• Escrita direta 40
• Pneumatofonia
POR ALLAN KARDEC
TRADUÇÃO DE EVANDRO NOLETO BEZERRA
FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA
Escrita direta
146. A pneumatografia é a escrita produzida diretamente pelo Espírito, sem nenhum intermediário. Difere da psicografia por ser esta a transmissão do pensamento do Espírito, mediante a escrita feita com a mão do médium. O fenômeno da escrita direta é, incontestavelmente, um dos mais extraordinários do Espiritismo. Contudo, por mais anormal que pareça à primeira vista, é hoje um fato comprovado e indiscutível. Se a teoria é sempre necessária para nos inteirarmos da possibilidade dos fenômenos espíritas em geral, talvez se torne ainda mais necessária neste caso, sem dúvida um dos mais estranhos até agora apresentados, mas que deixa de parecer sobrenatural quando compreendemos o princípio
em que se fundamenta.
Da primeira vez que este fenômeno se produziu, a impressão dominante que deixou foi a de desconfiança.
Imediatamente a idéia de embuste veio à mente dos que o presenciaram. De fato, todos conhecem a ação das tintas chamadas simpáticas, cujos traços, a princípio completamente invisíveis, aparecem depois de algum tempo. É possível que tenham utilizado esse meio para abusar da credulidade dos assistentes, de modo que não podemos garantir que isto jamais tenha acontecido.
Estamos até convencidos de que algumas pessoas empregaram subterfúgios, seja com intuitos mercenários, seja apenas por amor-próprio ou para convencer os outros quanto aos seus poderes. (Veja-se o capítulo sobre o “Charlatanismo e Embuste”.)
Entretanto, pelo fato de se poder imitar uma coisa, é absurdo concluir-se que a coisa não exista. Nestes últimos tempos, não se conseguiu encontrar meio de imitar a lucidez sonambúlica, a ponto de causar ilusão? É verdade que esse processo de escamoteação já se exibiu em todas as feiras; mas, por esse motivo, se deverá concluir que não haja verdadeiros sonâmbulos? O fato de alguns comerciantes venderem vinho falsificado será uma razão para que não exista vinho puro? Dá-se a mesma coisa com a escrita direta. As precauções a serem tomadas para garantir a realidade do fato são muito simples e fáceis; graças a elas, aquele fenômeno já não pode ser objeto de qualquer dúvida.
147. Uma vez que a possibilidade de escrever sem intermediário é um dos atributos do Espírito; que os Espíritos sempre existiram desde todos os tempos e em todos os tempos produziram os diversos fenômenos que conhecemos, por certo haverão de ter produzido também, na Antigüidade, o da escrita direta, como fazem até hoje.
É desse modo que se pode explicar o aparecimento das três palavras no festim de Baltazar. A Idade Média, tão fecunda em prodígios ocultos, mas que eram abafados pelas fogueiras, também deve ter conhecido a escrita direta. Talvez encontremos, na teoria das modificações que os Espíritos podem operar na matéria – teoria que desenvolvemos no capítulo VIII – o fundamento
da crença na transmutação dos metais.
Todavia, quaisquer que tenham sido os resultados obtidos em diversas épocas, foi somente depois da vulgarização das manifestações espíritas que se tomou a sério a questão da escrita direta. Ao que parece, o primeiro a torná-la conhecida, nestes últimos anos, em Paris, foi o barão de Guldenstubbe, que publicou uma obra muito interessante sobre o assunto, com grande número de fac-símiles [reproduções] das escritas que obteve.41 O fenômeno já era conhecido na América, havia algum tempo. A posição social do sr. Guldenstubbe, sua independência, a consideração de que desfruta na alta sociedade afastam qualquer suspeita de fraude intencional, já que não poderia ser impelido por nenhum motivo interesseiro. Poder-se-ia admitir, no máximo, que fora vítima de uma ilusão; a isto, porém, se opõe um fato decisivo: o de haverem outras pessoas obtido o mesmo fenômeno, cercadas de todas as precauções necessárias para evitar qualquer embuste e qualquer causa de erro.
148. Obtém-se a escrita direta, como em geral a maior parte das manifestações espíritas não espontâneas, por meio do recolhimento, da prece e da evocação. Têm sido produzidas em igrejas, sobre os túmulos, no pedestal de estátuas e em retratos de pessoas evocadas. Evidentemente, o local não exerce a menor influência sobre o fenômeno, a não ser facultar maior recolhimento espiritual e maior concentração dos pensamentos, pois está provado que a escrita direta pode ser obtida igualmente sem esses acessórios e nos lugares mais comuns, sobre um simples móvel caseiro, desde que os interessados se achem nas devidas condições morais e que entre eles se encontre alguém que possua a necessária faculdade mediúnica.
Julgou-se, inicialmente, que era preciso colocar aqui ou ali um lápis com papel. O fato, então, podia ser explicado até certo ponto. Sabe-se que os Espíritos produzem o movimento e a deslocação de objetos; que os apanham e atiram longe. Por que não poderiam pegar um lápis e servir-se dele para traçar letras? Já que o impulsionam, utilizando-se da mão do médium, de uma prancheta, etc., podiam, da mesma forma, impulsioná-lo diretamente. Não tardou, porém, se reconhecesse que o lápis não era necessário e que bastava um simples pedaço de papel, dobrado ou não, para que em alguns minutos aparecessem letras sobre ele. Aqui, o fenômeno já muda completamente de figura e nos transporta a uma ordem inteiramente nova de coisas. As letras hão de ter sido traçadas com uma substância qualquer. Ora, desde que ninguém forneceu ao Espírito essa substância, deduz-se que ele próprio a compôs. De onde a tirou? Eis o problema.
Se nos reportarmos às explicações dadas no capítulo VIII, itens 127 e 128, encontraremos a teoria completa do fenômeno. Para escrever dessa maneira, o Espírito não se serve das nossas substâncias, nem dos nossos instrumentos. Ele próprio fabrica a matéria e os instrumentos de que precisa, tirando os seus materiais do elemento primitivo universal e fazendo-os sofrer, pela
ação da sua vontade, as modificações necessárias à produção do efeito desejado. Assim, tanto pode fabricar o lápis vermelho, a tinta de impressão tipográfica, a tinta comum, como o lápis preto e até mesmo caracteres tipográficos bastante resistentes para darem relevo à escrita, conforme tivemos ocasião de verificar. A filha de um senhor que conhecemos, menina de 12 a 13 anos, obteve páginas inteiras, escritas com uma substância análoga ao pastel.
149. Tal o resultado a que nos conduziu o fenômeno da tabaqueira, descrito no capítulo VII, item 116, e sobre o qual nos estendemos longamente, porque nele percebemos a oportunidade de sondar uma das leis mais importantes do Espiritismo, lei cujo conhecimento pode esclarecer mais de um mistério, mesmo do mundo visível.
É assim que de um fato aparentemente vulgar pode sair a luz. Basta observar com cuidado e isso todos podem fazer, como nós, desde que não se limitem a observar efeitos, sem procurarem suas causas. Se a nossa fé se fortalece de dia para dia, é porque compreendemos.
Tratai, pois, de compreender, se quiserdes conquistar adeptos sérios. A compreensão das causas tem ainda outro resultado: o de estabelecer uma linha divisória entre a verdade e a superstição.
Considerando a escrita direta do ponto de vista das vantagens que possa oferecer, diremos que, até o momento, sua principal utilidade tem sido a comprovação material de um fato sério: a intervenção de um poder oculto que encontra nesse processo um meio a mais de se manifestar.
Contudo, as comunicações assim obtidas raramente são extensas. Em geral são espontâneas e se limitam a palavras, sentenças e sinais ininteligíveis. Têm sido dadas em todas as línguas: em grego, em latim, em siríaco, em caracteres hieroglíficos, etc., mas ainda não se prestaram a dissertações seguidas e rápidas, como permite a psicografia ou a escrita pela mão do médium.
Pneumatofonia
150. Já que os Espíritos podem produzir ruídos e pancadas, podem igualmente fazer que se ouçam gritos de toda espécie e sons vocais que imitam a voz humana, tanto ao nosso lado, como no ar. Damos a este fenômeno o nome de pneumatofonia. Pelo que sabemos da natu reza dos Espíritos, podemos supor que alguns deles, de ordem inferior, se iludem e julgam falar como quando viviam. (Veja-se a Revista Espírita, fevereiro de 1858: “História do fantasma da srta. Clairon”.)
Devemos, entretanto, ser cautelosos para não tomar por vozes ocultas todos os sons que não tenham causa conhecida, os zumbidos comuns e, principalmente, que haja qualquer fundamento na crença vulgar de que, quando o ouvido nos zune, é porque alguém está falando mal de nós em algum lugar. Aliás, esses zunidos, cuja causa é puramente fisiológica, não têm nenhum significado, ao passo que os sons pneumatofônicos exprimem pensamentos, o que nos faz reconhecer que são devidos a uma causa inteligente e não acidental. Pode-se estabelecer, como princípio, que os efeitos notoriamente inteligentes são os únicos capazes de atestar a intervenção dos Espíritos. Quanto aos outros, há pelo menos cem probabilidades contra uma de serem devidos a causas acidentais.
151. Acontece freqüentemente ouvirmos, com perfeita nitidez, quando nos achamos meio adormecidos, palavras, nomes, às vezes frases inteiras, ditas com tal intensidade que despertamos sobressaltados. Embora em alguns casos se trate realmente de uma manifestação, nada há de tão positivo nesse fenômeno que não possa ser atribuído a uma causa semelhante à que expusemos na teoria da alucinação, capítulo VI, itens 111 e seguintes. Além disso, o que se ouve dessa maneira não apresenta nenhuma seqüência. O quadro muda completamente de aspecto quando estamos de fato acordados, porque, então, se é um Espírito que se faz ouvir, quase sempre podemos trocar idéias com ele e estabelecer uma conversação regular.
Os sons espirituais, ou pneumatofônicos se produzem de duas maneiras bem distintas. Às vezes, é uma voz interior que repercute no nosso foro íntimo; embora sejam claras e distintas, as palavras nada têm de material.
Outras vezes, são exteriores e nitidamente articuladas, como se procedessem de uma pessoa que estivesse ao nosso lado. Entretanto, seja qual for a forma da sua produção, o fenômeno da pneumatofonia é quase sempre espontâneo e só muito raramente pode ser provocado.
40
N. do T.: Estes subtítulos não faziam parte do cabeçalho da 2a edição francesa,que serve de base para esta tradução. Constam, porém, no “Sumário” daobra e no corpo deste capítulo, razão por que os inserimos neste livro.
41N. de A. K.: A realidade dos Espíritos e de suas manifestações, demonstrada
pelo fenômeno da escrita direta. Pelo sr. Barão de Guldenstubbe, 1 vol.
in-8, com 15 estampas e 93 fac-símiles. Preço: 8 fr. Em Paris: livrarias Franck
(Rua Richelieu) e Ledoyen.
Nenhum comentário:
Postar um comentário