DEPOIS DA MORTE
LÉON DENIS
FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA
XL
Livre-arbítrio e providência
A questão do
livre-arbítrio é uma das que mais têm preocupado filósofos e teólogos.
Conciliar a vontade, a liberdade do homem com o exercício das leis naturais e a
vontade divina, afigurava-se tanto mais difícil quanto a fatalidade cega
parecia, aos olhos de muitos, pesar sobre o destino humano.
O ensino dos
Espíritos veio elucidar esse problema. A fatalidade aparente, que semeia males
pelo caminho da vida, não é mais que a consequência do nosso passado, que um
efeito voltado sobre a sua causa; é o complemento do programa que aceitamos
antes de renascer, atendendo assim aos conselhos dos nossos guias espirituais,
para nosso maior bem e elevação.
Nas camadas
inferiores da criação a alma ainda não se conhece. Só o instinto, espécie de
fatalidade, a conduz, e só nos seus tipos mais evoluídos é que aparecem, como o
despontar da aurora, os primeiros rudimentos das faculdades do homem. Entrando
na Humanidade, a alma desperta para a liberdade moral. Seu discernimento e sua
consciência desenvolvem-se cada vez mais à proporção que percorre essa nova e
imensa jornada. Colocada entre o bem e o mal, compara e escolhe livremente.
Esclarecida por suas decepções e seus sofrimentos, é no seio das provas que
obtém a experiência e firma a sua estrutura moral.
Dotada de
consciência e de liberdade, a alma humana não pode recair na vida inferior,
animal. Suas encarnações sucedem-se na escala dos mundos até que ela tenha
adquirido os três bens imorredouros, alvo de seus longos trabalhos: a
sabedoria, a ciência e o amor, cuja posse liberta-a, para sempre, dos
renascimentos e da morte, franqueando-lhe o acesso à vida celeste.
Pelo uso do seu
livre-arbítrio, a alma fixa o próprio destino, prepara as suas alegrias ou
dores. Jamais, porém, no curso de sua marcha — na provação amargurada ou no
seio da luta ardente das paixões —, lhe será negado o socorro divino. Nunca
deve esmorecer, pois, por mais indigna que se julgue; desde que em si desperta
a vontade de voltar ao bom caminho, à estrada sagrada, a Providência dar-lhe-á
auxílio e proteção.
A Providência é
o Espírito superior, é o anjo velando sobre o infortúnio, é o consolador
invisível, cujas inspirações reaquecem o coração gelado pelo desespero, cujos
fluidos vivificantes sustentam o viajor prostrado pela fadiga; é o farol aceso
no meio da noite, para a salvação dos que erram sobre o mar tempestuoso da
vida. A Providência é, ainda, principalmente,
o Amor divino derramando-se a flux sobre suas criaturas.
Que solicitude,
que previdência nesse amor! Não foi para a alma somente, para modelar a sua
vida e servir de cenário aos seus progressos, que ela suspendeu os mundos no
espaço, inflamou os sóis, preparou os continentes e formou os mares? Só para a
alma toda essa grande obra foi executada, só para ela é que forças naturais
combinam-se e universos desabrocham no seio das nebulosas.
A alma é criada
para a felicidade, mas, para poder apreciar essa felicidade, para conhecer-lhe
o justo valor, deve conquistá-la por si própria e, para isso, precisa
desenvolver as potências encerradas em seu íntimo.
Sua liberdade de
ação e sua responsabilidade aumentam com a própria elevação, porque, quanto
mais se esclarece, mais pode e deve conformar o exercício de suas forças
pessoais com as leis que regem o Universo.
A liberdade do
ser se exerce, portanto, dentro de um círculo limitado: de um lado, pelas exigências
da lei natural, que não pode sofrer alteração alguma e mesmo nenhum desarranjo na
ordem do mundo; de outro, por seu próprio passado, cujas consequências lhe
refluem através dos tempos, até à completa reparação. Em caso algum o exercício
da liberdade humana pode obstar à execução dos planos divinos; do contrário, a
ordem das coisas seria
a cada instante perturbada. Acima de nossas percepções limitadas e variáveis, a
ordem imutável do Universo prossegue e mantém-se.
Quase sempre
julgamos um mal aquilo que para nós é o verdadeiro Se a ordem natural das
coisas tivesse de amoldar-se aos nossos desejos, que horríveis alterações daí
não resultariam?
O primeiro uso
que o homem fizesse da liberdade absoluta seria para afastar de si as causas de
sofrimento e para se assegurar, desde logo, uma vida de felicidade. Ora, se há
males que a inteligência humana tem o dever de conjurar, de destruir — por
exemplo, os que são provenientes da condição terrestre —, outros há, inerentes
à nossa natureza moral, que somente dor e compressão podem vencer; tais são os
vícios. Nestes casos, torna-se a dor
uma escola, ou, antes, um remédio indispensável: as provas sofridas não são
mais que distribuição equitativa da justiça infalível.
Portanto, é a
ignorância dos fins a que Deus visa que nos faz recriminar a ordem do mundo e
suas leis. Criticamo-las porque desconhecemos o modo por que se cumprem.
O destino é
resultante, através de vidas sucessivas, de nossas próprias ações e livres
resoluções.
No estado de
Espírito, quando somos mais esclarecidos sobre as nossas imperfeições e estamos
preocupados com os meios de atenuá-las, aceitamos a vida material sob forma e
condições que mais nos parecem apropriadas a esse cometimento. Os fenômenos do
hipnotismo e da sugestão mental explicam-nos o que sucede em tal caso, sob a
influência dos nossos protetores espirituais. No estado de sonambulismo, a
alma, sob a sugestão do
magnetizador, obriga-se a executar tal ou qual ato em um tempo dado. Voltando
ao estado de vigília sem haver conservado aparentemente recordação alguma desse
compromisso, ela executa, sem discrepância de um ponto, tudo o que havia
prometido. Do mesmo modo, o homem não parece ter guardado memória das
resoluções tomadas antes de renascer; mas, chegando a ocasião, colocar-se-á ele
à frente dos acontecimentos premeditados, a fim de executar a parte que lhe
compete e que se torna necessária ao seu progresso e à observância da
inevitável lei.
Nenhum comentário:
Postar um comentário