
Os sinais da mão nada mais são, nesse caso, do que um pretexto, um meio de fixar a atenção, de
desenvolver a lucidez, como o são as cartas, a borra de café, os espelhos ditos mágicos, para os indivíduos que
dispõem dessa faculdade. A experiência me confirmou de novo a justeza dessa
opinião.
Seja como for, aquela senhora, tendo-me convidado a ir visitá-la, acedi
ao seu convite e eis aqui um resumo do que ela me disse: “Nascestes com grande abundância
de recursos e de meios intelectuais... extraordinária força de raciocínio...
Formou-se o vosso
gosto; governado pela cabeça, moderais a inspiração pelo raciocínio;
subordinais o instinto, a paixão, a intuição ao método, à teoria.
Tivestes sempre
pendor para as ciências morais...
Amor da verdade
absoluta... Amor da Arte definida.
“Tem número, medida e cadência o vosso estilo;
mas, por vezes, trocaríeis um pouco da sua precisão por uma certa poesia.
“Como filósofo
idealista, estivestes sujeito à opinião de outrem; como filósofo crente,
experimentais agora a necessidade de formar seita.
“Benevolência
judiciosa; necessidade imperiosa de aliviar, de socorrer, de consolar;
necessidade de independência.
“Muito demoradamente
vos corrigis da subitânea impulsão do vosso humor.
“Éreis singularmente
apto para a missão que vos está confiada, porquanto o vosso
feitio é mais para vos tornardes o centro de imensos desenvolvimentos, do que
capaz de trabalhos insulados...
Vossos olhos têm o
olhar do pensamento.
“Vejo aqui o sinal da
tiara espiritual... É bem
pronunciado...
Vede.” (Olhei e nada
vi de particular.)
Que entendeis,
perguntei-lhe, por tiara espiritual?
Querereis dizer que
serei papa? Se tal houvesse de acontecer, não seria decerto
nesta existência.
Resposta — Deveis notar que eu disse tiara
espiritual, o que significa: autoridade moral e religiosa e
não soberania efetiva.”
Reproduzi pura e
simplesmente as palavras daquela senhora, por ela mesma
transcritas. Não me compete julgar se são exatas sobre todos os pontos. Algumas, reconheço-as
verdadeiras, porque estão de acordo com o meu caráter e com as disposições do
meu espírito.
Há, porém, uma
passagem evidentemente errônea, a em que ela diz, a propósito do meu estilo,
que eu às vezes trocaria algo da minha precisão por um pouco de poesia.
Nenhum instinto
poético existe em mim; o que procuro, acima de tudo, o que me agrada, o que
aprecio nos outros é a clareza, a limpidez, a precisão e, longe de sacrificar esta à
poesia, o que se me poderia reprochar fora o sacrificar o sentimento poético à sequidão
da forma positiva.
Preferi sempre o que
fala à inteligência ao que apenas fala à imaginação.
Quanto à tiara
espiritual, O Livro dos Espírito acabava de aparecer; a Doutrina estava em seus
primórdios e não podia ainda prejulgar dos resultados que ulteriormente daria.
Nenhuma importância, pois, liguei a essa
revelação e me limitei a anotá-la a título informativo.
No ano seguinte a
Sra. de Cardone deixou Paris e não tornei a vê-la, senão oito anos depois, em 1866,
quando as coisas já tinham caminhado bastante. Disse-me ela: Lembra- se da
minha predição acerca da tiara espiritual?
Aí a tem realizada. —
Como realizada? Que eu o saiba, não me acho no trono de S. Pedro. — Não,
decerto; mas, também, não foi isso o que lhe anunciei.
O senhor não é, de fato, o chefe da Doutrina, reconhecido pelos
espíritas do mundo inteiro? Não são os seus escritos que fazem lei? Não se
contam por milhões os seus correligionários? Em matéria de Espiritismo, haverá
alguém cujo nome tenha mais autoridade do que o seu? Os títulos de
sumo-sacerdote, de pontífice, mesmo de papa, não
lhe são dados espontaneamente?
São-no, sobretudo, pelos seus adversários e por ironia, bem o sei, mas nem por isso o fato deixa de
indicar de que gênero é a influência que eles lhe reconhecem, porque pressentem
qual o papel que lhe cabe.
Assim, esses títulos lhe
ficarão.
Em suma, o senhor conquistou, sem a buscar, uma posição moral que
ninguém lhe pode tirar, dado que, sejam quais forem os trabalhos que se
elaborem depois dos seus, ou concomitantemente
com eles, o senhor será sempre o proclamado fundador da Doutrina.
Logo, em realidade, está com a tiara espiritual, isto é, com a supremacia moral.
Reconheça, portanto, que eu disse a verdade.
Acredita agora, mais um pouco, nos sinais das mãos?
— Menos que nunca e estou convencido de que, se a senhora viu alguma
coisa, não foi na minha mão, mas no seu próprio espírito e vou prová-lo.
Admito que nas mãos,
como nos pés, nos braços e nas outras partes do corpo, existem certos sinais
fisiognomônicos; mas, cada órgão
apresenta sinais particulares, conforme o uso a que é sujeito e conforme as suas relações com o
pensamento.
Os sinais das mãos
não podem ser os mesmos que os dos pés, dos braços, da boca, dos olhos, etc.
Quanto ao pregueado
da palma das mãos, a maior ou menor acentuação que apresentam resulta da
natureza da pele e da maior ou menor quantidade de tecido celular.
Como essas partes em
nenhuma correlação fisiológica estão com os órgãos das faculdades intelectuais
e morais, não podem ser a expressão dessas faculdades. Mesmo admitindo-se que
haja essa correlação, elas poderiam fornecer indicações sobre o estado atual do
indivíduo, mas não poderiam constituir
sinais de presságios de coisas futuras, nem de acontecimentos passados e
independentes da vontade do mesmo indivíduo.
Na primeira hipótese,
eu, a rigor, compreenderia que, com o auxílio de tais lineamentos, se pudesse
dizer que uma pessoa possui esta ou aquela aptidão, este ou aquele pendor; o mais
vulgar bom-senso, porém, repeliria a ideia de
que se possa ver ali se ela foi casada ou não, quantas vezes e o número de filhos que teve, se é viúva ou não, e
outras coisas semelhantes, como o pretende a maioria dos quiromantes.
Entre as linhas das mãos, há uma que toda gente conhece e que
representa bem um M. Se é bastante acentuada, pressagia, dizem, uma vida
infeliz (malheureuse); porém, a palavra malheur (infelicidade) é
francesa e ninguém se lembra de que, nas outras línguas, a palavra que a essa corresponde
não começa pela mesma letra, donde se segue que a linha em questão deveria
apresentar formas diferentes, de acordo com as
línguas dos povos.
Quanto à tiara espiritual, é, evidentemente, uma coisa
especial, excepcional e, até certo ponto, individual e eu
estou convencido de que a senhora não encontrou essa expressão no vocabulário de nenhum tratado de
quiromancia.
Como então lhe veio ela à mente?
Pela intuição, pela inspiração,
por essa espécie de presciência peculiar à dupla vista de que muitas pessoas são dotadas sem o suspeitarem.
Sua atenção estava concentrada nos lineamentos da mão, a senhora fixou
o pensamento num sinal em que outra pessoa teria visto coisa muito diversa, ou a que a senhora
mesmo atribuiria significação diferente, se se tratasse de
outro indivíduo.
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