Cristianismo
e espiritismo
Léon
Denis
Federação
Espírita Brasileira – 17ª edição
Trecho do VII – Os
dogmas (continuação)
Os
sacramentos, o culto
“Só há um Deus” — diz Paulo72 — “e um só mediador73 entre Deus e os homens, que é Jesus
Cristo, homem”.
Mediador, isto é, intermediário,
médium incomparável, traço de união que liga a Humanidade a Deus, eis o que é
Jesus! Mediador e não redentor, porque a ideia de redenção não suporta exame. É
contrária à Justiça divina; é contrária à ordem majestosa do Universo. Entre os
mundos que rolam no espaço, a Terra não é o único lugar de dor. Outras
estâncias há de sofrimento, em que as almas, cativas na matéria, aprendem, como
aqui, a dominar seus vícios e adquirir qualidades que lhes permitirão o acesso
a
mundos mais
felizes.
Se o sacrifício de Jesus fosse
necessário para salvar a Humanidade terrestre, Deus deveria o mesmo socorro a
outras Humanidades desgraçadas.
Sendo, porém,
ilimitado o número dos mundos inferiores em que dominam as paixões materiais, o
filho de Deus seria, por isso mesmo, condenado a sofrimentos e sacrifícios
infinitos. É inadmissível semelhante hipótese.
Com o seu sacrifício, dizem outros
teólogos, Jesus “venceu o pecado e a morte, porque a morte é o salário do
pecado e uma tremenda desordem na Criação”.74
Entretanto, morre-se depois da vinda
de Jesus, como antes dele se morria. A morte, considerada por certos cristãos
como consequência do pecado e punição do ser, é, todavia, uma lei natural e uma
transformação necessária ao progresso e elevação da alma. Não pode ser elemento
de desordem no Universo. Julgá-la por esse modo não é insurgir-se contra a Divina
Sabedoria?
É assim que, partindo de um ponto de
vista errôneo, os homens da Igreja chegam às mais estranhas concepções. Quando
afirmam que, por sua morte, Jesus se ofereceu a Deus em holocausto, para o
resgate da Humanidade, não equivale isso a dizer, na opinião dos que creem na divindade
do Cristo, que se ofereceu a si mesmo? E do que terá ele resgatado os homens?
Não é das penas do inferno, pois que todos os dias nos repetem que os
indivíduos que morrem em estado de pecado mortal são condenados às penas
eternas.
A palavra pecado não exprime, em si
mesma, senão uma ideia confusa.
A violação da
lei acarreta a cada ser um amesquinhamento moral, uma reação da consciência,
que é uma causa de sofrimento íntimo e uma diminuição das percepções animais.
Assim, o ser pune-se a si mesmo. Deus não intervém, porque Deus é infinito;
nenhum ser seria capaz de lhe produzir o menor mal.
Se o sacrifício de Jesus resgatou os
homens do pecado, porque, então, inda os batizam? Essa redenção, em todo caso,
não se pode estender senão unicamente aos cristãos, aos que têm conhecido e
aceitado a doutrina do Nazareno. Teria ela, pois, excluído da sua esfera de
ação a maior parte da Humanidade? Existem ainda hoje na Terra milhares, milhões
de homens que vivem fora das igrejas cristãs, na ignorância das suas leis,
privados desse ensino, sem cuja observância, dizem, “não há salvação”. Que
pensar de
opiniões tão opostas aos verdadeiros princípios de amor e justiça que regem os
mundos?
Não, a missão do Cristo não era
resgatar com o seu sangue os crimes da Humanidade. O sangue, mesmo de um Deus,
não seria capaz de resgatar ninguém. Cada qual deve resgatar-se a si mesmo,
resgatar-se da ignorância e do mal. Nada de exterior a nós poderia fazê-lo. É o
que os Espíritos, aos milhares, afirmam em todos os pontos do mundo. Das esferas
de luz, onde tudo é serenidade e paz, desceu o Cristo às nossasobscuras e
tormentosas regiões, para mostrar-nos o caminho que conduz a Deus: tal o seu
sacrifício. A efusão de amor em que envolve os homens, sua identificação com
eles, nas alegrias como nos sofrimentos, constituem a redenção que nos oferece
e que somos livres de aceitar. Outros, antes dele, haviam induzido os povos ao
caminho do bem e da verdade. Nenhum o fizera com a singular doçura, com a
ternura penetrante que caracteriza o ensino de Jesus. Nenhum soube, como Ele,
ensinar a amar as virtudes modestas e escondidas. Nisso reside o poder, a
grandeza moral do Evangelho, o elemento vital do Cristianismo, que sucumbe ao peso
dos estranhos dogmas de que o cumularam.
73
Essa
expressão mediador é,
além disso, aplicada três vezes a Jesus pelo autor da Epístola aos Hebreus.
74
De
Pressensé, Jesus Cristo, seu tempo, sua vida, sua obra, p. 654. Encontra-se essa opinião em muitos
autores católicos.
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