CAPITULO I
A VIDA
Estudo da vida
Vamos
resumir os trabalhos mais recentes sobre o assunto (5). Para todos os seres, a
vida resulta das relações existentes entre a sua constituição física e o mundo
exterior. O organismo é preestabelecido, pois que provém dos ancestrais, por
filiação.
A ação das
leis físico-químicas, ao contrário, varia segundo as circunstâncias. A essa
oposição de forças, Claude Bernard denomina conflito vital. (6)
"Não
é - diz ele - por uma luta contra as condições cósmicas que o organismo se
mantém e se desenvolve, mas, muito ao contrário, por uma "adaptação",
um acordo. O ser vivo não constitui exceção à grande harmonia natural, que faz
que as coisas se adaptem umas às outras. Ele, o ser vivo, não rompe nenhum
acordo, não está nem em contradição nem em luta com as forças cósmicas. Muito
pelo contrário, ele faz parte do concerto universal, e a vida do animal, por
exemplo, não passa de fragmento da vida total do Universo."
Esse
conflito vital origina duas espécies de fenômenos:
1-Fenômenos
de destruição orgânica, isto é, de desorganização ou desassimilação;
2-Fenômenos
de criação orgânica, indiferentemente chamados organização, síntese orgânica
ou assimilação.
Destruição orgânica
Coisa
curiosa são os fatos de destruição, porque são os mais aparentes, aos quais,
geralmente, se liga à ideia de vida. A destruição orgânica é, com efeito,
determinada pela função do ser vivente. Quando, no homem ou no animal, sobrevém
um movimento, uma parte da substância ativa do músculo se destrói ou se
queima; quando sensibilidade e vontade se manifestam, há um desgaste de nervos;
quando se utiliza o pensamento, é porção de cérebro que se consome. Poder-se-á,
então, dizer que jamais a mesma matéria serve duas vezes à vida. Realizado um
ato, a matéria que lhe serviu à produção deixa de existir. Reapareça o
fenômeno, é matéria nova que a ele concorre.
“A usura
molecular é sempre proporcional à intensidade das manifestações vitais. A
alteração material será tanto mais profunda ou considerável, quanto mais ativa
se mostre à vida”.
“A
desassimilação expulsa das profundezas do organismo substâncias tanto mais
oxidadas pela combustão vital, quanto mais enérgico se verifique o
funcionamento dos órgãos. Essas” oxidações, ou combustões, engendram o calor
animal, produzem o ácido carbônico que se exala pelos pulmões, além de outros
produtos eliminados por diferentes glândulas da economia. O corpo se gasta e
sofre consumação e perda de peso, que traduzem e medem a intensidade das funções.
Por toda parte, a bem dizer, a destruição físico-química liga-se à atividade
funcional, e nós podemos encarar como axioma. fisiológico a seguinte
proposição: toda manifestação de um fenômeno vital liga-se, necessariamente, a
uma destruição orgânica." (7)
Essa
destruição é sempre devida a uma combustão, ou a uma fermentação.
Criação orgânica
Os
fenômenos de criação orgânica são atos plásticos, que se completam nos órgãos
em repouso, e os regeneram. A síntese assimiladora reúne os materiais e as
reservas que o funcionamento deve despender. É um trabalho íntimo, silencioso,
nada havendo que o possa trair exteriormente.
A viveza
com que se nos apresentam, externamente, os efeitos da destruição orgânica,
ilude-nos a ponto de lhes chamarmos fenômenos vitais, quando, na realidade, são
letais, por isso que se engendram destruindo tecidos.
“Não somos
impressionados pelos fenômenos da vida. A reparação de órgãos e tecidos
opera-se íntima, silenciosamente, fora de nossas vistas. Só o embriogenista,
acompanhando o desenvolvimento do ser vivo, apreende permutas e fases
reveladoras desse trabalho surdo. É aqui, um depósito de matéria; ali, uma
formação de invólucro, ou núcleo; acolá, uma divisão, uma multiplicação, uma
renovação”.
"Muito
pelo contrário, os fenômenos de destruição, ou de morte vital, saltam-nos à
vista e é por eles, aliás, que costumamos caracterizar a vida. Entretanto,
quando se opera um movimento e um músculo se contrai; quando vontade e
sensibilidade se manifestam; quando o pensamento se exerce; quando a glândula
segrega, o que se dá é consumo de substância muscular, nervosa, cerebral:
portanto, fenômenos de destruição e morte." (8)
Em todo o
curso da existência, essas destruições e criações são simultâneas, conexas,
inseparáveis. Ouçamos sempre o eminente fisiologista:
"As
duas ordens de fenômenos de destruição e criação, apenas se concebem separáveis
e divisíveis, espiritualmente falando. Por natureza, elas se encontram
estreitamente ligadas e cooperam em todo o ser vivente numa entrosagem que
jamais se poderia romper. As duas operatórias são absolutamente conexas e
inseparáveis, no sentido de que a destruição é condicional imprescindível da
renovação. Os atos destrutivos são os precursores e instigadores daqueles por
que as partes se restauram e renascem, ou seja, dos de renovação orgânica. Dos
dois tipos de fenômenos, o que se poderia dizer o mais vital, o fenômeno de
criação orgânica, está, portanto, de algum modo subordinado ao fenômeno
físico-químico da destruição."
Propriedades gerais dos seres vivos
As
propriedades gerais dos seres vivos, as que os distinguem da matéria bruta dos
corpos inorgânicos, contam-se por quatro: organização, geração, nutrição e
evolução.
Dessas
quatro propriedades fundamentais, a Ciência não explica claramente mais do que
uma - a nutrição, se bem que, ainda aqui, o fenômeno mediante o qual as células
selecionam, no sangue, os materiais que lhes são úteis, não está bem estudado.
Veremos
dentro em breve que organização e evolução não podem ser compreendidas só pelo
jogo das leis físico-químicas.
E, quanto
à reprodução, se é certo que lhe conhecemos o mecanismo, a causa continua sendo
um mistério.
Condições gerais de manutenção da vida
Todos os
seres vivos têm necessidade, para manifestarem sua existência, das mesmas
condições exteriores, e nada há que melhor demonstre a unidade vital, a
identidade da vida nos seres organizados, vegetais ou animais, do que a
carência das quatro seguintes condições: 1.a umidade, 2.a calor, 3.a ar, 4.a
uma determinada composição química do ambiente.
A umidade
Indispensável
é a água na constituição do meio em que evolui o ser vivente. Como princípio
constituinte, entra ela na composição dos tecidos, e, ao demais, serve para
dissolver grande número de substâncias, sem as quais as reações químicas
incessantes, de que é laboratório o corpo, não poderiam efetuar-se. A utilidade
funcional da água evidencia-se, o bastante, pelos célebres jejuadores Merlatti,
Succi e o Dr. Tanner, que puderam vingar longos períodos de 30 a 40 dias sem comer, mas,
bebendo,água destilada. Experiências feitas com cães mostraram que eles
resistiam durante 30 dias à privação de alimento, desde que se lhes dessa água.
A subtração deste elemento ocasional, em certos roteiros, curiosos fenômenos de
vida latente: esses animais, convenientemente privados de água, perdem todas as
propriedades vitais, ao menos na aparência, e podem assim permanecer anos a
fio. Desde, porém, que se lhes restitua um pouco de água, recomeçam a viver
como antes, dado que a privação não tenha ultrapassado certos limites. No
homem, o coeficiente de água contida no corpo é de 90%, o que só por si
representa o seu alto valor substancial na economia orgânica.
O ar
O ar, ou
melhor, o oxigênio que lhe compõe a parte respirável, é necessário à maioria
dos seres vivos, mesmo aos inferiores, quais as leveduras ou micodermas.
Pasteur mostrou que os microrganismos originam fermentações, em se apropriando
do oxigênio. Experiências feitas em coelhos evidenciaram que o animal sucumbe
quando a proporção do oxigênio, de 21/104, diminui de 3 a 5/100
O calor
É o
terceiro dos elementos que entretêm os corpos vivos. Sabemos que a vida dos
vegetais se mantém em correlação íntima com a temperatura ambiente. O frio
intenso congela os líquidos do organismo e desmancha os tecidos. Há, mesmo,
para cada animal, uma temperatura média, correspondente ao máximo de vida. Os
elementos do corpo, nos animais superiores, são assaz delicados, e os limites
extremos, entre os quais a vida pode manter-se, são, a seu turno, convizinho.
Não pode a temperatura interna do organismo descer abaixo de 20 graus nem se
elevar acima de 45 graus, para os humanos, e de 50 graus, para as aves. Assim,
nos animais superiores há uma temperatura média, que se mantém constante,
graças a um conjunto de mecanismos governados pelo sistema nervoso. Sem essa
fixidez, a função vital jamais poderia executar-se.
Condições
químicas do meio
Para bem compreendermos o alcance dessa condição, é
preciso não esquecer que denominamos organismo vivo tanto à célula componente dos
tecidos vegetais e animais, como a esses mesmos vegetais e animais. De fato, a
célula é bem um ser vivo: organiza-se, reproduz, alimenta-se e evolui, tal como
o animal superior.
Após os trabalhos de Schleiden, em 1838, de Schwann,
em 1839, de Prévost e Dumas, em 1842, de Kolliker, em 1844 e, mais tarde, de
Max Schultze, sabe-se que, a partir da célula livre e única, por Haeckel
chamada "plastídio", até o homem, todos os corpos vivos não passam de
associações de células, idênticas em natureza e composição, mas gozando de
propriedades diferentes, conforme o lugar ocupado no organismo.
Assim, os mais variados tecidos do corpo: ossos,
nervos, músculos, pele, unhas, cabelos, córnea ocular, etc., formam-se de
agregados celulares.
A seguir, veremos que a natureza oferece todos os
graus de complexidade na reunião desses elementos orgânicos primários,
peculiares a todo ser vivente. Isto posto, voltemos à quarta condição. Além de
calor, ar e água, torna-se indispensável que o meio liquido que banha as
células contenha certas substâncias indispensáveis à sua nutrição. Durante
muito tempo se acreditou que tal meio variava conforme a natureza do ser.
Investigações contemporâneas permitiram, porém, verificar que o meio era
uniforme para todos os organismos vivos, devendo conter:
1.° - Substâncias azotadas, nas quais entram azoto,
carbono, oxigênio e hidrogênio.
2.° - Substâncias ternárias, ou seja compostas dos
três elementos - carbono, oxigênio e hidrogênio.
3.° - Substâncias minerais, como sejam os fosfatos, a
cal, o sal, etc.
Uma circunstância, a bem fixar, é que essas três
espécies de substâncias, quaisquer que sejam as formas de que se revistam, são
indispensáveis ao entretenimento da vida. Com essas matérias-primas fabricam os
organismos tudo o que lhes aproveita à vida do corpo. Essas condições aqui
estudadas devem realizar-se na esfera de contacto e influência imediata sobre a
partícula vivente, entrando com ela em conflito.
Somos, então, levados a distinguir dois meios, a
saber:
1. - O meio cósmico ambiente, ou exterior, com o qual
estão em relação todos os seres elementares.
2. - O meio interior, que serve de intermediário entre
o mundo exterior e a substância viva.
Se quisermos bem considerar as partes verdadeiramente
vivas dos tecidos, isto é, as células, notarão que elas se resguardam das
influências ambientes; que se banha num liquido interior que as isola, protege
e que serve de intermediário entre elas e o meio cósmico. Esse meio interior é
o sangue.
Não, diga-se, o sangue in totum, mas o plasma sanguíneo,
ou seja aquela parte fluida que compreende todos os líquidos intersticiais,
fonte e confluente de todas as permutas endosmóticas
Absurdo não fora, então, dizer-se que o pássaro não
vive no ar atmosférico, nem o peixe na água, nem a minhoca na terra.
Ar, água e terra são, por assim dizer, um segundo
envoltório do corpo, sendo o sangue o primeiro, visto ser ele que envolve
imediatamente os genuínos elementos vitais - as células.
Não é, pois, de modo direto que o exterior influencia
esses seres complexos, que são os animais superiores, qual se dá com os corpos
brutos ou com os seres vivos mais simples.
Há um intermediário forçado que se interpõe entre o
agente físico e o elemento anatômico. (9)
O que acabamos de ver, basta para mostrar que a vida
física está na dependência do meio exterior, e que o velho adágio - mens sana
in corpore sano - é de uma veridicidade absoluta. Para que a alma possa
manifestar as suas faculdades, sem constrangimento, preciso se lhe faz a
integridade da substância corporal.
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