DEPOIMENTO – ENTREVISTA COM UMA SUICIDA
Irmão X
No livro ESTANTE DA VIDA, psicografado
por Chico Xavier, há uma entrevista realizada por Irmão X, com uma suicida,
“uma jovem senhora que largou o corpo físico, por deliberação própria,
ingerindo formicida(...) ela se envenenou no Rio, aos trinta e dois anos de
idade, deixando o esposo e um filhinho em casa; não era pessoa de cultura
excepcional, do ponto de vista do cérebro, mas caracterizava-se, na Terra, por
nobres qualidades morais, moça tímida, honesta, operosa, de instrução regular e
extremamente devotada aos deveres de esposa e mãe. Passemos, no entanto, às
suas onze questões e vejamos as respostas que ela nos deu:
A irmã possuía alguma fé
religiosa, que lhe desse convicção na vida depois da morte?
- Seguia a fé religiosa, como acontece a
muita gente que acompanha os outros no jeito de crer, na mesma situação com que
se atende aos caprichos da moda. Para ser sincera, não admiti fosse encontrar a
vida aqui, como a vejo, tão cheia de problemas ou, talvez, mais cheia de
problemas que a minha existência no mundo.
Quando sobreveio a morte do corpo,
ficou inconsciente ou consciente?
- Não conseguia sequer mover um dedo, mas
por motivos que ainda não sei explicar, permaneci completamente lúcida e por
muito tempo.
Quais as suas primeiras
impressões ao verificar-se desencarnada?
- Ao lado de terríveis sofrimentos, um
remorso indefinível tomou conta de mim. Ouvia os lamentos de meu marido e de
meu filho pequenino, debalde gritando também , a suplicar socorro. Quando o
rabecão me arrebatou o corpo imóvel, tentei ficar em casa mas não pude. Tinha
impressão de que eu jazia amarrada ao meu próprio cadáver pelos nós de uma
corda grossa.
Sentia em mim, num fenômeno de repercussão
que não sei definir, todos os baques do corpo no veículo em correria; atirada com ele a um compartimento
do necrotério, chorava de enlouquecer. Depois de poucas horas, notei que alguém
me carregava para a mesa de exame. Vi-me desnuda de chofre e tremi de vergonha.
Mas a vergonha fundiu-se no terror que passei a experimentar ao ver que dois
homens moços me abriam o ventre sem nenhuma cerimônia, embora o respeitoso silêncio
em que se davam à pavorosa tarefa. Não sei o que me doía mais, se a dignidade
feminina retalhada aos meus olhos, ou se a dor indescritível que me percorria a
forma, em meu novo estado de ser, quando os golpes do instrumento cortante me
rasgavam a carne. Mas o martírio não ficou nesse ponto, porque eu, que horas
antes me achava no conforto de meu leito doméstico, tive de aguentar duchas de
água fria nas vísceras expostas, como se eu fosse um animal dos que eu vira
morrer, quando menina, no sítio de meu
pai... Então, clamei ainda mais por socorro, mas ninguém me escutava, nem
via...
Recorreu à prece no sofrimento?
- Sim, mas orava, à maneira dos loucos
desesperados, sem qualquer noção de Deus... Achava-me em franco delírio de
angústia, atormentada por dores físicas e morais...Além disso, para salvar o
corpo que eu mesma destruíra, a oração era um recurso de que lançava mão muito
tarde.
Encontrou amigos ou parentes
desencarnados, em suas primeiras horas no plano espiritual?
- Hoje sei que muitos deles procuravam
auxiliar-me, mas inutilmente, porque a minha condição de suicida me punha em
plenitude de forças físicas. As energias do corpo abandonado como que me eram
devolvidas por ele e me achava tão materializada em minha forma espiritual quanto
na forma terrestre. Sentia-me completamente sozinha, desamparada...
Assistiu ao seu próprio enterro?
- Com o terror que o meu amigo é capaz de
imaginar.
Não havia Espíritos Benfeitores no cemitério?
-
Sim, mas não poderia vê-los. Senti-me sob a terra, sempre ligada ao corpo, como
alguém a se debater num quarto abafado, lodoso e escuro.
Que aconteceu em seguida?
- Até agora, não consigo saber quanto
tempo estive na cela do sepulcro, seguindo, hora a hora, a decomposição de meus
restos...
Houve, porém, um instante em que a corda
magnética cedeu e me vi liberta. Pus-me de pé sobre a cova. Reconhecia-me fraca,
faminta, sedenta, dilacerada... Não havia tomado posse de meus próprios
raciocínios, quando me vi cercada por turma de homens, que mais tarde, vim a
saber serem obsessores cruéis. Deram-me voz de prisão. Um deles me notificou
que o suicídio era falta grave, que eu seria julgada em corte de justiça e que
não me restava outra saída, senão acompanhá-los ao Tribunal. Obedeci e, para
logo, fui por eles encarcerada em tenebrosa furna, onde pude ouvir o choro de
muitas outras vítimas. Esses malfeitores me guardaram em cativeiro e abusaram
da minha condição de mulher, sem qualquer noção de respeito ou misericórdia...
Somente após muito tempo de oração e
remorso, obtive o socorro de Espíritos Missionários, que me retiraram do
cárcere, depois de enormes dificuldades, a fim de me internarem num campo de
tratamento.
Por que razão decidiu matar-se?
- Ciúmes de meu esposo, que passara a
simpatizar com outra mulher.
Julga que a sua atitude lhe
trouxe algum benefício?
- Apenas complicações. Após seis anos de
ausência, ferida por terríveis saudades, obtive permissão para visitar a
residência que eu julgava como sendo minha casa no Rio. Tremenda surpresa!...
Em nada adiantara o suplício. Meu esposo, moço ainda, necessitava de companhia
e escolhera para segunda esposa a rival que eu abominava... Ele e meu filho
estavam sob os cuidados da mulher que me suscitava ódio e revolta... Sofri
muito em meu orgulho abatido. Desesperei-me. Auxiliada pacientemente, contudo,
por instrutores caridosos, adquiri novos princípios de compreensão e conduta...
Estou aprendendo agora a converter aversão em amor. Comecei procedendo assim
por devotamento ao meu filho, a quem ansiava estender as mãos, e só possuía, no
lar, as mãos dela, habilitadas a me prestarem semelhante favor... A pouco e
pouco, notei-lhe as qualidades nobres de caráter e coração e hoje a amo,
deveras, por irmã de minhalma... Como pode observar, o suicídio me intensificou
a luta íntima e me impôs, de imediato, duras obrigações.
Que aguarda para o futuro?
- Tenho forme de esquecimento e de paz.
Trabalho de boa vontade em meu próprio burilamento e qualquer que seja a
provação que me espere, nas corrigendas que mereço, rogo à Compaixão Divina me
permita nascer na terra, outra vez, quando então conto retomar o ponto de evolução
em que estacionei, para consertar as terríveis consequências do erro cometido.
(...)
Extraído de ESTANTE DA VIDA,
Psicografado por Francisco Cândido Xavier–Edição
FEB.
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