O ESPIRITISMO PERANTE
A CIÊNCIA
GABRIEL DELANNE (* 23
MAR 1827 + 15 FEV 1926)
ENSAIO DE TEORIA
Quando interrogamos
os Espíritos sobre a natureza do perispírito, eles nos respondem que este é
tirado do fluido universal do planeta que habitamos. À primeira vista parece
que isto pouca coisa nos adianta, mas estudando a fundo o assunto, vamos ver
que eles estão certos.
Os Espíritos
entendem por fluido universal uma matéria primitiva, da qual provêm todos os
corpos por transformações sucessivas. Para que se justifique esta concepção, é
preciso demonstrar, 1:, que a matéria pode existir em estados diferentes,
simplificando-se sem cessar até o estado inicial; 2:, que a infinita variedade
dos corpos pode ser reconduzida a uma única matéria.
Estabelecidas cientificamente estas proposições, a existência
do fluido universal não será mais contestável. A primeira pergunta a fazer-se é
a seguinte:
Há fluidos?
É quase impossível
duvidar, depois das experiências de Crookes e dos fatos já narrados, mas que se
deverá entender por esta expressão? Em física, fluidos são os corpos líquidos e
gasosos, mas aqui devemos dar a esta palavra uma significação especial, que é
útil bem definir.
Chamamos fluidos
aos estados da matéria em que ela é mais rarefeita do que no estado conhecido
sob o nome de gás. É justificada essa concepção?
Para responder,
escutemos Faraday. Eis como ele se expressava em 1816:
Se imaginarmos um
estado da matéria tão afastado do estado gasoso, quanto é este do estado
líquido, tendo em conta, bem entendido, o acréscimo de diferença que se produz
à medida que o grau da mudança se eleva, poderemos, talvez, desde que nossa
imaginação chegue até aí, conceber mais ou menos a matéria radiante; e, assim,
como ao passar do estado líquido ao gasoso, a matéria perde grande número de
suas qualidades, mais ainda deve perder nesta última transformação.
Esta arrojada
concepção foi desenvolvida pelo grande físico nos anos seguintes e pode-se ler,
nas suas cartas, compiladas por Bence Jones, este trecho: Posso assinalar aqui uma
progressão notável nas propriedades físicas que acompanham as mudanças de
estado; talvez ela baste para levar os espíritos inventivos e ousados a
acrescentar o estado radiante aos outros estados da matéria já conhecidos.
À medida que nos elevamos do estado sólido ao
líquido e deste ao gasoso, vemos diminuir o número e a variedade das
propriedades físicas dos corpos; cada estado apresenta menos algumas que o
precedente. Quando os sólidos se transformam em líquidos, todas as graduações
de rijeza e moleza cessam necessariamente de existir; todas as formas
cristalinas ou outras desaparecem. A opacidade ou a cor são substituídas,
muitas vezes, por uma transparência incolor, e as moléculas adquirem, por assim
dizer, uma mobilidade completa.
Se considerarmos o
estado gasoso, vemos aniquilados grande número de caracteres evidentes dos
corpos. As imensas diferenças que existem entre seus pesos desaparecem quase
inteiramente. Apagam-se os traços das diferentes cores que tinham. Desde então
todos os corpos ficam transparentes e elásticos. Eles não formam mais que um
mesmo gênero de substâncias, e as diferenças de rijeza, opacidade, cor,
elasticidade e forma, que tomam quase infinito o número dos sólidos e dos
líquidos, são desde então substituídas por fracas variações de peso e alguns
matizes sem importância.
Assim, para os que
admitem o estado radiante da matéria, a simplicidade dos problemas que
caracterizam esse estado, longe de ser uma dificuldade, é antes um argumento em
favor de sua existência.
Verificaram até
agora um desaparecimento gradual das propriedades da matéria, à medida que esta
se eleva na escala das formas, e ficariam surpresos se esse efeito parasse no
estado gasoso. Viram a Natureza fazer os maiores esforços para simplificar-se
em cada mudança de estado, e pensam que, na passagem do estado gasoso ao
radiante, esse esforço deve ser mais considerável.
O que era hipótese
para Faraday é certeza para nós. Crookes, demonstrando a existência da matéria
radiante, pôs fora de dúvida a existência dos fluidos. Os corpos, com efeito,
não mudam bruscamente de estado, não passam instantaneamente do sólido para o
líquido; a maior parte ocupa uma posição intermediária, chamada estado pastoso.
Da mesma maneira, os líquidos não se transformam em gás, sem que seja possível
apreciar as gradações que separam esses dois estados. Os vapores são disso um
exemplo. Mas a diferença entre líquidos e gases é ainda diminuída pelas
experiências feitas por Charles Andrew, o qual mostrou que, em certos corpos,
há mistura de estado líquido e gasoso, de maneira a não se poder distinguir se
o corpo pertence a um ou ao outro estado.
A lei de analogia
nos leva, pois, a admitir que entre os gases e o estado radiante existe matéria
em diferentes estados de rarefação, desde os mais grosseiros, que se aproximam
dos gases, aos mais puros que estão no estado radiante.
Se mostrarmos que
as propriedades químicas seguem a mesma ordem de progressão decrescente, à
medida que se sobe na escala das famílias químicas, dizendo de outro modo, se
fizermos ver que pode supor-se que não existe senão uma só matéria, da qual
derivam todos os corpos que conhecemos, por transformações sucessivas, estaremos
bem perto de tocar o fluido universal de que nos falam os Espíritos. Vejamos se
a unidade de matéria é uma ideia aceitável.
O sábio químico
Wurtz escreveu na Teoria Atômica: A ideia da unidade de matéria é renovada, proveniente
de Descartes, porquanto é uma verdade que, quando se trata do eterno e
insolúvel problema da matéria, o espírito humano parece girar dentro de um
círculo, perpetuando-se as mesmas ideias através dos tempos e apresentando-se
sob formas rejuvenescidas às inteligências de elite que têm procurado sondar
este problema.
Mas não existe uma
certa diferença na maneira de operar desses grandes espíritos? Sem dúvida
alguma. Uns, mais vigorosos talvez, mas mais aventureiros procederam por
intuição; outros, melhor armados e mais severos, por indução racional. Aí está
a superioridade dos métodos modernos, e seria injusto pretender que os esforços
consideráveis, de que temos sido as testemunhas comovidas, não tenham impelido
mais para frente o espírito humano no problema árduo de que se trata, como não
o puderam fazer um Luciécio e um Descartes.
Muitos sábios modernos foram levados, por
suas pesquisas, à conclusão de que se deve admitir a unidade da matéria.
Examinando, com efeito, as relações que existem entre as diferentes famílias
químicas dos corpos, seremos obrigados a aplicar-lhes, por analogia, as mesmas
leis transformistas das famílias naturais dos animais. É que temos, em nossa
época, uma invencível tendência para a síntese e para a simplificação. Tanto
quanto os antigos multiplicavam as causas nós temos hoje o cuidado de
eliminá-las. Mas não basta supor, é
preciso ter provas.
Uma das mais fortes que se podem fornecer
é a que se chama, em química, estados alotrópicos. Certas substancia podem ter
propriedades inteiramente diferentes, sem mudar de natureza quimicamente
falando. Assim, o fósforo pode apresentar aspecto vermelho, branco ou preto,
conforme a maneira de prepará-lo. O que há de mais notável é que o fósforo
vermelho e o fósforo ordinário apresentam tais diferenças, que seríamos
tentados a considerá-los distintos; analisados, entretanto, pelos mais
precisos métodos, não apresentam diferença alguma: são sempre fósforo.
A transformação se
opera expondo-se no vazio barométrico o fósforo branco à ação dos raios do Sol;
cremos que nenhum caso melhor demonstraria que as propriedades dos corpos são
devidas apenas ao arranjo dos átomos que os estruturam.
O ozônio é também uma modificação
alotrópica do oxigênio. O carbono mostra tão múltiplos aspectos, propriedades
tão diferentes nos alotrópicos que forma, que só é reconhecido pela sua
infusibilidade e pela propriedade de produzir ácido carbônico, queimando no
oxigênio. Ele se apresenta, a princípio, cristalizado, é o diamante; depois sob
a forma de grafite, antracite, coque, pó de sapato, carvão... Todos esses
corpos têm composição idêntica, mas apresentam propriedades diferentes, segundo
o modo de reunião de seus átomos. Somos, pois, induzidos a crer que só existe
uma única matéria, revestindo, entretanto, aspectos diferentes. Eis uma
observação que demonstra estarmos com a verdade.
Tratando da análise espectral, Zoborowski
refere as seguintes experiências: Com o fim de determinar as temperaturas das
diversas partes do Sol, tomaram-se fotografias dos espectros dessas diferentes
partes. Cada corpo em combustão assinala, como se sabe, sua presença, na luz
decomposta em seus elementos ou espectral, por raias particulares.
Demonstrou-se que o alargamento das raias da platina é correlativo à elevação
da temperatura. Foi, assim, possível tirarem-se, com proveito, fotografias dos
espectros de grande número de estrelas. E, de conformidade com a hipótese de
Laplace, verificou-se que estes astros estão em diferentes estados de
condensação. As estrelas brancas, mais ardentes, contêm hidrogênio em
abundância e em alta pressão; as estrelas brilhantes se aproximam da
constituição do nosso Sol; as estrelas avermelhadas são muito menos quentes.
Apagando-se, passam ao estado dos planetas obscuros. Nasceram das nebulosas. É
pelo menos a grande hipótese clássica desde Laplace. Esta hipótese, porém, só
será verificável porque a fotografia, permitindo que se apanhem e conservem as
imagens das nebulosas em diversas épocas, através dos séculos, dar-nos-á os
meios de seguir as transformações destas matérias cósmicas, espécie de
protoplasma que gera os mundos.
Com um fim um pouco diferente Lockyer
(1879) e Huggins (1882) fotografaram os espectros de uma série de nebulosas, das
mais densas às mais rarefeitas; chegaram a reconhecer que o número dos corpos
simples diminui à medida que se passa das primeiras às segundas. Os espectros
fotográficos dos mais rarefeitos só revelam hidrogênio e fósforo.
É verdadeiramente a
confirmação das vistas expostas mais acima sobre a unidade da matéria. A
correlação assinalada por Faraday, entre o estado cada vez mais rarefeito da
matéria e a perda conexa das principais propriedades que a caracterizavam,
dá-nos o direito de dizer que existe um estado radiante da matéria que forma o
fluido universal. É desse meio que é tirado o perispírito.
Isto posto,
procuremos ver o que se passa numa materialização. Para tal é preciso bem
saber o que é a própria matéria e a que agente são devidas suas propriedades.
Todos os corpos são
compostos de partes infinitamente pequenas, chamadas átomos; para se ter uma
ideia de sua tenuidade, tomemos uma substância corante e constataremos que ela pode tingir vários
milhões de vezes seu volume de água, isto é, que as moléculas que constituem
este corpo, se espalharam na massa total do líquido, dividindo-se cada vez
mais. Em vista disso poder-se-ia crer que os corpos são indefinidamente divisíveis,
o que seria um erro, porque a lei das proporções definidas é um argumento sem
réplica que se pode invocar em favor de uma divisibilidade limitada. Estes
átomos que estruturam todos os corpos não se tocam; são colocados uns ao lado
dos outros, e agrupados por uma força chamada coesão; todos os corpos da
natureza nos aparecem, pois, como coleções de átomos ou de moléculas reunidas
diversamente, daí tenderem as novas concepções científicas a considerar os
fenômenos como movimentos moleculares ou de transporte no espaço.
A matéria é inerte,
incapaz de por si mesma entrar em movimento; quando se verifica um deslocamento
num corpo, houve uma força que o fez sair do estado de inércia. Pode-se dizer,
portanto, que o movimento é a expressão da força, mas esta força pode agir de
diferentes maneiras, quer deslocando o corpo no espaço, quer determinando
mudanças em seu estado molecular. Por exemplo, se com o dedo mantém-se uma
corda de violino afastada da sua posição de repouso, as moléculas que formam esta
corda tendem a retomar sua primeira posição, exercem uma pressão sobre o dedo,
há, pois, trabalho molecular interno; se, ao contrário, retira-se o dedo, a
corda põe-se em movimento e o trabalho molecular que produzia a pressão se
converte em movimentos de transporte que se executam de um lado e de outro da
posição de repouso da corda; o vaivém se amortece progressivamente pela
resistência do ar e dos pontos pelos quais as cordas se prendem ao violino.
Esta teoria
estabelece, em princípio, que as qualidades dos corpos são devidas aos
movimentos particulares de que são animados os átomos ou as moléculas de cada
substância. As propriedades químicas seriam devidas a agrupamentos diferentes
de átomos; sem dúvida não se pode supor atualmente a que espécie de movimentos
constitutivos é devida, por exemplo, a diferença entre o ouro e a prata, mas a
ideia de que é nestes movimentos que ela reside, nem por isso é hoje menos
universalmente aceita.
Não se apregoe que esta teoria seja
forjada para as necessidades de nossa causa; depois do descobrimento da
transformação e da conservação da força, é a única que se pode compreender, e
se a encontrará exposta na psicofísica do professor Delboeuf.
Se esta concepção moderna é verdadeira, o
Universo apareceria à nossa inteligência, suposta perfeita, como sendo
composto de grupos diferentes de átomos, grupos moveis no espaço, enquanto
todos os átomos oscilam em torno de um centro de equilíbrio; as variedades
proviriam de agrupamentos diferentes, ou do sentido da amplidão e da rapidez
das vibrações dos átomos.
Tudo é movimento. Do átomo invisível ao
corpo celeste perdido no espaço, tudo é submetido ao movimento, tudo gravita
em uma órbita imensa ou infinitamente pequena. Mantidas a uma distância
definida, umas das outras, em razão mesma do movimento que as anima, as
moléculas apresentam relações constantes que só perdem pela aquisição ou
subtração de certa quantidade de movimento. Segundo a rapidez das vibrações
dos átomos as substâncias serão em estado sólido, líquido, gasoso ou radiante.
Para fazer um corpo passar por esses
diferentes estados, empregamos com maior frequência o calor, que não é senão
um estado vibratório do éter, mas não sabemos se outros agentes têm o mesmo
poder, isto é, não podem fazer passar as diferentes substâncias pelos estados
sólido, líquido e gasoso.
Os Espíritos nos ensinaram que a vontade é
uma força considerável, por meio da qual eles agem sobre os fluidos; é pois, a vontade que determina as combinações dos
fluidos; eles podem, por sua ação, fazer todas as manipulações fluídicas que
lhes aprouver, mas para materializar essas criações fluídicas eles têm necessidade
de um agente essencial: o fluido vital. Só o encontram, capaz de preencher as
condições necessárias para a materialização, no organismo humano, donde a
presença indispensável de um médium.
Conhecido isto,
como conceber que um Espírito possa primeiro mostrar-se-nos e, em seguida,
materializar-se?
Para que o Espírito
se mostre é preciso que ele extraia o fluido vital do organismo do encamado.
Por meio desse agente, ele produz em
seu envoltório uma alteração molecular que de translúcido o torna opaco.
Encontra-se um efeito análogo, posto que inverso, quando se estudam as
propriedades de certas substâncias, como o hidrofânio, rocha silicosa opaca, que se torna transparente, quando mergulhada
na água. Dá-se o mesmo com uma folha de papel untada dum corpo gorduroso. A
opacidade é devida à reflexão da luz sobre as diferentes parcelas do papel; mas
a interposição de uma substância que impeça a reflexão, permite a luz
atravessar o corpo e, por consequência, produz-se a transparência.
Efeito inverso se nota com os Espíritos.
Aliás, basta examinar a condensação de um vapor num tubo, para compreender-se
como pode o perispírito, sob a influência da vontade e do fluido vital,
materializar-se.
O invólucro fluídico que reproduz,
geralmente, a aparência física que o Espírito tinha em sua última encarnação, possui
todos os órgãos do homem, de sorte que, diminuindo o movimento molecular
radiante desse invólucro, ele aparece, a
princípio, sob um aspecto vaporoso, como no caso da inspetora de Riga; depois o
fluido vital do médium se vai acumulando no corpo fluídico, e lhe comunica,
momentaneamente, uma vida fictícia, que é tanto mais intensa quando maior
quantidade de fluido despende o médium. É esta a razão por que os médiuns de
materialização ficam mergulhados em catalepsia.
Pôde-se observar, nos casos narrados de
desdobramento, que não parecia necessária à presença de um médium. É que o
próprio encamado fornecia o fluido vital indispensável, ele era seu próprio
médium, e seu duplo tinha uma realidade mais ou menos tangível, conforme a sua
abundância de fluidos.
Circunstância que parece estranha é a
desaparição súbita do espírito materializado. Dir-se-ia que o perispírito, que
se materializou lentamente, deve repassar por fases inversas para voltar ao
estado fluídico. Isto, porém, se compreende, sabendo-se que a água, mesmo em
estado sólido, tem certa tensão de vapor. Não é raro ver-se o gelo desaparecer,
sem ter passado pela fusão; ele passa bruscamente ao estado de vapor, e, neste
caso, devemos admitir, o que já reconhecia
o naturalista Plínio, que houve vaporização imediata.
Este fenômeno foi estudado por Gay Lussac
e Regnault, que operaram até 52° abaixo de zero. Certos corpos sólidos, como o
iodo e a cânfora, passam também diretamente ao estado gasoso. É fácil
compreender que se produz algo semelhante na desaparição súbita de um espírito
materializado.
Para que nossa demonstração fosse
completa, seria preciso que se pudessem fazer experiências que estabelecessem a
subministração do fluido vital ao organismo do Espírito. Nada ainda foi tentado
com este objetivo e é difícil, em vista do pouco tempo em que estes fenômenos
são estudados cientificamente, determinando-lhes todas as leis. Mas seja como
for, acreditamos que nossa teoria pode ser aceita para explicar os fatos, e
seremos muito felizes se estes dados puderem servir ao esclarecimento destas
questões, ainda tão pouco conhecidas.
Não temos a pretensão de impor nossa
convicção a quem quer que seja; contentamo-nos em trazer nossa pedra ao grande
edifício científico que se erguerá dentro em pouco, e que terá por base esses
estados fluídicos, hoje tão pouco estudados.
Essa maneira de
encarar o perispírito, permitir-nos-á compreender mais facilmente o papel que
ele goza durante a vida do Espírito. Vamos resumir, segundo Allan Kardec, o que
sabemos sobre o assunto.
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