LUZ ACIMA
PSICOGRAFIA DE FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER
PELO ESPÍRITO IRMÃO X
CAPÍTULO 36
NAS HESITAÇÕES DE PEDRO
Logo depois de
se estabelecerem os apóstolos em Jerusalém, em seguida às revelações do
Pentecostes, ia o serviço de assistência social maravilhosamente organizado,
não obstante as perseguições que se esboçavam, quando a casa acolhedora,
dirigida por Simão Pedro, foi procurada por infeliz mulher. Trazia consigo
todos os estigmas das pecadoras. Fora lapidada e exibia manchas sanguinolentas na
roupa em frangalhos. Pronunciava palavras torpes. Revelava-se semilouca e
doente.
As senhoras do
reduto cristão retraíram-se, alarmadas. E o próprio Pedro, que recebera
preciosas lições do Senhor, vacilou quanto à atitude que lhe seria adequada.
Como haver-se
nas circunstâncias? Destinava-se aquele abrigo ao recolhimento de criaturas
desventuradas; entretanto, como classificar a triste posição daquela mulher
que, naturalmente, buscara o vaso da angústia nos excessivos gozos da vida?
Não estaria a
sofredora resgatando os próprios débitos? Se bebera com loucura na taça dos
prazeres, não lhe caberia o fel da aflição?
Dispunha-se a
rogar-lhe que se afastasse do asilo, quando recordou a necessidade de orar. Se
o caso era omisso nas disposições que regiam o instituto fraterno, tornava-se
imperioso consultar a inspiração do Messias.
O Mestre lhe
ditaria o recurso. Buscar-lhe-ia, por isso, o conselho na prece ardente.
Enquanto a
infortunada aguardava resposta, sob o apupo de pequena multidão que lhe
contemplava as feridas, o Apóstolo buscou a solidão do santuário doméstico e
exorou a proteção do Amigo divino, que fora crucificado.
Em breves
instantes, viu Jesus, nimbado de claridade resplandecente, não longe de suas
mãos, que se estenderam suplicantes.
— Mestre — rogou
Pedro, atacando diretamente o assunto, como quem sabia da brevidade daqueles
momentos inesquecíveis
—, temos à
entrada uma pecadora, reconhecidamente entregue ao mal! Ajuda-me,
inspira-me!... que farei?!...
O Salvador
entreabriu os lábios sublimes e falou:
— Pedro, eu não
vim curar os sãos...
O discípulo
entendeu a referência, mas, ponderando a grave responsabilidade de quem
administra, acentuou:
— Senhor,
estamos agora sem tua orientação direta e visível.
Recebê-la-emos
neste lar, para quê? A fim de julgá-la?
Com o mesmo
olhar sereno, Jesus replicou:
— Nesse mister
permanecem na Terra numerosos juízes.
— Para fazer-lhe
sentir a extensão dos erros? — indagou
Simão, em
lágrimas.
— Para
conferir-lhe a noção do padecimento em que se mergulhou por si mesma?
— Também não. Em
tarefa ingrata como essa, vivem aqueles que a exploram, dando-lhe fome e sede,
pranto e aflição...
— Para dizer-lhe
das penas que a esperam neste e no “outro mundo”?
— Ainda não.
Nesse labor terrível respiram os Espíritos acusadores, que não hesitam na
condenação em nome do Pai,
olvidando as
próprias faltas...
O ex-pescador de
Cafarnaum, então, chorou, súplice, porque no íntimo desejava conformar-se com
os ditames da justiça, exemplificando, simultaneamente, com o amor que o Cristo
lhe havia legado. Arquejava, soluçante, ignorando como prosseguir nas
indagações, mas Jesus dele se acercou, iluminado e benevolente...
Enxugou-lhe as
lágrimas que corriam abundantes e esclareceu:
— Pedro, para
ferir e amaldiçoar, sentenciar e punir, a cidade e o campo estão cheios de maus
servidores. Nosso ministério ultrapassa a própria justiça. O Evangelho, para
ser realizado, reclama o concurso de quem ampara e educa, edifica e salva,
consola e
renuncia, ama e perdoa... Abre acesso à nossa irmã transviada e auxilia-a no
reerguimento. Não a precipites em despenhadeiros mais fundos... Arranca-a da
morte e traze-a para a vida... Não te esqueças de que somos portadores da Boa
Nova da salvação!...
Logo após,
entrou em silêncio, diluindo-se-lhe a figura irradiante na claridade
evanescente da hora vespertina...
O Apóstolo
levantou-se, deu alguns passos, atravessou extensa fileira de irmãos
espantados, abriu, de manso, a porta e dirigiu-se à mulher, acolhedor:
— Entre, a casa
é sua!
— Quem sois? —
interrogou a infeliz, assombrada.
— Eu? — falou
Pedro, com os olhos empapuçados de chorar.
E concluiu:
— Sou seu irmão.
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