CAPÍTULO I
PEQUENA CONFERÊNCIA ESPÍRITA
PRIMEIRO DIÁLOGO
O CRÍTICO
O QUE É O
ESPIRITISMO – ALLAN KARDEC
VISITANTE — Não
acrediteis que minha opinião se tenha formado levianamente.
Vi mesas girarem
e produzirem sons como de pancadas; vi pessoas escreverem o que, segundo
diziam, lhes ditavam os Espíritos; estou, porém, convencido de que nisso há
charlatanismo.
A. K. — Quanto
vos cobraram para mostrar-vos essas coisas?
V. — Nada, por
certo.
A. K. — Ora, aí
tendes charlatães de uma espécie singular, que vão reabilitar o nome da sua
classe. Até o presente não se tinha ainda visto charlatães desinteressados.
Suponhamos que
um gaiato de mau gosto tenha querido uma vez divertir-se assim; será crível que
as outras pessoas presentes pactuassem com ele? Ademais, com que fim se fariam
elas cúmplices de uma mistificação?
Direis que com o
fim de recrear a sociedade...
Concordo em que
uma vez se prestassem a tal brinquedo; porém, quando esse brinquedo dura meses
e anos, julgo que o mistificado é o próprio mistificador. Não é provável que,
só pelo gosto de fazer que creiam em uma coisa que ele sabe ser falsa, alguém
vá passar horas inteiras, imóvel, agarrado a uma mesa. O gosto não equivaleria
à pena.
Antes de julgar
isso uma fraude, é preciso indagar que interesse havia em enganar; ora, não
deixareis de convir que há pessoas que se não coadunam com a mais leve suspeita
de embuste; pessoas cujo caráter já é uma garantia de probidade.
Coisa muito
diversa seria se se tratasse de uma especulação, porque a tentação do ganho é
má conselheira, mas admitindo mesmo que, neste último caso, ficasse bem comprovado
um manejo fraudulento, isso em nada ofenderia a realidade do princípio, porque
de tudo se pode abusar.
Por vender-se
vinho falsificado, não se deve concluir que não existe vinho puro.
O Espiritismo
não é mais responsável pelos atos daqueles que abusam desse nome e o exploram,
do que o é a ciência médica pelos atos dos charlatães que impingem suas drogas,
ou a Religião pelos dos sacerdotes que iludem seu ministério.
Por sua novidade
e mesmo por sua natureza, o Espiritismo se presta a abusos; ele, porém, fornece
os meios para que os reconheçam, definindo claramente seu verdadeiro caráter e
afastando de si toda a solidariedade com aqueles que o viriam a explorar ou desviar
do seu fim exclusivamente moral, para transformá-lo em meio de vida, em instrumento
de adivinhação ou de investigações fúteis.
Desde que o
Espiritismo mesmo traça os limites em que se encerra, define o que pode ou não
dizer ou fazer, o que está ou não em suas atribuições, o que aceita e o que repudia,
toda a falta recai sobre aqueles que, não se dando ao trabalho de estudá-lo, o
julgam pelas aparências e que, por terem encontrado saltimbancos adornando-se
sob o nome de espíritas, para chamar concorrência, dizem com gravidade:
eis o que é o Espiritismo.
Sobre quem, em
definitivo, cairá o ridículo? Será sobre o saltimbanco que usa do seu ofício?
Será sobre o Espiritismo, cuja doutrina escrita desmente tais asserções? ou, antes,
sobre os críticos que falam do que não sabem ou de, cientemente, alterarem a verdade?
Aqueles que
atribuem ao Espiritismo o que é contrário à sua mesma ciência, fazem-no por
ignorância ou má intenção; no primeiro caso há leviandade, no segundo, má-fé.
E, neste último caso, eles se colocam na posição do historiador que, no
interesse de sustentar um partido ou uma opinião, alterasse os fatos
históricos. Quando usa desses meios, o partido fica desacreditado e não
consegue o seu fim.
Notai bem,
cavalheiro, que eu não pretendo que a crítica deve necessariamente aprovar
nossas ideias, mesmo depois de as haver estudado; não nos revoltamos de forma
alguma contra os que não pensam como nós.
O que é
evidente, para nós, pode não ser para vós outros; cada qual julga as coisas debaixo
de certo ponto de vista, e do fato mais positivo nem todos tiram as mesmas consequências.
Se um pintor,
por exemplo, pinta em seu quadro um cavalo branco, não faltará quem diga que
essa cor faz aí mau efeito, que a cor negra conviria mais, e nisto não se
comete erro; cometer-se-á, porém, se, vendo que o cavalo é branco, afirmar que
é negro; é o que faz a maioria dos nossos adversários.
Em resumo,
senhor, todos têm completa liberdade de aprovar ou censurar os princípios do
Espiritismo, de deduzir deles as consequências boas ou más que lhes aprouver, porém
a consciência impõe ao crítico a obrigação de não dizer o contrário do que ele
sabe que é; ora, para isso, a primeira condição é não falar do que não conhece.
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