PENTATEUCO KARDEQUIANO

PENTATEUCO  KARDEQUIANO
OBRAS BÁSICAS

domingo, dezembro 03, 2017

SERMÕES SOBRE O ESPIRITISMO

I - Artigo de Allan Kardec:

SERMÕES SOBRE O ESPIRITISMO

Pregados na catedral de Metz, nos dias 27, 28 e 29 de maio de 1863, pelo reverendo padre Letierce, da Companhia de Jesus. Refutados por um espírita de Metz e precedidos de considerações sobre a loucura espírita. (*)
(*) Paris, 1863, Livraria Didier, 35, quai des Augustins; Ledoyen, palais-Royal; Metz, livraria Linden, 1, rue Pierre-Hardie.
Embora não conheçamos pessoalmente o autor deste opúsculo, podemos dizer que é obra de um espírita esclarecido e sincero. Estamos contentes por ver a defesa do Espiritismo tomada por mãos hábeis, que sabem aliar a força do raciocínio à moderação, que é o apanágio da verdadeira força.
Os argumentos dos adversários aí são combatidos com uma lógica à qual não sabemos qual outra poderiam opor, porque só há uma lógica séria, aquela cujas deduções nenhum lugar deixam à réplica, e achamos que a do autor está neste caso.
Sem dúvida, com ou sem razão, sempre se pode replicar, porquanto há criaturas com as quais nunca se diz a última palavra, ainda que se tratasse de lhes provar que há sol ao meio-dia; mas não é destes que se trata de ter razão, pouco importando que estejam ou não convencidos de seu erro.
Também não é a estes que nos dirigimos, mas ao público, juiz em última instância das causas boas ou más. Há no espírito das massas um bom-senso que pode falhar nos indivíduos isolados, mas cujo conjunto é como a resultante das forças intelectuais e do senso comum.
Em nossa opinião, a brochura em questão reúne as vantagens do fundo e da forma, isto é, à justeza do raciocínio alia a correção e a elegância do estilo, que jamais prejudica coisa alguma e torna a leitura de qualquer escrito mais atraente e mais fácil. Não duvidamos que este escrito seja acolhido por todos os espíritas com a simpatia que merece. Nós o recomendamos com toda a confiança e sem restrições. Contribuindo para sua propagação, os espíritas prestarão serviço à causa.
Allan Kardec
Revista Espírita de Setembro de 1863

 II - Artigo de Allan Kardec:

SERMÕES SOBRE O ESPIRITISMO

É sempre uma satisfação ver adeptos sérios entrarem na liça quando, à lógica da argumentação, aliam calma e moderação, da qual nunca nos devemos afastar, mesmo contra os que não usam os mesmos processos a nosso respeito.
Cumprimentamos o autor deste opúsculo por ter sabido reunir essas duas qualidades em seu interessante e muito consciencioso trabalho que, não temos dúvida, será acolhido com a atenção que merece.
A carta posta no início da brochura é um testemunho de simpatia que não poderíamos reconhecer melhor do que a transcrevendo textualmente, pois é uma prova da maneira pela qual ele compreende a doutrina, bem como os pensamentos seguintes, que toma por epígrafe:
“Cremos que haja fatos que não sejam visíveis ao olho, nem tangíveis à mão; que nem o microscópio, nem o escalpelo podem alcançar, por mais perfeitos que se os suponham; que igualmente escapem ao gosto, ao olfato e ao ouvido e que, no entanto, são susceptíveis de ser constatados com absoluta certeza (Ch. Jouffroy, prefácio dos Esquisses de philosophie morale, pág. 5).
“Não creiais em qualquer Espírito; experimentai se os Espíritos vêm de Deus.”(Evangelho).

“Senhor e caro mestre,
“Dignai-vos aceitar a dedicatória desta modesta defesa em favor do Espiritismo, deste grito de indignação contra os ataques dirigidos contra nossa sublime moral? Seria para mim o mais seguro testemunho de que estas páginas são ditadas por este espírito de moderação que diariamente admiramos em vossos escritos e que nos deveria guiar em todas as nossas lutas. Aceitai-a como singelo ensaio de um dos vossos recentes adeptos, como profissão de fé de um verdadeiro crente.
Se meus esforços forem felizes, atribuirei o seu sucesso ao vosso elevado patrocínio; se minha voz incompetente não encontrar eco, ao Espiritismo não faltarão outros defensores e terei para mim, com a satisfação da consciência, a felicidade de ter sido aprovado pelo apóstolo imortal de nossa filosofia.”
Extraímos da brochura a passagem seguinte, de um dos sermões do reverendo padre Letierce, a fim de dar uma idéia da força de sua lógica.
“Nada há de chocante para a razão em admitir, num certo limite, a comunicação dos Espíritos dos mortos com os vivos; tal comunicação é perfeitamente compatível com a natureza da alma humana, encontrando-se numerosos exemplos no Evangelho e na Vida dos santos; mas eram santos, eram apóstolos.
Para nós, pobres pecadores que, nos precipícios deslizantes da corrupção, não precisaríamos senão de uma mão socorrista para nos reconduzir ao bem, não é um sacrilégio, um insulto à justiça divina ir pedir aos Espíritos bons, que Deus espalhou à nossa volta, conselhos e preceitos para a nossa instrução moral e filosófica?
Não é uma audácia ímpia pedir ao Criador que nos envie anjos de guarda para que nos lembrem incessantemente a observação de suas leis, a caridade, o amor aos nossos semelhantes e nos ensinar o que devemos fazer, na medida de nossas forças, para chegar o mais rapidamente possível a esse grau de perfeição que eles próprios atingiram?
“Esse apelo que fazemos às almas dos justos, em nome da bondade de Deus, só é ouvido pelas almas dos maus, em nome das potências infernais. Sim, os Espíritos se comunicam conosco, mas são os Espíritos dos condenados; suas comunicações e seus preceitos, é verdade, são semelhantes aos que nos poderiam ditar os mais puros anjos; todos os seus discursos respiram as mais sublimes virtudes, das quais as menores devem ser para nós um ideal de perfeição, que mal podemos atingir nesta vida. Mas é apenas uma armadilha para melhor nos atrair, um mel cobrindo o veneno com o qual o demônio quer matar nossa alma.
“Com efeito, as almas dos mortos, segundo Allan Kardec, são de três classes: as que chegaram ao estado de Espíritos puros, as que estão no caminho da perfeição e as almas dos maus.
Por sua natureza, as primeiras não podem vir ao nosso apelo; seu estado de pureza torna impossível qualquer comunicação com as almas dos homens, encerradas em tão grosseiro envoltório; aliás, que viriam fazer na Terra? pregar exortações que não poderíamos compreender?
As segundas têm muito a trabalhar para o seu aperfeiçoamento moral para perder tempo vindo conversar conosco; ainda não são as que nos assistem em nossas reuniões. O que é, então, que nos resta? Eu o disse, as almas dos condenados, e estas não precisam ser rogadas para vir; sempre dispostas a aproveitar o nosso erro e a nossa necessidade de instrução, dirigem-se em massa junto a nós, para com elas nos arrastar ao abismo onde as mergulhou a justa punição de Deus.”
Allan Kardec
Revista Espírita de Outubro de 1863


Prefácio da obra:
O livro Sermões sobre o Espiritismo pregados na catedral de Metz refutados por um espírita de Metz, publicado em 1863, pela Didier (de Paris) e Verronais (de Metz), é histórico e assinala bem algumas polêmicas que ocorriam por ocasião do trabalho do Codificador Allan Kardec. Metz é cidade da França próxima à fronteira com Luxemburgo e Alemanha.
O Codificador viveu no Século XIX – época das luzes que provocou grandes descobertas e teorias que modificaram o modo de vida do homem sobre a Terra, sua própria concepção e o papel que ele representa no planeta e no universo. Simultaneamente foi um período de muitas polêmicas e choques na vida política e religiosa da França.
Para situarmos o contexto do ambiente da religião na França, lembramos que após a Revolução Francesa, no período do Terror, Robespierre impôs a religião racionalista e presidiu a cerimônia de introdução de uma bailarina na Catedral de Notre Dame, para caracterizar o estabelecimento do culto da razão.
Poucos anos depois o cônsul Napoleão Bonaparte estabeleceu uma nova relação com a Igreja Católica, tida como oficial até a Revolução, e assinou com o Papa Pio VII a Concordata de 1801, acordo que visava a restauração da Igreja Católica na França pós-revolução. O Catolicismo seria "a religião da grande maioria dos franceses", porém não mais a religião oficial, em respeito ao Protestantismo que se expandia.
Em 1846 Pio IX assume o papado, e exerceu um dos mais longos pontificados da história, até o ano de 1878. Portanto contemporâneo do trabalho do Codificador. Pio IX condenou diversas proposições que contrariavam a visão católica na época. Entre estas, condenava as ideologias do panteísmo, naturalismo, racionalismo, indiferentismo, socialismo, comunismo, maçonaria judaísmo, Igrejas que se apresentavam como cristãs e se propunham a explicar a Bíblia e várias outras formas de liberalismo religioso consideradas incompatíveis com a religião católica. Era tipicamente um conservador.
No seio da própria igreja católica da França surgem inquietações, ou, numa outra ótica, esforços importantes por parte de religiosos como: Félicité Robert de Lamennais (1782-1854), liberal que advogava a separação do Estado da Igreja, a liberdade de consciência, educação e imprensa. Jean-Baptiste-Henri Lacordaire (1802-1861), vigário da Catedral de Notre Dame, que escrevia claramente sobre “o mundo dos corpos e o mundo dos espíritos” e defendia que a “união da liberdade e do Cristianismo seria a única possibilidade de salvação do futuro”, escreveu à Sra. Svetchine, em 20 de junho de 1853, a propósito das mesas girantes:
“Também, mediante essa divulgação, Deus quer talvez proporcionar o desenvolvimento das forças espirituais ao desenvolvimento das forças materiais, a fim de que o homem não esqueça, ante as maravilhas da mecânica, que há dois mundos contidos um no outro, o mundo dos corpos e o mundo dos Espíritos.” Evidentemente que Lamennais e Lacordaire foram punidos pelo Vaticano.
Várias polêmicas se disseminavam no seio da igreja católica francesa. Motivado por discordâncias sobre o dogma da imaculada Conceição e sobre celibatarismo, o padre Jean-Louis Verger assassinou o arcebispo de Paris Marie Auguste Dominique Sibour, em janeiro de 1857.
Aos 9 de outubro de 1861, aconteceu o famoso “auto de fé”, em Barcelona (Espanha), quando foram queimados em praça pública centenas de obras de autoria de Allan Kardec.
Esse foi o contexto vivido por Allan Kardec por ocasião da redação das Obras Básicas do Espiritismo.
Com o título de Imitação do Evangelho segundo o Espiritismo Alan Kardec lançou em Paris em abril de 1864, o livro que interpreta o ensino moral do Cristo. Um mês depois esta foi incluída no Index librorum prohibitorum, a lista de publicações proibidas pela Igreja Católica. Este título foi alterado na segunda edição para O Evangelho segundo o Espiritismo.
Pelo cenário sintetizado, pode-se entender a preocupação do padre R.P. Letierce, em proferir sermões na cidade de Metz, combatendo o Espiritismo. Ele se inseria dentro do contexto católico predominante da época.
Por outro lado, o “espírita de Metz” elaborou argumentação firme e coerente com a Doutrina Espírita para refutar o padre Letierce. Para a época, eram preocupações pertinentes para um espírita que convivia com a fase inicial da elaboração e difusão da Doutrina Espírita. As principais questões levantadas pelo pároco de Metz eram: relacionar Espiritismo como causa de loucura; o Espiritismo como maldade; a tibieza dos espíritas; a “influência dos espíritos do inferno”; a não aceitação do dogma da eternidade das penas; ser uma heresia...
Ao mesmo tempo, no seio do próprio catolicismo francês, já surgiam manifestações significativas, de contemporâneos de Kardec. O abade Marauzeau, em carta dirigida a Allan Kardec: "Mostrai ao homem que ele é imortal. Nada vos pode melhor secundar nessa nobre tarefa do que a comprovação dos Espíritos de além-túmulo e suas manifestações. Só com isso vireis em auxílio da religião, empenhando ao seu lado os combates de Deus". O abade Leçanu, em seu livro História de Satanás anotou: "Observando-se as máximas de O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, faz-se o bastante para se tomar santo na Terra".
As acusações do pároco ficaram completamente ultrapassadas pelos fatos em seguida à publicação do livro em foco, e destacando apenas produções do século XIX: a própria sequência de outras obras de Kardec, como O evangelho segundo o espiritismo (que contém mensagens de Lamennais e de Lacordaire), O céu e o inferno (que contém manifestações do padre Verger).
A gênese e a riquíssima coleção da Revista Espírita; obras de vários autores e de pesquisadores daquele século: Léon Denis, Alexandre Aksakof, Cesare Lombroso, William Crookes, Oliver Lodge, Charles Richet, William James, Gabriel Delanne, e outros. Ainda no século XIX o médico brasileiro Adolfo Bezerra de Menezes publicou o livro A loucura sob novo prisma.
O livro do “espírita de Metz” tem grande valor histórico e, acima de tudo, registra a coragem de um homem que não temia as pressões e perseguições religiosas e demonstrava profunda fidelidade ao nascente Espiritismo.

São Paulo, novembro de 2017

Antonio Cesar Perri de Carvalho

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