A lei superior do universo é o progresso incessante, a ascensão
dos seres até Deus, foco das formas mais rudimentares da vida. Por uma escala infinita,
por meio de transformações inumeráveis, nos aproximamos dele.
No íntimo de cada alma, está depositado o germe de todas as
faculdades, de todas as potências, competindo-nos, portanto, o dever de
fazê-las frutificar pelos nossos esforços e trabalhos. Entendida desse modo, a
nossa obra é a do adiantamento e da felicidade futura. O favoritismo não tem
mais razão de ser. A justiça irradia sobre o mundo: se todos houverem lutado e sofrido,
todos serão salvos.
Da mesma forma se revela aqui, em toda a sua grandeza, a
necessidade da dor, sua utilidade para o adiantamento dos seres. Cada globo que
rola pelo espaço é um vasto laboratório onde a substância espiritual é
incessantemente trabalhada. Assim como o mineral bruto, sob a ação do fogo ou
das águas, se transforma pouco a pouco em metal puro, assim também a alma,
incitada pelo aguilhão da dor, se modifica e fortalece. É no meio das provações
que se retemperam os grandes caracteres. A dor é a purificação suprema, a
fornalha onde se fundem os elementos impuros que nos maculam: o orgulho, o
egoísmo, a indiferença. É a única escola onde se depuram as sensações, onde se
aprendem a piedade e a resignação estoica. Os gozos sensuais, prendendo-nos à
matéria, retardam a nossa elevação, enquanto o sacrifício e a abnegação nos
liberam com antecedência dessa espessa atmosfera, preparando-nos para outra
ordem de coisas e para uma ascensão mais elevada. A alma, purificada,
santificada pelas provas, vê cessar suas encarnações dolorosas. Deixa para
sempre as esferas materiais e eleva-se na escala magnífica dos mundos felizes.
Percorre o campo ilimitado dos espaços e das idades. Cada conquista que fizer
sobre suas paixões, cada passo que der para diante, fará alargar os seus
horizontes e aumentar a sua esfera de ação; perceberá cada vez mais
distintamente a grande harmonia das leis e das coisas, concorrendo nelas de um
modo mais íntimo e eficaz. Então, o tempo desaparece para ela, os séculos
escoam- se como se fossem segundos. Unida a suas irmãs, companheiras da eterna
viagem, continua assim o seu progresso intelectual e moral no seio de uma luz sempre em aumento.
Das nossas observações e pesquisas, resulta também o conhecimento de
uma grande lei: a pluralidade das existências da alma. Vivemos antes de termos
nascido e viveremos depois da morte. Essa lei dá a chave de problemas até então
insolúveis, pois explica a desigualdade das condições, a variedade infinita das aptidões e dos caracteres.
Conhecemos ou teremos de conhecer sucessivamente todas as fases da vida terrestre,
atravessaremos todos os meios. No passado, éramos como os selvagens que povoam
as regiões atrasadas; no futuro, poderemos elevar-nos à altura dos gênios
imortais, desses grandes Espíritos que, semelhantes a focos luminosos, esclarecem
o caminho da humanidade. A história da humanidade é a nossa própria história.
Com a humanidade, percorremos as vias árduas, suportamos as evoluções seculares
que estão relatadas nos anais das nações. O tempo e o trabalho: eis os
elementos do nosso progresso.
Essa lei da reencarnação mostra de um modo notável a soberana justiça
reinando sobre os seres. Alternadamente, construímos e quebramos os nossos
próprios grilhões. As provas terríveis, suportadas por certas criaturas, são
consequentes da sua conduta passada. O déspota renascerá como escravo; a mulher
altiva e vaidosa da sua beleza habitará um corpo enfermo, sofredor; o ocioso se tornará mercenário, curvado sob uma
tarefa ingrata. Quem tiver feito sofrer, a seu turno, sofrerá. É inútil
procurar o inferno em regiões desconhecidas e longínquas, pois ele está em nós;
se oculta nos recessos ignorados da alma culpada, e somente a expiação pode fazer
cessar as suas dores. Não há penas eternas.
Mas, dizem alguns, se o nosso nascimento foi precedido por outras vidas,
qual a razão por que não nos recordamos delas? Como poderíamos fazer a nossa
expiação, desconhecendo a origem das faltas passadas?
A lembrança! Não seria esta antes um pesado fardo preso aos nossos
pés? Saídos apenas das épocas do furor e da bestialidade, qual poderia ter sido
o passado de cada um? Ao longo das fases por que passamos, quantas lágrimas
vertidas, quanto sangue espalhado por nossa causa! Conhecemos o ódio e
praticamos a injustiça. Como se tornaria acabrunhadora essa longa perspectiva
de faltas para um Espírito ainda débil e contristado!
E, além disso, não estaria o nosso passado preso de maneira íntima
ao passado dos outros? Que situação para o culpado que se visse marcado a ferro
em brasa por toda a eternidade! Pela mesma razão, os ódios, os erros se
perpetuariam, causando divisões profundas, intermináveis, no seio dessa humanidade
já tão atribulada. Deus fez bem em apagar dos nossos fracos cérebros a
lembrança de um passado temível. Depois de beber as águas do Letes, renascemos
para uma nova vida. Uma educação diferente e uma civilização mais vasta fazem
desvanecer as quimeras que outrora ocuparam o nosso espírito. Aliviados dessa
bagagem embaraçosa, avançamos mais rapidamente no caminho que se nos apresenta.
Entretanto, esse passado não está de tal forma apagado que
deixamos de entrever-lhe alguns vestígios. Se, desprendendo-nos das influências
exteriores, descermos ao fundo do nosso ser, se analisarmos escrupulosamente os
nossos gostos, as nossas aspirações, descobriremos coisas que coisa alguma em
nossa existência atual ou mesmo na educação recebida pode explicar. Partindo daí, chegaremos a reconstituir esse
passado, senão em seus pormenores, ao menos em seu conjunto. As faltas que
acarretam nesta vida uma expiação necessária, embora estejam momentaneamente
apagadas da nossa recordação, não deixam por isso de subsistir, ao menos em sua
causa primordial, isto é, em nossas paixões e em nosso caráter fogoso, que
devem ser domados e corrigidos em novas encarnações.
Assim, pois, se deixamos sobre os vestíbulos da vida as mais
perigosas lembranças, trazemos, entretanto, os frutos e as consequências dos
trabalhos realizados, isto é, uma consciência, um discernimento, um caráter, tal
como nós mesmos os formamos. As ideias inatas não são mais que a herança
intelectual e moral que vêm das nossas vidas passadas.
Todas as vezes que se abrem para nós as portas da morte e quando, libertos
do jugo material, a nossa alma desprende-se da sua prisão de carne para entrar
no mundo dos Espíritos, então o passado lhe reaparece completamente. Uma após
outra, sobre a rota seguida, tornamos a ver nossas existências, nossas quedas,
nossas paradas, nossas marchas apressadas.
Julgamo-nos a nós mesmos, ao medirmos o caminho percorrido. No espetáculo
dos nossos méritos ou deméritos, encontramos a recompensa ou o castigo.
Sendo o alvo da vida o aperfeiçoamento intelectual e moral do ser,
que condição, que meio nos convirá melhor para podermos atingi-lo? O homem pode
trabalhar pelo seu aperfeiçoamento em qualquer condição, em qualquer meio
social, entretanto, será mais bem-sucedido sob certas e determinadas condições.
A riqueza concede ao homem poderosos meios de estudo, permite-lhe
dar ao seu espírito uma cultura mais desenvolvida e perfeita, dispensa-lhe
maiores faculdades para aliviar seus irmãos infelizes, para contribuir com
obras úteis em benefício da sorte destes. Mas são raras essas pessoas que
consideram um dever o trabalhar pelo alívio da miséria, pela instrução e pelo
melhoramento dos seus semelhantes.
A riqueza quase sempre esteriliza o coração humano; extingue essa chama
interna, esse amor do progresso e dos melhoramentos sociais que anima as almas
generosas: interpõe uma barreira entre os poderosos e os humildes; faz viver
numa esfera onde não comparticipam os deserdados do mundo, e na qual, por
conseguinte, as necessidades, os males destes são ignorados, desconhecidos.
A miséria tem também seus perigos terríveis: a degradação dos
caracteres, o desespero, o suicídio. Mas enquanto a riqueza nos torna
indiferentes e egoístas, a pobreza, aproximando-nos dos humildes, faz
apiedarmo-nos das suas dores. É necessário que nós mesmos soframos para
podermos avaliar os sofrimentos de outrem. Enquanto os poderosos, no seio das
honras, se invejam reciprocamente e procuram rivalizar em pompas, os pequenos, unidos
pela necessidade, vivem às vezes em afetuosa fraternidade.
Observai os pássaros nos meses de inverno, quando o céu está
sombrio e a Terra coberta com um alvo manto de neves: aconchegados uns aos
outros à beira dum telhado, reaquecem-se mutuamente em silêncio.
A necessidade os une. Voltam, porém, os dias belos, o Sol
resplandecente, a colheita é abundante, e então, cada um trata de si,
perseguem-se, guerreiam- se, despedaçam-se. Assim é o homem. Dócil, afetuoso
para os seus semelhantes nas ocasiões da necessidade, a posse dos bens
materiais torna-o quase sempre esquecido e intratável.
Uma condição modesta convirá melhor ao Espírito que deseja
progredir e conquistar as virtudes necessárias à sua ascensão moral. Longe do turbilhão
dos prazeres enganosos, julgará melhor a vida. Tomará da matéria tudo o que é
preciso para a conservação dos seus órgãos, mas evitará cair em hábitos
perniciosos, para não se tornar joguete de inumeráveis necessidades factícias
que são os flagelos da humanidade. Será sóbrio e laborioso, contentando-se com
pouco, preferindo, acima de tudo, os prazeres da inteligência e as alegrias do
coração.
Assim fortificado contra os assaltos da matéria, o homem prudente e
inspirado pela luz da razão verá resplandecer os seus destinos. Esclarecido sobre
o alvo da vida e sobre o porquê das coisas, permanecerá firme, resignado na
dor; saberá aproveitar-se desta vida para sua depuração e seu adiantamento;
afrontará a provação com coragem, pois sabe que ela é salutar e que as suas
impressões servirão para espremer o fel que está em si.
Se alguém o ridiculariza, se o tornam vítima da injustiça e da
intriga, ele aprenderá a suportar pacientemente os seus males, ao lembrar-se
dos antepassados: Sócrates bebendo a cicuta, Jesus pregado na cruz, Joana d’Arc
atirada à fogueira. Consolar-se-á com o pensamento de que seres maiores, mais
virtuosos, mais dignos sofreram e morreram pela humanidade.
Enfim, após uma existência cheia de obras, quando soar a hora fatal,
é com calma e sem pesar que receberá a morte; a morte, que os mundanos revestem
de um sinistro aparato; a morte, espantalho dos poderosos e sensuais, e que,
para o pensador austero, é simplesmente a libertação, a hora da transformação,
a porta que se abre para o império luminoso dos Espíritos.
Esse vestíbulo das regiões ultraterrestres, ele o franqueará com
serenidade.
Sua consciência, desprendida das sombras materiais, mostrar-se-á diante
dele como um juiz representante de Deus e lhe perguntará: “Que fizeste da
vida?” E ele responderá: “Lutei, sofri, amei, ensinei o bem, a verdade, a
justiça, dei a meus irmãos o exemplo da correção, da doçura; aliviei os que
sofriam, consolei os que choravam. Contudo, que o Eterno me julgue, pois estou
em suas mãos!...”
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