autoridades romanas. Como poderiam os professores cristãos ensinar as lendas mitológicas? Mais tarde, Juliano, o apóstata inverteria os termos dessa situação, mandando cassar o direito de lecionar aos professores cristãos, sob o pretexto de que não seriam sinceros ao se referirem aos mitos da religião oficial do Império. Esse episódio nos mostra a importância política da Educação, por suas consequências na formação cultural do povo. Com o correr do tempo, a Pedagogia Cristã superou as antecessoras clássicas. Mas na proporção em que os mitos foram de novo invadindo a Cultura Cristã e as igrejas se afundavam na política e se paganizavam, a Pedagogia Cristã se diluiu em numerosas formas pedagógicas, correspondentes a diversas ordens religiosas. Hoje não temos uma Pedagogia Cristã no sentido geral, mas diversas Pedagogias adstritas a diversas Ordens. Com a Reforma, surgiram as Pedagogias do Protestantismo. Esse episódio mostra como as diferenciações culturais exigem também elaborações pedagógicas específicas. O desenvolvimento da Cultura Espírita nos acena com a mesma possibilidade. As diferenciações culturais são inevitáveis no desenvolvimento das várias culturas, e quanto maior a expansão da cultura, tanto maior será o número de diferenciações que podem ocorrer. Por outro lado, a evolução da Cultura Espírita poderá e deverá mesmo abrir novas perspectivas educacionais. Essa a razão por que, no título deste trabalho, usamos o recurso a (e uma) Pedagogia Espírita. Existe a Pedagogia Espírita na própria estrutura da Doutrina, mas qualquer sistematização que fizermos não será “a”, mas “uma” Pedagogia Espírita, sujeita a revisões futuras. E poderão surgir no futuro tantas Pedagogias Espíritas quantas se fizerem necessárias, de acordo com as diferenciações culturais que ocorrerem em diversos países. A unidade desses sistemas, entretanto, será garantida pelo modelo inicial e fundamental que permanece nos princípios essenciais da Doutrina. Uma Pedagogia só será espírita se estiver fundada nesses princípios. Kilpatrick sustenta que uma doutrina da Educação só pode ser pessoal e subjetiva. Isso porque a unidade da doutrina exige a elaboração pessoal e cada educador tem as suas concepções ou posições próprias na interpretação dos fatos e dos resultados das pesquisas e experiências. E o mesmo que se dá no campo filosófico, onde os filósofos de uma mesma corrente divergem entre si sobre vários pontos, embora permaneçam unidos pela filiação única a uma visão geral do homem e do mundo. Estamos em face da lei da unidade na diversidade. Não se trata de um fenômeno específico do processo pedagógico ou filosófico, pois nas Ciências e em todas as demais atividades humanas ocorre o mesmo. Cada criatura humana é uma consciência pessoal, não obstante a consciência humana seja a mesma em seus fundamentos. Essa diversidade caracteriza a riqueza e a dinâmica da vida. Se quiséssemos esquematizar o pensamento, encerrá-lo em padrões definitivos, estagnaríamos a vida, impediríamos o progresso e sufocaríamos o espírito. Mas as esquematizações progressivas são necessárias, como instrumentos temporais de trabalho, de aplicação dos princípios, na medida do possível, à realidade concreta do momento em que vivemos. Por isso a elaboração da Pedagogia Espírita é uma necessidade urgente para a orientação do processo pedagógico nas escolas espíritas, que já são uma realidade social e cultural concreta. As escolas espíritas sentem essa necessidade e é de urgência a realização de estudos, de pesquisas, de experiências — e sobretudo de cursos intensivos de Pedagogia no meio espírita — para que possam surgir os pedagogos espíritas, devidamente aparelhados com os instrumentos da cultura atual e com as sugestões doutrinárias, que deverão transformar em novos instrumentos culturais no campo do ensino e da educação. Para atender a essa necessidade premente é que foi publicada a Revista Educação Espírita e que mantemos o Grupo Espírita de Estudos Pedagógicos, em São Paulo. Infelizmente a falta de cultura pedagógica em nosso país vem frustrando essas intenções. Sem uma compreensão exata da situação presente e um interesse vivo dos professores de todos os graus de ensino pela cultura pedagógica, o esforço de publicação da referida revista estará ameaçado de frustração. Mas o pior é que essa frustração redundará na anulação do esforço de todos os que instalaram escolas espíritas no país. Essas escolas, sem a orientação pedagógica necessária, jamais serão realmente espíritas. E isso que os diretores de escolas espíritas precisam compreender com urgência, estimulando os professores à compreensão do problema e à luta contra a preguiça mental que os leva a ignorar a existência de uma revista especializada em Educação e Pedagogia no meio espírita. Por outro lado, as instituições espíritas, responsáveis pelo movimento doutrinário, precisam acordar do seu sono mediúnico, de tipo sonambúlico, convocando e promovendo reuniões de estudos e debates sobre Educação e Pedagogia espíritas, em forma de seminários e simpósios. Os congressos devem ficar para mais tarde. A revista Educação Espírita servirá de termômetro para a convocação dos congressos na hora oportuna. Os resultados dos seminários e simpósios deverão ser publicados na revista para estimular outras realizações semelhantes e para dar ao meio espírita a medida concreta da preparação atingida pelos professores espíritas que deverão participar dos congressos. De nada adiantará mantermos escolas espíritas de todos os graus, e até mesmo criarmos uma Universidade Espírita, se todas essas escolas nada mais tiverem de espírita além do nome. Os rótulos nada significam se o vidro estiver vazio, se o recipiente não possuir conteúdo. Não podemos crer que professores espíritas continuem ignorantes das distinções entre Educação e Pedagogia, e mais ainda, que continuem a confundir Pedagogia com métodos pedagógicos. Essa é, realmente, uma situação cultural desastrosa e inteiramente negativa. Nessa desoladora ignorância não estaremos em condições de enfrentar as tarefas culturais que o Espiritismo exige de todos nós. Referida revista procurou suprir a falta de cursos, de seminários e simpósios, publicando farto material instrutivo em seus números desde 1970. Mas se esse material não for consultado, lido e meditado pelos professores espíritas, não poderá produzir nenhum efeito. Por outro lado é necessário lembrar que as escolas espíritas têm permanecido alheias a esse esforço. Nenhuma escola se interessou até agora pela aquisição dos exemplares já publicados. Sabemos que não é por desprezarem o esforço coletivo do pequeno grupo de professores que vêm sustentando a chama apesar dos pesares. Ninguém despreza o que não conhece. O que tem havido é desinteresse pelo problema. Mas como justificar esse desinteresse quando Educação Espírita permanece aberta a todos, solicitando colaborações e informações que não recebe de ninguém? Os poucos trabalhos publicados foram solicitados insistentemente pelo editor. Se não há interesse na publicação de relatórios de pesquisas, de estudos particulares, de dados sobre o movimento escolar e assim por diante, como poderemos movimentar o meio espírita e dinamizar o seu interesse pelas escolas espíritas?

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