PENTATEUCO KARDEQUIANO

PENTATEUCO  KARDEQUIANO
OBRAS BÁSICAS

domingo, novembro 17, 2013

Liberdade, igualdade, fraternidade

Obras Póstumas   –   Allan Kardec
Tradução de Evandro Noleto Bezerra
Federação Espírita Brasileira
Liberdade, igualdade, fraternidade

Liberdade, igualdade, fraternidade. Estas três palavras representam por si sós, o programa de toda uma ordem social que realizaria o mais absoluto progresso da humanidade, se o princípio que elas traduzem pudesse receber integral aplicação. Vejamos quais os obstáculos que, no estado atual da sociedade, se opõem a isso e, ao lado do mal, procuremos o remédio.
A fraternidade, na rigorosa acepção do termo, resume todos os deveres dos homens, uns para com os outros; significa devotamento, abnegação, tolerância, benevolência, indulgência. É, por excelência, a caridade evangélica e a aplicação da máxima: “Proceder para com os outros como gostaríamos que os outros procedessem para conosco.” É o oposto do egoísmo.
A fraternidade diz: “Um por todos e todos por um.” O egoísmo diz: “Cada um por si.” Sendo estas duas qualidades a negação uma da outra, é tão impossível a um egoísta agir fraternalmente para com os seus semelhantes quanto a um avarento ser generoso, quanto a um indivíduo de pequena estatura atingir o porte de um homem alto. Ora, sendo o egoísmo a chaga dominante da sociedade, enquanto ele reinar soberanamente será impossível o reinado da verdadeira fraternidade. Cada um a quererá em seu proveito; não quererá, porém, praticá-la em proveito dos outros, ou, se o fizer, será depois de se certificar de que não perderá coisa alguma.
Considerada do ponto de vista da sua importância para a realização da felicidade social, a fraternidade está na primeira linha: é a base; sem ela não poderiam existir a igualdade nem a liberdade séria. A igualdade decorre da fraternidade e a liberdade é consequência das duas outras.
Com efeito, suponhamos uma sociedade de homens bastante desinteressados, bons e benévolos para viverem fraternalmente, sem haver entre eles nem privilégios nem direitos excepcionais, pois de outro modo não ha– veria fraternidade. Tratar a alguém de irmão é tratá-lo de igual para igual; é querer para ele o que para si próprio quereria. Num povo de irmãos, a igualdade será a consequência de seus sentimentos, da maneira de procederem, e se estabelecerá pela força mesma das coisas. Qual, porém, o inimigo da igualdade? O orgulho, que leva o homem em toda parte à primazia e ao domínio, que vive de privilégios e de exceções; o orgulho poderá suportar a igualdade social, mas não a fundará jamais e a aniquilará na primeira ocasião. Ora, sendo também o orgulho uma das chagas da sociedade, enquanto não for destruído oporá barreiras à verdadeira igualdade.
Como já dissemos, a liberdade é filha da fraternidade e da igualdade.
Falamos da liberdade legal, e não da liberdade natural, que é, de direito, imprescritível para toda criatura humana, desde o selvagem até o homem civilizado. Vivendo como irmãos, com direitos iguais, animados do sentimento de benevolência recíproca, os homens praticarão entre si a justiça e não procurarão causar danos uns aos outros, nada tendo, por conseguinte, que temer uns dos outros. A liberdade não oferecerá qualquer perigo, porque ninguém pensará em abusar dela em prejuízo de seus semelhantes.
Mas como poderiam o egoísmo, que tudo quer para si, e o orgulho, que sempre quer dominar, dar a mão à liberdade que os destronaria? O egoísmo e o orgulho são, pois, os inimigos da liberdade, como o são da igualdade e da fraternidade.
A liberdade pressupõe confiança mútua. Ora, não pode haver confiança entre pessoas dominadas pelo sentimento exclusivista da personalidade.
Não podendo cada uma satisfazer-se a si própria senão à custa de outrem, todas estarão constantemente em guarda umas contra as outras.
Sempre receosas de perderem aquilo a que chamam seus direitos, a dominação constitui a condição mesma da existência de todas, razão pela qual armarão continuamente ciladas à liberdade e a sufocarão quanto puderem.
Aqueles três princípios são, conforme acima dissemos, solidários entre si e se prestam mútuo apoio; sem a reunião deles, o edifício social não estaria completo. O da fraternidade não pode ser praticado em toda a sua pureza, com exclusão dos dois outros, visto como, sem a igualdade e a liberdade, não há verdadeira fraternidade. A liberdade sem a fraternidade é rédea solta a todas as más paixões, que desde então ficam sem freio; com a fraternidade, o homem não faz mau uso, por menor que seja, da sua liberdade: é a ordem; sem a fraternidade, usa da liberdade para dar curso a todas as suas torpezas: é a anarquia, a licenciosidade. É por isso que as nações mais livres se veem obrigadas a criar restrições à liberdade. A igualdade sem a fraternidade conduz aos mesmos resultados, visto que a igualdade reclama a liberdade. Sob o pretexto de igualdade, o pequeno rebaixa o grande, para lhe tomar o lugar, e se torna tirano por sua vez; tudo se reduz a um deslocamento do despotismo.
Concluir-se-á, daí, que se os homens não se acharem imbuídos do sentimento da verdadeira fraternidade, será necessário mantê-los em servidão?
Porventura serão inaptas as instituições fundadas sobre os princípios de igualdade e de liberdade? Semelhante opinião seria mais que errônea, seria absurda. Ninguém espera que uma criança complete seu crescimento para lhe ensinar a andar. Quem, aliás, os tem sob tutela? Serão homens de ideias elevadas e generosas, guiados pelo amor do progresso? Serão homens que se aproveitem da submissão dos seus inferiores para lhes desenvolver o senso moral e os elevar pouco a pouco à condição de homens livres? Não; trata-se, em sua maioria, de homens ciosos do seu poder, a cuja ambição e cupidez outros homens servem de instrumentos mais inteligentes do que animais e que, então, em vez de emancipá-los, os conservam, pelo maior tempo possível, subjugados e na ignorância.
Essa ordem de coisas muda, porém, por si mesma, graças ao poder irresistível do progresso. Algumas vezes a reação é violenta e tanto mais terrível enquanto o sentimento da fraternidade, imprudentemente sufocado, não consegue interpor o seu poder moderador. A luta se estabelece entre os que querem tomar e os que querem reter, resultando daí um conflito que muitas vezes se prolonga por vários séculos. Afinal, um equilíbrio artificial se estabelece; há qualquer coisa de melhor. Sente-se, porém, que as bases sociais não estão sólidas; o solo treme a cada passo, porque ainda não reinam a liberdade e a igualdade sob a égide da fraternidade, e porque o orgulho e o egoísmo continuam empenhados em derrotar os esforços dos homens de bem.
Todos vós que sonhais com essa idade de ouro para a humanidade trabalhai, antes de tudo, na construção da base do edifício, antes de pensardes no telhado; dai-lhe por fundação a fraternidade na sua mais pura acepção. No entanto, para isso, não basta decretá-la e inscrevê-la numa bandeira; é preciso que ela esteja no coração, e não se muda o coração dos homens por meio de ordenações. Do mesmo modo que se age para fazer que um campo frutifique, é necessário que se arranquem os seus pedrouços e espinheiros, aqui também é preciso trabalhar sem descanso para extirpar o vírus do orgulho e do egoísmo, visto que aí se encontra a causa de todo o mal, o obstáculo real ao reinado do bem. Eliminai das leis, das instituições, das religiões, da educação até os últimos vestígios dos tempos de barbárie e de privilégios, bem como todas as causas que alimentam e desenvolvem esses eternos obstáculos ao verdadeiro progresso, os quais, por assim dizer, bebemos com o leite e aspiramos por todos os poros na atmosfera social.
Somente então os homens compreenderão os deveres e os benefícios da fraternidade e também se firmarão por si mesmos, sem abalos nem perigos, os princípios complementares da igualdade e da liberdade.
Será possível a destruição do egoísmo e do orgulho? Respondemos alto e firmemente: SIM. Do contrário, seria determinar um ponto de parada ao progresso da humanidade. O homem cresce em inteligência, é fato incontestável; contudo, terá chegado ao ponto culminante, além do qual não possa ir? Quem ousaria sustentar essa tese absurda? Progredirá em moralidade?

Para responder a esta questão, basta que se comparem as épocas de um mesmo país. Por que teria ele atingido o limite do progresso moral, e não o do progresso intelectual? Sua aspiração por uma ordem de coisas melhor é indício da possibilidade de alcançá-la. Cabe aos homens progressistas acelerar esse movimento por intermédio do estudo e da utilização de meios mais eficazes.

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