FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER
PELO ESPÍRITO IRMÃO X
LÁZARO REDIVIVO
35
RETIROU–SE, ELE SÓ
Quando Jesus se fazia acompanhar pela multidão, na manhã
rutilante, refletia, amorosamente, consigo mesmo:
— Ensinara as lições básicas do Reino de Deus aos filhos da
Galileia, que o seguiam naquele instante divino... Todos permaneciam agora
cientes do amor que devia espraiar-se sobre as noções da lei antiga! Que não
poderia Ele fazer daqueles homens e mulheres bem informados? Poderia, enfim,
alongar-se em maiores considerações, relativas ao caminho de retorno da
criatura aos braços do Pai. Dilataria os esclarecimentos do amor universal,
conduziria a alma do povo para o grande entendimento.
Decifraria para os filhos dos homens os enigmas dolorosos
que constrangem o coração. Para isso, porém, era indispensável que
compreendessem e amassem com o espírito... Quantas pequenas lutas em vão?
Quantos atritos desnecessários? A multidão, por vezes, assumia atitudes
estranhas e contraditórias. Diante dos prepostos de Tibério, que a visitavam,
aplaudia delirantemente; todavia, quando se afastavam os emissários de César,
manchava os lábios com palavras torpes e gastava tempo na semeadura de ódios e
divergências sem-fim... Se aparecia algum enviado do Sinédrio, nas cidades que
marginavam o lago, louvava o povo a lei antiga e abraçava o mensageiro das
autoridades de Jerusalém.
Bastava, entretanto, que o visitante voltasse as costas para
que a opinião geral ferisse a honorabilidade dos sacerdotes, perdendo-se nos
desregramentos verbais de toda espécie... Oh! sim — pensava —, todo o problema
do mundo era a necessidade de
amor e realização fraternal!
Sorveu o ar puro e contemplou as árvores frondosas, onde as
aves do céu situavam seus ninhos. Algo distante, o lago era um espelho imenso e
cristalino, refletindo a luz solar. Barcas rudes transportavam pescadores
felizes, embriagados de alegria, na manhã clara e suave. E, em derredor das
águas deslumbrantemente iluminadas, erguiam-se vozes de mulheres e crianças,
que cantavam nas chácaras embalsamadas de inebriante perfume da Natureza.
Agradecia ao Pai aquelas bênçãos maravilhosas de luz e vida, e continuava
meditando: — Por que tamanha cegueira espiritual nos seres humanos?
Não viam, porventura, a condição paradisíaca do mundo? Por
que se furtavam ao concerto de graças da manhã? Como não se uniam todos ao hino
da paz e da gratidão que evolava-se de todas as coisas?
Ah! toda aquela multidão que o seguia precisava de amor, a
fim de que a vida se lhe tornasse mais bela. Ensiná-la-ia a conferir a cada
situação o justo valor. Quem era César senão um trabalhador da Providência,
sujeito às vicissitudes terrestres, como outro homem qualquer? Não mereceria
compreensão fraternal o imperador dos romanos, responsável por milhões de
criaturas? Algemado às obrigações sociais e políticas, atento ao
superficialismo das coisas, não era razoável que errasse muito, merecendo, por
isso mesmo, mais compaixão? E os chefes do Sinédrio? Não estavam sufocados
pelas orgulhosas tradições da raça? Poderiam, acaso, raciocinar sensatamente,
se permaneciam fascinados pelo autoritarismo do mundo?
Oh! — refletia o Mestre — como seria infeliz o dominador
romano, a julgar-se efetivamente rei para sempre, distraído da lição dura da
morte! Como seria desventurado o sumo-sacerdote, que supunha poder substituir o
próprio Deus!... Sim, Jesus ensinaria aos seus seguidores a sublime sabedoria
do entendimento fraternal!
Tomado de confiante expectativa, voltou-se o Messias para o
povo, dando a entender que esperava as manifestações verbais dos amigos, e a
multidão aproximou-se dele, mais intensamente.
Alguns apóstolos caminhavam à frente dos populares, em
animada conversação.
— Rabi — exclamou o
patriarca Matan, morador em Cafarnaum —, estamos cansados de suportar
injustiças. É tempo de tomarmos o governo, a liberdade e a autonomia. Os
romanos são pecadores devassos, em trânsito para o monturo. Estamos fartos! É
preciso tomar o poder!
Jesus escutou em silêncio, e, antes que pudesse dizer alguma
coisa, Raquel, esposa de Jeconias, reclamou asperamente: — Rabi, não podemos
tolerar os administradores sem
consciência. Meu marido e meus filhos são miseravelmente
remunerados nos serviços de cada dia. Muitas vezes, não temos o necessário para
viver como os outros vivem. Os filhos de Ana, nossa vizinha, adulam os
funcionários romanos e, por esse motivo, andam confortados e bem-dispostos!...
— À revolução! à revolução! — clamava Esdras, um judeu de 40
anos presumíveis, que se acercou, desrespeitosamente, como adepto apaixonado,
concitando o líder prudente a manifestar-se.
— Rabi — suplicava um ancião de barbas encanecidas —,
conheço os prepostos de César e os infames servidores do Tetrarca.
Se não modificarmos a direção do governo, passaremos fome e
privações...
Escutava o Senhor, profundamente condoído. Verificava, com
infinita amargura, que ninguém desejava o Reino de Deus de que se constituíra
portador.
Durante longas horas, os membros da multidão recriminaram o
imperador romano, atacaram patrícios ilustres que nunca haviam visto de perto,
condenaram os sacerdotes do Templo, caluniaram autoridades ausentes, feriram
reputações, invadiram assuntos
que não lhes pertenciam, acusaram companheiros e criticaram
acerbamente as condições da vida e os elementos atmosféricos...
Por fim, quando muito tempo se havia escoado, alguns
discípulos vieram anunciar-lhe a fome que castigava homens, mulheres e
crianças. André e Filipe comentaram calorosamente a situação.
Jesus fitou-os de modo significativo, e respondeu
melancólico: — Pudera! Há muitas horas não fazem outra coisa senão murmurar
inutilmente!
Em seguida, espraiou o olhar através das centenas de pessoas
que o acompanhavam, e falou comovidamente: — Tenho para todos o Pão do Céu, mas
estão excessivamente preocupados com o estômago para compreender-me.
E, tomado de profunda piedade, ante a multidão ignorante,
valeu-se dos pequenos pães de que dispunha, abençoou-os e multiplicou-os,
saciando a fome dos populares aflitos.
Enquanto os discípulos recolhiam o sobejo abundante, muitos
galileus batiam com a mão direita no ventre e afirmavam: — Agora, sim! Estamos
satisfeitos!
Contemplou-os o Mestre, em silêncio, com angustiada
tristeza, e, depois de alguns minutos, entregou o povo aos discípulos e,
segundo a narração evangélica, “tornou a retirar-se, Ele só, para o monte”.
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