Livro: Coletânea do Além
Irmão X & Chico Xavier
Conta-se que certo cristão
de recuados tempos, após reconhecer a grandeza do Evangelho, tomou-se de
profunda ansiedade pela completa integração com o Senhor.
Ouvia, sequioso de paz
celeste, as preleções dos missionários da Revelação Divina e, embora tropeçasse nos
caminhos ásperos da Terra, permanecia em perene contemplação do Céu, repetindo:
-
Jamais serei como os outros homens, arruinados
e falidos na fé!
-
Oh!
meu Salvador, - suspiro pela eterna
união contigo!
De fato, conquanto não
guardasse o fingimento do fariseu, em pronunciando semelhantes palavras, fixava
as lutas e fraquezas do próximo, com indisfarçável horror.
Assombravam-no os conflitos
humanos e as experiências alheias repercutiam-lhe na alma, de maneira
angustiante. Não seria melhor retrair-se? ponderava amedrontado.
Não seria razoável
refugiar-se na oração e aguardar o encontro divino?
Figurava-se-lhe o mundo
velho campo lodoso, ao qual era indispensável fugir.
Concentrado em si mesmo, adotou
o isolamento como norma a seguir no trato com os semelhantes. Desligado de
todos os interesses do trabalho humano, vivia em prece continua, na expectativa
de absoluta identificação com o Mestre.
Se alguma pessoa lhe
dirigia a palavra, respondia receoso, utilizando monossílabos apressados.
Pesados tributos de sofrimentos exigia a vida de bocas levianas e insensatas e,
por isso, temia oferecer opiniões e pareceres. Nas assembleias de oração, quase nunca era visto em
companhia de outrem. Desviava-se de tudo e de todos na sua sede de Jesus
Cristo. À noite, sonhava com a sublime união e, durante o dia, consagrava-se a
longos exercícios espirituais absorvido na preparação do dia glorioso.
Nem por isso, contudo, a
vida deixava de acenar-lhe ao espírito, convidando-lhe o coração ao esforço
ativo. No lar, no templo, na via pública, o mundo chamava-o a pronunciamento em
setores diversos.
Entretanto, mantinha-se
inflexível. Detestava as uniões terrestres, desdenhava os laços afetivos que
unem os seres, zombava de todas as realizações planetárias e punha toda a sua
esperança na rápida integração com o Salvador.
Si encontrava companheiros cogitando de serviços
públicos, recordava os tiranos e os exploradores da confiança pública, asseverando
que semelhantes atividades constituíam um crime.
À frente de obrigações administrativas, afirmava que a
secura e a dureza caracterizam a atitude dos que dirigem as obras terrenas e, perante
os servidores leais em ação, classificava-os à conta de bajuladores e escravos
inúteis. Examinando a arte e a beleza, desfazia-se em acusações gratuitas,
definindo-as por elemento de exaltação condenável da carne transitória e,
observando a ciência, menoscabava-lhe as edificações.
Unir-se-ia a Jesus, -, ponderava sempre - e jamais
entraria em acordo com a existência no mundo.
Se companheiros abnegados lhe pediam colaboração em
serviços terrestres, perguntava:
- Para quê? E acrescentava:
-
Os felizes são bastante endurecidos para se
aproveitarem de meu concurso, e os infelizes bastante desesperados,
merecendo, por isso mesmo, a purificação pela dor.
-
Não perturbarei meu trabalho, seguirei ao
encontro de meu Senhor.
E de tal modo viveu apaixonado pela glória do encontro
celeste que se retirou, um dia, do corpo, pela influência da morte, revestido
de pureza singular. Na leveza das almas tranquilas, subiu, orgulhoso de sua
vitória, para ter com o Senhor e com Ele identificar-se para sempre.
No esforço de ascensão, passava por velhos
desiludidos, mães atormentadas, pais sofredores, jovens sem rumo e espíritos
infortunados de toda sorte... Não lhes deu atenção, todavia. Suspirava por
Cristo, pretendia-lhe a convivência para a eternidade. Peregrinou dias e
noites, procurando ansiosamente, até que, em dado instante, lhe surgiu aos
olhos maravilhados um palácio deslumbrante. Luzes sublimes banhavam-no todo e,
lá dentro, harmonias celestes se faziam ouvir em deliciosa surdina.
O crente ajoelhou-se e chorou de júbilo intenso.
Palpitava-lhe descompassado o coração amante. Ia,
enfim, concretizar o longo sonho.
Contudo, antes que se dispusesse a bater junto à
portaria resplandecente, aparece-lhe um anjo, diante do qual se prosterna,
extasiado e feliz.
Quis falar, mas não pode. A emoção embargava-lhe a
voz, todavia, o mensageiro afagou-lhe a fronte e exclamou compassivo:
- Jesus compadeceu-se de ti e mandou-me ao teu
encontro.
- Estamos no Reino do Senhor? - inquiriu, afinal, o
crente venturoso.
-
Sim, - respondeu o emissário angélico, - temos à frente o inicio de vasta região
bem-aventurada do Reino.
- Posso entrar? - indagou o cristão contente.
O anjo fixou nele o olhar melancólico e informou:
- Ainda não, meu amigo.
E ante o interlocutor, profundamente decepcionado,
continuou:
-
Realizaste a fiel adoração do Mestre, mas não
executaste o trabalho do Pai.
Teu coração, em verdade, palpitou pelo Cristo,
entretanto, Jesus não se enfeita de admiradores apaixonados como as árvores que se
adornam de orquídeas.
Não pede cortejadores para a sua glória e sim espera
que todos os seus aprendizes sejam também glorificados. Por isso, em sua passagem
pela Terra, nunca se afirmou proprietário do mundo ou doador de bênçãos.
Antes, atendeu a todos os sublimes deveres do serviço
comum convidando os homens a cumprir os
superiores desígnios do nosso Eterno Pai.

Estabelecera-se
longa pausa que o mísero desencarnado não ousou interromper.
O
mensageiro, porém, acariciando-o com bondade, observou ainda:
-
Volta, meu amigo, e completa a realização
espiritual!
Não
procures Jesus como admirador apaixonado, mas inútil...
Torna
ao plano terrestre, luta, chora, sofre e ajuda no círculo dos outros homens!
A
dor conferir-te-á dons divinos, o trabalho abrir-te-á portas benditas de
elevação, a experiência
encher-te-á o caminho de infinita luz e a cooperação entregar-te-á tesouros de
valor imortal! Não necessitarás, então, procurar o Senhor, como quem busca um
ídolo, porque o Senhor te procurará como amigo fiel!
Volta
e não temas!
Nesse
momento, algo aconteceu de inesperado e doloroso.
Desapareceram
o palácio, o anjo e a paisagem de luz...
Estranha
escuridão pesou no ambiente e, quando o pobre desencarnado tornou a sentir o
beijo da luz nos olhos lacrimosos, encontrava-se, no mesmo lar modesto de onde
havia saído, ansioso agora por retomar o trabalho da realização divina noutra
forma carnal.
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