PENTATEUCO KARDEQUIANO

PENTATEUCO  KARDEQUIANO
OBRAS BÁSICAS

sexta-feira, novembro 12, 2010

OBRAS PÓSTUMAS - ALLAN KARDEC - TRADUÇÃO DE EVANDRO NOLETO BEZERRA

INFLUÊNCIA PERNICIOSA DAS IDEIAS MATERIALISTAS - O CAMINHO DA VIDA

A questão da pluralidade das existências tem preocupado os filósofos desde muito tempo e mais de um reconheceu na anterioridade da alma a única solução possível para os mais importantes problemas da Psicologia. Sem esse princípio, eles se viram tolhidos a cada passo, encurralados num beco sem saída, de onde somente puderam escapar com o auxílio da pluralidade das existências.
A maior objeção que se pode fazer a essa teoria é a da ausência de lembranças das existências anteriores.
Com efeito, uma sucessão de existências inconscientes umas das outras; deixar um corpo para tomar outro sem a memória do passado equivaleria ao nada, visto que seria o nada quanto ao pensamento; seria uma multiplicidade de novos pontos de partida, sem ligação com os precedentes; seria a ruptura incessante de todas as afeições que fazem o encanto da vida presente, a mais doce e consoladora esperança do futuro. Seria, afinal, a negação de toda a responsabilidade moral. Semelhante doutrina seria tão inadmissível e tão incompatível com a Justiça de Deus quanto a de uma única existência com a perspectiva de uma eternidade absoluta de penas, em virtude de algumas faltas temporárias. Compreende-se então que os que formam semelhante ideia da reencarnação a repilam; porém, não é assim que o Espiritismo no-la apresenta.
A existência espiritual da alma, diz ele, é a sua existência normal, com indefinida lembrança retrospectiva.
As existências corpóreas não passam de intervalos, de curtas estações na existência espiritual, sendo a soma de todas as estações apenas uma parcela mínima da existência normal, absolutamente como se, numa viagem de muitos anos, de tempos em tempos o viajante parasse durante algumas horas. Embora pareça haver solução de continuidade durante as existências corpóreas, a ligação se estabelece no curso da vida espiritual, que não sofre interrupção. A solução de continuidade, realmente, só existe para a vida corpórea exterior e de relação, e a ausência, aí, da lembrança prova a sabedoria da Providência que, desse modo, evitou que o homem fosse por demais desviado da vida real, em que ele tem deveres a cumprir; mas quando o corpo se acha em repouso, durante o sono, a alma levanta o voo parcialmente, restabelecendo-se, então, a cadeia, interrompida apenas durante a vigília.
A isto ainda se pode opor uma objeção, perguntando que proveito o homem pode tirar de suas existências anteriores, para melhorar-se, já que ele não se lembra das faltas que cometeu. O Espiritismo responde, primeiro, que a lembrança de existências infelizes, associadas às misérias da vida presente, tornaria esta última ainda mais penosa; é, portanto, um acréscimo de sofrimento que Deus quis poupar às suas criaturas. Se assim não fosse, qual não seria a nossa humilhação, ao pensarmos no que já havíamos sido! Para o nosso melhoramento, aquela recordação seria inútil. Durante cada existência, sempre damos alguns passos para frente, adquirimos algumas qualidades e nos despojamos de algumas imperfeições.
Cada uma de tais existências é, assim, um novo ponto de partida, em que somos qual nos houvermos feito, em que nos tomamos pelo que somos, sem nos preocuparmos com o que tenhamos sido. Se, numa existência anterior, fomos antropófagos, que importa isso já que não o somos mais? Se tivemos um defeito qualquer, de que já não conservamos vestígio, aí está uma conta saldada, com a qual não mais devemos nos preocupar. Suponhamos, ao contrário, que se trate de um defeito apenas parcialmente corrigido: o restante ficará para a vida seguinte, cumprindo a nós corrigi-lo naquela ocasião.

Tomemos um exemplo: um homem foi assassino e ladrão e foi punido, quer na vida corpórea, quer na vida espiritual. Ele se arrepende e se corrige da primeira tendência, mas não da segunda. Na existência seguinte, será apenas ladrão, talvez um grande ladrão, porém não mais assassino. Mais um passo para adiante e já não será mais que um ladrão obscuro; pouco mais tarde já não roubará, mas poderá ter a inclinação para o roubo, que a sua consciência neutralizará. Depois, um derradeiro esforço e, havendo desaparecido todo vestígio da enfermidade moral, será um modelo de probidade. Que lhe importa então o que ele foi? A lembrança de ter morrido no cadafalso não lhe seria uma tortura, uma humilhação constante?
Aplicai este raciocínio a todos os vícios, a todos os desvios, e podereis ver como a alma se melhora, passando e tornando a passar pelos cadinhos da encarnação. Deus não terá sido mais justo ao tornar o homem o próprio árbitro da sua sorte, pelos esforços que empregue por se melhorar, do que se fizesse que sua alma nascesse ao mesmo tempo que seu corpo e o condenasse a tormentos perpétuos por erros passageiros, sem lhe conceder meios de depurar-se de suas imperfeições? Pela pluralidade das existências, o seu futuro está nas suas mãos. Se ele gasta longo tempo a se melhorar, sofre as consequências dessa maneira de proceder: é a suprema justiça; mas a esperança jamais lhe é negada.

A seguinte comparação pode ajudar a tornar compreensíveis as peripécias da alma. Suponhamos uma estrada longa, em cuja extensão se encontram, mas com intervalos desiguais, florestas que se tem de atravessar e, à entrada de cada uma, a estrada, larga e bela, se interrompe para só continuar à saída. Um viajante segue por essa estrada e penetra na primeira floresta. Aí, porém, não dá com caminho aberto; depara-se, ao contrário, com um labirinto inextrincável em que ele se perde. A claridade do Sol desapareceu sob a ramagem das árvores. Ele vagueia sem saber para onde se dirige. Afinal, depois de inauditas fadigas, chega aos confins da floresta, mas extenuado, dilacerado pelos espinhos, machucado pelas pedras.
Lá, descobre de novo a estrada e prossegue a sua jornada, procurando curar-se das feridas.
Mais adiante, depara-se com nova floresta, onde o esperam as mesmas dificuldades. Como, porém, já possui um pouco de experiência, dela sai menos contundido. Em outra, topa com um lenhador que lhe indica a direção que deve seguir para não se transviar. A cada nova travessia, aumenta a sua habilidade, de sorte que transpõe cada vez mais facilmente os obstáculos. Certo de que à saída encontrará de novo a boa estrada, firma-se nessa certeza; além disso, já sabe orientar-se para achá-la com mais facilidade. A estrada termina no cume de uma montanha altíssima, de onde ele descortina todo o caminho que percorreu desde o ponto de partida. Vê também as diferentes florestas que atravessou e se lembra das vicissitudes por que passou, mas essa lembrança nada lhe tem de penosa, porque chegou ao termo da caminhada. É qual velho soldado que, na calma do lar doméstico, recorda as batalhas de que participou. Aquelas florestas espalhadas ao longo da estrada lhe são quais pontos negros sobre uma fita branca e ele diz a si mesmo: “Quando eu estava naquelas florestas, principalmente nas primeiras, como me pareciam longas as travessias! Eu achava que nunca chegaria ao fim; tudo ao meu redor me parecia gigantesco e intransponível. E quando penso que, sem aquele bondoso lenhador que me pôs no bom caminho, talvez eu ainda lá estivesse! Agora que contemplo essas mesmas florestas do ponto de vista em que me acho, como elas me parecem pequenas!
É como se eu pudesse transpô-las com um simples passo; mais ainda: a minha vista as penetra e lhes distingo os menores detalhes; percebo até os passos em falso que dei”.
Diz-lhe então um ancião: – Meu filho, eis-te chegado ao termo da viagem; entretanto, um repouso indefinido te causaria tédio mortal e logo terias saudades das vicissitudes que experimentastes e que acionavam teus membros e teu espírito. Vês daqui grande número de viajantes na estrada que percorreste e que, como tu, correm o risco de transviar-se; tens experiência, nada mais deves temer; vai ao encontro deles e procura guiá-los com os teus conselhos, a fim de que cheguem mais depressa.
– Irei com alegria – replica o nosso homem –, entretanto, pergunto: por que não há uma estrada direta desde o ponto de partida até aqui? Isso pouparia aos viajantes a travessia daquelas abomináveis florestas.
– Meu filho – retruca o ancião –, presta atenção e verás que muitos evitam a travessia de algumas delas; são os que, tendo adquirido mais cedo a experiência necessária, sabem tomar um caminho mais direto e mais curto para chegarem aqui. Essa experiência, porém, é fruto do trabalho que as primeiras travessias lhes impuseram, de sorte que eles chegam aqui em virtude do próprio mérito. O que saberias tu mesmo se por lá não houvesses passado? A atividade que houveste de desenvolver, os recursos de imaginação que precisaste empregar para abrir caminho aumentaram os teus conhecimentos e desenvolveram a tua inteligência; sem isso, serias tão inexperiente quanto o eras à partida. Além disso, procurando livrar-te das dificuldades, contribuíste para o melhoramento das florestas que atravessaste. O que fizeste foi pouca coisa, imperceptível mesmo; pensa, contudo, nos milhares de viajantes que fazem outro tanto e que, trabalhando para si mesmos, trabalham, sem o perceberem, para o bem comum. Não é justo que recebam o salário de suas penas no repouso de que gozam aqui? Que direito lhes caberia a esse repouso, se nada houvessem feito?
– Meu pai – responde o viajante –, numa dessas florestas encontrei um homem que me disse: “Nos confins da floresta há um imenso abismo a ser transposto de um salto; mas, de mil, apenas um o consegue; todos os outros caem no precipício, numa fornalha ardente e ficam perdidos sem remissão”.
Esse abismo eu não o vi.
– Meu filho, é que ele não existe; pois, do contrário, seria uma cilada abominável, armada a todos os viajantes que se dirigem para cá. Bem sei que lhes cabe vencer dificuldades, mas também sei que cedo ou tarde as vencerão. Se eu tivesse criado dificuldades para um só que fosse, sabendo que esse sucumbiria, teria praticado uma crueldade, que seria mais terrível ainda se atingisse a maioria dos viajantes. Esse abismo é uma alegoria, cuja explicação vais receber.
Olha para a estrada e observa os intervalos das florestas. Entre os viajantes, vês que alguns caminham com passo lento e semblante jovial; observa aqueles amigos que se tinham perdido de vista nos labirintos da floresta: como se sentem felizes por se haverem de novo encontrado ao deixarem-na. Mas, a par deles, existem outros que se arrastam penosamente; estão estropiados e imploram a compaixão dos que passam, visto que sofrem atrozmente das feridas de que, por culpa própria, se cobriram. Entretanto, curar-se-ão, e isso lhes constituirá uma lição da qual tirarão proveito na floresta seguinte, de onde sairão menos machucados. O abismo simboliza os males que eles experimentam e, dizendo que de mil apenas um o transpõe, aquele homem teve razão, porque o número dos imprudentes é enorme; errou, porém, quando disse que aquele que ali cair não mais sairá. Para chegar a mim, o que tombou encontra sempre uma saída. Vai, meu filho, vai mostrar essa saída aos que estão no fundo do abismo; vai amparar os feridos da estrada e mostrar o caminho aos que se embrenham pelas florestas.A estrada é a imagem da vida espiritual da alma e em cujo percurso esta é mais ou menos feliz. As florestas são as existências corpóreas, em que ela trabalha pelo seu adiantamento, ao mesmo tempo que na obra geral. O viajor que chega ao fim e que volta para ajudar os que ficaram na retaguarda simboliza os anjos guardiães, os missionários de Deus, os quais se sentem felizes em vê-lo e se desdobram em atividades para fazer o bem e obedecer ao supremo Senhor.

2 comentários:

Anônimo disse...
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