PENTATEUCO KARDEQUIANO

PENTATEUCO  KARDEQUIANO
OBRAS BÁSICAS

sábado, janeiro 18, 2014

O problema do ser, da destino e da dor - Introdução - 1ª PARTE


O problema do ser, da destino e da dor
 Léon Denis
Federação Espírita Brasileira  –  32ª edição
Introdução

Uma dolorosa observação surpreende o pensador no ocaso da vida.
Resulta também, mais pungente, das impressões sentidas em seu giro pelo espaço. Reconhece ele então que, se o ensino ministrado pelas instituições humanas, em geral — religiões, escolas, universidades —, nos faz conhecer muitas coisas supérfluas, em compensação quase nada ensina do que mais precisamos conhecer para encaminhamento da existência terrestre e preparação para o Além.
Aqueles a quem incumbe a alta missão de esclarecer e guiar a alma humana parecem ignorar a sua natureza e os seus verdadeiros destinos.
Nos meios universitários reina ainda completa incerteza sobre a solução do mais importante problema com que o homem jamais se defronta em sua passagem pela Terra. Essa incerteza se reflete em todo o ensino. A maior parte dos professores e pedagogos afasta sistematicamente de suas lições tudo que se refere ao problema da vida, às questões de termo e finalidade...
A mesma impotência encontramos no padre. Por suas afirmações despidas de provas, apenas consegue comunicar às almas que lhe estão confiadas uma crença que já não corresponde às regras duma crítica sã nem às exigências da razão.
Com efeito, na Universidade, como na Igreja, a alma moderna não encontra senão obscuridade e contradição em tudo quanto respeita ao problema de sua natureza e de seu futuro. É a esse estado de coisas que se deve atribuir, em grande parte, os males de nossa época, a incoerência das ideias, a desordem das consciências, a anarquia moral e social.
A educação que se dá às gerações é complicada, mas não lhes esclarece o caminho da vida; não lhes dá a têmpera necessária para as lutas da existência. O ensino clássico pode guiar no cultivo, no ornamento da inteligência; não inspira, entretanto, a ação, o amor, a dedicação.
Ainda menos obtém se faça uma concepção da vida e do destino que desenvolva as energias profundas do eu e nos oriente os impulsos e os esforços para um fim elevado. Essa concepção, no entanto, é indispensável a todo ser, a toda sociedade, porque é o sustentáculo, a consolação suprema nas horas difíceis, a origem das virtudes másculas e das altas inspirações.
Carl du Prel refere o fato seguinte:1
            Um amigo meu, professor da Universidade, passou pela dor de perder a filha,
             o que lhe reavivou o problema da imortalidade. Dirigiu-se aos colegas, professores
            de Filosofia, esperando achar consolações em suas respostas. Amarga
            decepção: pedira um pão, ofereciam-lhe uma pedra; procurava uma afirmação,
            respondiam-lhe com um talvez!
Francisque Sarcey,2 modelo completo do professor da Universidade, escrevia:3 “Estou na Terra. Ignoro absolutamente como aqui vim ter e como aqui fui lançado. Não ignoro menos como daqui sairei e o que de mim será quando daqui sair”.
Ninguém o confessaria mais francamente: a filosofia da escola, depois de tantos séculos de estudo e de labor, é ainda uma doutrina sem luz, sem calor, sem vida.4 A alma de nossos filhos, sacudida entre sistemas diversos e contraditórios — o positivismo de Auguste Comte, o naturalismo de Hegel, o materialismo de Stuart Mill, o ecletismo de Cousin, etc. —, flutua incerta, sem ideal, sem fim preciso.
Daí o desânimo precoce e o pessimismo dissolvente, moléstias das sociedades decadentes, ameaças terríveis para o futuro, a que se junta o ceticismo amargo e zombeteiro de tantos moços da nossa época; em nada mais creem do que na riqueza, nada mais honram que o êxito.
O eminente professor Raoul Pictet assinala esse estado de espírito na introdução da sua última obra sobre as ciências psíquicas.5 Fala ele do efeito desastroso produzido pelas teorias materialistas na mentalidade de seus alunos, e conclui assim:
            Esses pobres moços admitem que tudo quanto se passa no mundo é efeito
            necessário e fatal de condições primárias, em que a vontade não intervém;
           consideram que a própria existência é, forçosamente, joguete da fatalidade
           inelutável, à qual estão entregues de pés e mãos ligados.
           Esses moços cessam de lutar logo às primeiras dificuldades. Já não creem em
           si mesmos. Tornam-se túmulos vivos, onde se encerram, promiscuamente,
           suas esperanças, seus esforços, seus desejos, fossa comum de tudo o que lhes fez
           bater o coração até ao dia do envenenamento. Tenho visto desses cadáveres
           diante de suas carteiras e no laboratório, e tem-me causado pena vê-los.
Tudo isso não é aplicável somente a uma parte da nossa juventude, mas também a muitos homens do nosso tempo e da nossa geração, nos quais se pode verificar uma espécie de lassidão moral e de abatimento.
Friedrich Myers o reconhece, igualmente: “Há”, diz ele,6 “como que uma inquietação, um descontentamento, uma falta de confiança no verdadeiro valor da vida. O pessimismo é a doença moral do nosso tempo”.
As teorias de além-Reno, as doutrinas de Nietzsche, de Schopenhauer, de Haeckel, etc., muito contribuíram, por sua parte, para determinar esse estado de coisas. Sua influência por toda parte se derrama. Deve-se-lhes atribuir, em grande parte, esse lento trabalho, obra obscura de ceticismo e de desânimo, que se desenvolve na alma contemporânea, essa desagregação de tudo que fortificava a alegria, a confiança no futuro, as qualidades viris de nossa raça.7
É tempo de reagir com vigor contra essas doutrinas funestas, e de procurar, fora da órbita oficial e das velhas crenças, novos métodos de ensino que correspondam às imperiosas necessidades da hora presente. É preciso dispor os Espíritos para os reclamos, os combates da vida presente e das vidas ulteriores; é necessário, sobretudo, ensinar o ser humano a conhecer-se, a desenvolver, sob o ponto de vista dos seus fins, as forças latentes que nele dormem.
Até aqui, o pensamento confinava-se em círculos estreitos: religiões, escolas, ou sistemas, que se excluem e combatem reciprocamente. Daí essa divisão profunda dos espíritos, essas correntes violentas e contrárias, que perturbam e confundem o meio social.
Aprendamos a sair destes círculos austeros e a dar livre expansão ao pensamento. Cada sistema contém uma parte de verdade; nenhum contém a realidade inteira.
O Universo e a vida têm aspectos muito variados, numerosos demais para que um sistema possa abraçar a todos. Destas concepções disparatadas, devem recolher-se os fragmentos de verdade que contêm, aproximando-os e pondo-os de acordo; é necessário, depois, uni-los aos novos e múltiplos aspectos da verdade que descobrirmos todos os dias, e encaminhar-nos para a unidade majestosa e para a harmonia do pensamento.
A crise moral e a decadência da nossa época provêm, em grande parte, de se ter o espírito humano imobilizado durante muito tempo. É necessário arrancá-lo à inércia, às rotinas seculares, levá-lo às grandes altitudes, sem perder de vista as bases sólidas que lhe vêm oferecer uma ciência engrandecida e renovada. Esta ciência de amanhã, trabalhamosEla nos fornecerá o critério indispensável, os meios de verificação e de comparação, sem os quais o pensamento, entregue a si mesmo, estará sempre em risco de desvairar.
* * *
A perturbação e a incerteza que verificamos no ensino repercutem e se encontram, dizíamos, na ordem social inteira.
Em toda parte, dentro como fora, a crise existe, inquietante. Sob a superfície brilhante de uma civilização apurada, esconde-se um mal-estar profundo. A irritação cresce nas classes sociais. O conflito dos interesses e a luta pela vida tornam-se, dia a dia, mais ásperos. O sentimento do dever se tem enfraquecido na consciência popular, a tal ponto, que muitos homens já não sabem onde está o dever. A lei do número, isto é, da força cega, domina mais do que nunca. Pérfidos retóricos dedicam-se a desencadear as paixões, os maus instintos da multidão, a propagar teorias nocivas, às vezes criminosas. Depois, quando a maré sobe e sopra o vento de tempestade, eles afastam de si toda a responsabilidade.
Onde está, pois, a explicação deste enigma, desta contradição notável entre as aspirações generosas de nosso tempo e a realidade brutal dos fatos?
Por que um regime que suscitara tantas esperanças ameaça chegar à anarquia, à ruptura de todo o equilíbrio social?
A inexorável lógica vai responder-nos: a democracia, radical ou socialista, em suas massas profundas e em seu espírito dirigente, inspirando-se nas doutrinas negativas, não podia chegar senão a um resultado negativo para a felicidade e elevação da Humanidade. Tal o ideal, tal o homem; tal a nação, tal o país!
As doutrinas negativas, em suas consequências extremas, levam fatalmente à anarquia, isto é, ao vácuo, ao nada social. A história humana já o tem experimentado dolorosamente.
Enquanto se tratou de destruir os restos do passado, de dar o último golpe nos privilégios que restavam, a democracia serviu-se habilmente de seus meios de ação. Mas, hoje, importa reconstruir a cidade do futuro, o edifício vasto e poderoso que deve abrigar o pensamento das gerações.
Diante dessas tarefas, as doutrinas negativas mostram sua insuficiência e revelam sua fragilidade; vemos os melhores operários debaterem-se em uma espécie de impotência material e moral.
Nenhuma obra humana pode ser grande e duradoura se não se inspirar, na teoria e na prática, em seus princípios e em suas explicações, nas leis eternas do Universo. Tudo o que é concebido e edificado fora das leis superiores se funda na areia e desmorona.
Ora, as doutrinas do socialismo atual têm uma tara capital. Querem impor uma regra em contradição com a Natureza e a verdadeira lei daHumanidade: o nível igualitário.
A evolução gradual e progressiva é a lei fundamental da Natureza e da vida. É a razão de ser do homem, a norma do Universo. Insurgir-se contra essa lei, substituir-lhe por outro o fim, seria tão insensato como querer parar o movimento da Terra ou o fluxo e o refluxo dos oceanos.
O lado mais fraco da doutrina socialista é a ignorância absoluta do homem, de seu princípio essencial, das leis que presidem ao seu destino. E quando se ignora o homem individual, como se poderia governar o homem social? A origem de todos os nossos males está em nossa falta de saber e em nossa inferioridade moral. Toda a sociedade permanecerá débil, impotente e dividida durante todo o tempo em que a desconfiança, a dúvida, o egoísmo, a inveja e o ódio a dominarem. Não se transforma uma sociedade por meio de leis. As leis e as instituições nada são sem os costumes, sem as crenças elevadas. Quaisquer que sejam a forma política e a legislação de um povo, se ele possui bons costumes e fortes convicções, será sempre mais feliz e poderoso do que outro povo de moralidade inferior.
Sendo uma sociedade a resultante das forças individuais, boas ou a inteligência e sobre a consciência dos indivíduos.




1 1 Carl du Prel — La Mort et l’Au-Delà, p. 7.
2 N.E.: François Sarcey de Suttières, célebre crítico literário e conferencista inspirado, era também conhecido
como Francisque Sarcey.
3 Petit Journal, crônica, 7 de março de 1894.
4 A propósito dos exames universitários, escrevia M. Ducros, deão da Faculdade de Aix, no Journal des
Débats, de 3 de maio de 1912:
“Parece que existe entre o discípulo e as coisas um como anteparo, não sei que nuvem de palavras aprendidas,
de fatos esparsos e opacos. É sobretudo em Filosofia que se experimenta essa penosa impressão”.                                                                   
 5 5 Étude Critique du Matérialisme et du Spiritisme par la Physique Expérimentale — Félix Alcan ed., 1896.                                                                 6 F. Myers — Human Personality.                                                                                                                                                                                 7 Estas linhas foram escritas antes da guerra de 1914-15. É preciso reconhecer que, no curso dessa luta gigantesca, a mocidade francesa demonstrou um heroísmo acima de todo elogio. Mas nisso em nada interveio a educação nacional. Devemos, pelo contrário, ver aí um acordar das qualidades étnicas que dormitavam no coração da raça.



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