E a quem melhor
despertar, senão às crianças?
Os evangelhos de
Jesus, que
chegaram até nós através dos relatos escritos dos seus discípulos e da tradição
apostólica, constituem uma síntese das conquistas espirituais da Humanidade em
toda a sua evolução, até o momento histórico do advento do monoteísmo como uma
realidade social. Mas, a essa síntese temos de acrescentar a visão profética de
Jesus, que a partir das conquistas já realizadas abriu novas perspectivas para
o futuro humano. Seus ensinos não se limitam a uma repetição do passado. Como
em todos os processos históricos, culturais e espirituais, as novas gerações
reelaboram a experiência passada, segundo a tese pedagógica de John Dewey.
Jesus procedeu essa reelaboração num plano superior, o da consciência iluminada
pela visão espiritual.
Se juntarmos à tese de
Dewey e de Arnold Toynbee sobre as religiões, o seu papel no processo
histórico, vemos que as reelaborações coletivas, sempre dirigidas por um mestre
ou líder – no caso um buda, um messias, um cristo, palavras que se equivalem –
se concretizam em novas mundividências, como a do Budismo em relação ao Bramanismo
antigo, a de Confúcio em relação ao Taoismo
, a do Cristianismo em relação ao Judaísmo.
Essas mundividências (concepções gerais do mundo e da vida) englobam as
conquistas válidas do passado e as visões proféticas do futuro. Ernst Cassirer,
em seu ensaio sobre a tragédia da cultura, ou seja, o aspecto trágico do
desenvolvimento cultural da Humanidade, lembra que as experiências do passado
se concretizam ou se condensam nas obras de uma civilização e podem ser depois
despertadas por civilizações futuras, como no caso do Renascimento, onde vemos
a cultura greco-romana renascer de suas próprias cinzas, ao impacto da cultura nascente
da Europa, nos fins da Idade Média.
A cultura humana – que
abrange todas as áreas do conhecimento e, portanto, também a religiosa – é um imenso
esforço coletivo de gerações e épocas, de civilizações e culturas encadeadas e
solidárias através do tempo. Sua transmissão se efetua pela educação, mas a
educação não é um simples fio transmissor ou objeto passivo, e sim uma espécie
de caldeirão em que fervem as ideias, semelhante ao caldeirão medieval de que
falou Wilhelm Dilthey em O Homem e o Mundo. É nesse caldeirão que temos de ser
inevitavelmente mergulhados, desde que nascemos e até mesmo antes do
nascimento, para sermos devidamente cozidos à moda do século. Se formos deixados
fora dele não recebemos os ingredientes da cultura nem os estímulos necessários
ao despertar das nossas forças latentes, na linha das experiências adquiridas.
Sem o processo da educação, o ato de amor de Kerchensteiner e Hubert, não
despertaremos para a nova orientação que devemos seguir na nova encarnação, na
nova experiência existencial. Sem o impacto da educação a cultura do passado
não renascerá em nós o seu novo desenvolvimento.
Dessa maneira, negar às
crianças o direito à educação cristã, através da evangelização, seria sonegar-lhes
o quinhão que lhes cabe na herança cultural. As pesquisas sobre a educação
primitiva, básica para a compreensão de toda a problemática educacional,
mostram de sobejo que mesmo nas tribos selvagens a iniciação nos costumes, nos
rituais, nas crenças e nas tradições da nação se processam com regularidade,
dentro de uma sistemática apropriada. Porque o direito de escolha, de opção, no
exercício do livre-arbítrio individual, pressupõe inevitavelmente o direito de
aquisição dos elementos necessários ao julgamento. A educação não é um ato de
imposição, de violação de consciência, mas um ato de doação. O educador oferece
ao educando os elementos de que ele necessita para integrar-se no meio cultural
e poder experimentar por si mesmo os valores vigentes, rejeitando-os,
aceitando-os ou reformulando os mais tarde, quando amadurecer para isso. Já
dizia o Eclesiastes: Deus fez tempo para tudo. E o povo repete:
Tudo tem o seu tempo.
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