O
problema do ser, da destino e da dor
Léon Denis
Federação
Espírita Brasileira – 32ª edição
Introdução
Uma dolorosa
observação surpreende o pensador no ocaso da vida.
Resulta também, mais
pungente, das impressões sentidas em seu giro pelo espaço. Reconhece ele então
que, se o ensino ministrado pelas instituições humanas, em geral — religiões,
escolas, universidades —, nos faz conhecer muitas coisas supérfluas, em
compensação quase nada ensina do que mais precisamos conhecer para
encaminhamento da existência terrestre e preparação para o Além.
Aqueles a quem
incumbe a alta missão de esclarecer e guiar a alma humana parecem ignorar a sua
natureza e os seus verdadeiros destinos.
Nos meios
universitários reina ainda completa incerteza sobre a solução do mais
importante problema com que o homem jamais se defronta em sua passagem pela
Terra. Essa incerteza se reflete em todo o ensino. A maior parte dos
professores e pedagogos afasta sistematicamente de suas lições tudo que se
refere ao problema da vida, às questões de termo e finalidade...
A mesma impotência
encontramos no padre. Por suas afirmações despidas de provas, apenas consegue
comunicar às almas que lhe estão confiadas uma crença que já não corresponde às
regras duma crítica sã nem às exigências da razão.
Com efeito, na
Universidade, como na Igreja, a alma moderna não encontra senão obscuridade e
contradição em tudo quanto respeita ao problema de sua natureza e de seu
futuro. É a esse estado de coisas que se deve atribuir, em grande parte, os
males de nossa época, a incoerência das ideias, a desordem das consciências, a
anarquia moral e social.
A educação que se dá às gerações
é complicada, mas não lhes esclarece o caminho da vida; não lhes dá a têmpera
necessária para as lutas da existência. O ensino clássico pode guiar no
cultivo, no ornamento da inteligência; não inspira, entretanto, a ação, o amor,
a dedicação.
Ainda menos obtém se faça uma
concepção da vida e do destino que desenvolva as energias profundas do eu e nos
oriente os impulsos e os esforços para um fim elevado. Essa concepção, no
entanto, é indispensável a todo ser, a toda sociedade, porque é o sustentáculo,
a consolação suprema nas horas difíceis, a origem das virtudes másculas e das
altas inspirações.
Carl du Prel refere o fato
seguinte:1
Um
amigo meu, professor da Universidade, passou pela dor de perder a filha,
o que lhe reavivou o problema da
imortalidade. Dirigiu-se aos colegas, professores
de Filosofia, esperando achar
consolações em suas respostas. Amarga
decepção: pedira um pão,
ofereciam-lhe uma pedra; procurava uma afirmação,
respondiam-lhe com um talvez!
Francisque Sarcey,2 modelo completo do professor da
Universidade, escrevia:3 “Estou
na Terra. Ignoro absolutamente como aqui vim ter e como aqui fui lançado. Não
ignoro menos como daqui sairei e o que de mim será quando daqui sair”.
Ninguém o confessaria mais
francamente: a filosofia da escola, depois de tantos séculos de estudo e de
labor, é ainda uma doutrina sem luz, sem calor, sem vida.4
A alma de nossos filhos, sacudida entre sistemas diversos e contraditórios — o
positivismo de Auguste Comte, o naturalismo de Hegel, o materialismo de Stuart
Mill, o ecletismo de Cousin, etc. —, flutua incerta, sem ideal, sem fim
preciso.
Daí o desânimo precoce e o
pessimismo dissolvente, moléstias das sociedades decadentes, ameaças terríveis
para o futuro, a que se junta o ceticismo amargo e zombeteiro de tantos moços
da nossa época; em nada mais creem do que na riqueza, nada mais honram que o
êxito.
O eminente professor Raoul Pictet
assinala esse estado de espírito na introdução da sua última obra sobre as
ciências psíquicas.5 Fala ele do efeito
desastroso produzido pelas teorias materialistas na mentalidade de seus alunos,
e conclui assim:
Esses
pobres moços admitem que tudo quanto se passa no mundo é efeito
necessário e fatal de condições
primárias, em que a vontade não intervém;
consideram que a própria existência
é, forçosamente, joguete da fatalidade
inelutável, à qual estão entregues
de pés e mãos ligados.
Esses moços cessam de lutar logo às
primeiras dificuldades. Já não creem em
si mesmos. Tornam-se túmulos vivos,
onde se encerram, promiscuamente,
suas esperanças, seus esforços, seus
desejos, fossa comum de tudo o que lhes fez
bater o coração até ao dia do
envenenamento. Tenho visto desses cadáveres
diante de suas carteiras e no
laboratório, e tem-me causado pena vê-los.
Tudo isso não é aplicável somente
a uma parte da nossa juventude, mas também a muitos homens do nosso tempo e da
nossa geração, nos quais se pode verificar uma espécie de lassidão moral e de
abatimento.
Friedrich Myers o reconhece,
igualmente: “Há”, diz ele,6 “como
que uma inquietação, um descontentamento, uma falta de confiança no verdadeiro valor
da vida. O pessimismo é a doença moral do nosso tempo”.
As teorias de além-Reno, as
doutrinas de Nietzsche, de Schopenhauer, de Haeckel, etc., muito contribuíram,
por sua parte, para determinar esse estado de coisas. Sua influência por toda
parte se derrama. Deve-se-lhes atribuir, em grande parte, esse lento trabalho,
obra obscura de ceticismo e de desânimo, que se desenvolve na alma
contemporânea, essa desagregação de tudo que fortificava a alegria, a confiança
no futuro, as qualidades viris de nossa raça.7
É tempo de reagir com vigor
contra essas doutrinas funestas, e de procurar, fora da órbita oficial e das
velhas crenças, novos métodos de ensino que correspondam às imperiosas
necessidades da hora presente. É preciso dispor os Espíritos para os reclamos,
os combates da vida presente e das vidas ulteriores; é necessário, sobretudo,
ensinar o ser humano a conhecer-se, a desenvolver, sob o ponto de vista dos
seus fins, as forças latentes que nele dormem.
Até aqui, o pensamento
confinava-se em círculos estreitos: religiões, escolas, ou sistemas, que se
excluem e combatem reciprocamente. Daí essa divisão profunda dos espíritos,
essas correntes violentas e contrárias, que perturbam e confundem o meio
social.
Aprendamos a sair destes círculos
austeros e a dar livre expansão ao pensamento. Cada sistema contém uma parte de
verdade; nenhum contém a realidade inteira.
O Universo e a vida têm aspectos
muito variados, numerosos demais para que um sistema possa abraçar a todos.
Destas concepções disparatadas, devem recolher-se os fragmentos de verdade que
contêm, aproximando-os e pondo-os de acordo; é necessário, depois, uni-los aos
novos e múltiplos aspectos da verdade que descobrirmos todos os dias, e encaminhar-nos
para a unidade majestosa e para a harmonia do pensamento.
A crise moral e a decadência da
nossa época provêm, em grande parte, de se ter o espírito humano imobilizado
durante muito tempo. É necessário arrancá-lo à inércia, às rotinas seculares,
levá-lo às grandes altitudes, sem perder de vista as bases sólidas que lhe vêm
oferecer uma ciência engrandecida e renovada. Esta ciência de amanhã,
trabalhamosEla nos fornecerá o critério indispensável, os meios de verificação
e de comparação, sem os quais o pensamento, entregue a si mesmo, estará sempre
em risco de desvairar.
* * *
A perturbação e a incerteza que
verificamos no ensino repercutem e se encontram, dizíamos, na ordem social
inteira.
Em toda parte, dentro como fora,
a crise existe, inquietante. Sob a superfície brilhante de uma civilização
apurada, esconde-se um mal-estar profundo. A irritação cresce nas classes
sociais. O conflito dos interesses e a luta pela vida tornam-se, dia a dia,
mais ásperos. O sentimento do dever se tem enfraquecido na consciência popular,
a tal ponto, que muitos homens já não sabem onde está o dever. A lei do número,
isto é, da força cega, domina mais do que nunca. Pérfidos retóricos dedicam-se
a desencadear as paixões, os maus instintos da multidão, a propagar teorias
nocivas, às vezes criminosas. Depois, quando a maré sobe e sopra o vento de
tempestade, eles afastam de si toda a responsabilidade.
Onde está, pois, a explicação
deste enigma, desta contradição notável entre as aspirações generosas de nosso
tempo e a realidade brutal dos fatos?
Por que um regime que suscitara
tantas esperanças ameaça chegar à anarquia, à ruptura de todo o equilíbrio
social?
A inexorável lógica vai
responder-nos: a democracia, radical ou socialista, em suas massas profundas e
em seu espírito dirigente, inspirando-se nas doutrinas negativas, não podia
chegar senão a um resultado negativo para a felicidade e elevação da
Humanidade. Tal o ideal, tal o homem; tal a nação, tal o país!
As doutrinas negativas, em suas
consequências extremas, levam fatalmente à anarquia, isto é, ao vácuo, ao nada
social. A história humana já o tem experimentado dolorosamente.
Enquanto se tratou de destruir os
restos do passado, de dar o último golpe nos privilégios que restavam, a
democracia serviu-se habilmente de seus meios de ação. Mas, hoje, importa
reconstruir a cidade do futuro, o edifício vasto e poderoso que deve abrigar o
pensamento das gerações.
Diante dessas tarefas, as
doutrinas negativas mostram sua insuficiência e revelam sua fragilidade; vemos
os melhores operários debaterem-se em uma espécie de impotência material e
moral.
Nenhuma obra humana pode ser
grande e duradoura se não se inspirar, na teoria e na prática, em seus
princípios e em suas explicações, nas leis eternas do Universo. Tudo o que é
concebido e edificado fora das leis superiores se funda na areia e desmorona.
Ora, as doutrinas do socialismo
atual têm uma tara capital. Querem impor uma regra em contradição com a
Natureza e a verdadeira lei daHumanidade: o nível igualitário.
A evolução gradual e progressiva
é a lei fundamental da Natureza e da vida. É a razão de ser do homem, a norma
do Universo. Insurgir-se contra essa lei, substituir-lhe por outro o fim, seria
tão insensato como querer parar o movimento da Terra ou o fluxo e o refluxo dos
oceanos.
O lado mais fraco da doutrina
socialista é a ignorância absoluta do homem, de seu princípio essencial, das
leis que presidem ao seu destino. E quando se ignora o homem individual, como
se poderia governar o homem social? A origem de todos os nossos males está em
nossa falta de saber e em nossa inferioridade moral. Toda a sociedade
permanecerá débil, impotente e dividida durante todo o tempo em que a
desconfiança, a dúvida, o egoísmo, a inveja e o ódio a dominarem. Não se
transforma uma sociedade por meio de leis. As leis e as instituições nada são
sem os costumes, sem as crenças elevadas. Quaisquer que sejam a forma política
e a legislação de um povo, se ele possui bons costumes e fortes convicções,
será sempre mais feliz e poderoso do que outro povo de moralidade inferior.
Sendo uma sociedade a resultante
das forças individuais, boas ou a inteligência e sobre a consciência dos
indivíduos.
1
1 Carl
du Prel — La Mort et l’Au-Delà, p. 7.
2
N.E.: François Sarcey de Suttières,
célebre crítico literário e conferencista inspirado, era também conhecido
como
Francisque Sarcey.
3
Petit Journal, crônica, 7 de março de 1894.
4
A propósito dos exames universitários,
escrevia M. Ducros, deão da Faculdade de Aix, no Journal des
Débats, de 3 de maio de 1912:
“Parece
que existe entre o discípulo e as coisas um como anteparo, não sei que nuvem de
palavras aprendidas,
de fatos esparsos e opacos. É sobretudo
em Filosofia que se experimenta essa penosa impressão”.
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