I
Os fluidos espirituais representam importante papel em todos os fenômenos espíritas, ou melhor, são o princípio mesmo desses fenômenos. Até agora nos limitamos a dizer que tal efeito resultava de uma ação fluídica; mas esse dado geral, suficiente no início, deixa de o ser quando se quer pesquisar os detalhes.
Sabiamente os Espíritos limitaram seu ensinamento no princípio; mais tarde, chamaram a atenção para a grave questão dos fluidos, e não foi num centro único que a abordaram, mas praticamente em todos eles.
Mas os Espíritos não nos vêm trazer esta ciência, como nenhuma outra, já pronta; eles nos põem no caminho e nos fornecem os materiais, cabendo a nós estudá-los, observá-los, analisá-los, coordená-los e deles nos servirmos. Foi o que fizeram para a constituição da doutrina e agiram da mesma forma em relação aos fluidos. É do nosso conhecimento que em milhares de locais diversos eles esboçaram seu estudo; em toda parte encontramos alguns fatos, algumas explicações, uma teoria parcial, uma idéia; mas em parte alguma um trabalho completo de conjunto. Por que isto? Impossibilidade da parte deles? Não, certamente, pois o que teriam podido fazer como homens, com mais forte razão o poderão como Espíritos. Mas, como dissemos, é porque eles não vêm de modo algum nos libertar do trabalho da inteligência, sem o qual nossas forças, ficando inativas, se estiolariam; acharíamos mais cômodo que eles trabalhassem por nós.
Assim, o trabalho foi deixado ao homem; mas sendo limitados a sua inteligência, a sua vida e o seu tempo, a nenhum é dado elaborar tudo o que é necessário para a constituição de uma ciência. Eis por que não há uma só que seja, em todas as suas peças, obra de um só homem; nenhuma descoberta que o seu primeiro inventor tenha levado à perfeição. A cada edifício intelectual, vários homens e várias gerações trouxeram seu contingente de pesquisas e de observações.
Dá-se o mesmo com a questão que nos ocupa, cujas diversas partes foram tratadas separadamente, depois coligidas num corpo metódico, quando puderam ser reunidos materiais suficientes. Esta parte da ciência espírita mostra desde já que não é uma concepção sistemática individual, de um homem ou de um Espírito, mas o produto de múltiplas observações, que tiram sua autoridade da concordância existente entre elas.
Pelo motivo que acabamos de exprimir, não poderíamos pretender que esta seja a última palavra. Como temos dito, os Espíritos graduam os seus ensinos e os proporcionam à soma e à maturidade das idéias adquiridas. Assim, não se poderia duvidar que, mais tarde, eles pusessem novas observações no caminho; mas desde já há elementos suficientes para formar um corpo que, posteriormente e de modo gradual, será completado.
O encadeamento dos fatos nos obriga a tomar nosso ponto de partida de mais alto, a fim de proceder do conhecido para o desconhecido.
II
Tudo se liga na obra da Criação. Outrora se consideravam os três reinos como inteiramente independentes entre si, e teriam rido de quem pretendesse encontrar uma correlação entre o mineral e o vegetal, entre o vegetal e o animal.
Uma observação atenta fez desaparecer a solução de continuidade, provando que todos os corpos formam uma cadeia ininterrupta, de tal sorte que os três reinos não subsistem, na realidade, senão pelos caracteres gerais mais marcantes; mas nos seus limites respectivos eles se confundem, a ponto de se hesitar em saber onde termina um e começa o outro, e em qual deles certos seres devem ser colocados. Tais são, por exemplo, os zoófitos, ou animais-plantas, assim chamados porque contêm, ao mesmo tempo, elementos do animal e da planta.
Acontece a mesma coisa no que concerne à composição dos corpos. Durante muito tempo os quatro elementos serviram de base às ciências naturais; caíram diante das descobertas da química moderna, que reconheceu um número indeterminado de corpos simples. A Química nos mostra todos os corpos da Natureza formados desses elementos combinados em diversas proporções. É da infinita variedade dessas combinações que nascem as inumeráveis propriedades dos diferentes corpos. É assim, por exemplo, que uma molécula de gás oxigênio e duas de gás hidrogênio, combinadas, formam a água. Na sua transformação em água, o oxigênio e o hidrogênio perdem suas qualidades próprias; propriamente falando, não há mais oxigênio, nem hidrogênio, mas água. Decompondo a água, encontram-se novamente os dois gases, nas mesmas proporções. Se, em vez de uma molécula de oxigênio, houver duas, isto é, duas de cada gás, não será mais água, mas um líquido muito corrosivo. Bastou, pois, uma simples mudança na proporção de um dos elementos para transformar uma substância salutar numa substância venenosa. Por uma operação inversa, se os elementos de uma substância deletéria, o arsênico, por exemplo, forem simplesmente combinados em outras proporções, sem adição ou supressão de nenhuma outra substância, ela se tornará inofensiva, ou mesmo salutar. Há mais: várias moléculas reunidas, de um mesmo elemento, gozarão de propriedades diferentes, conforme o modo de agregação e as condições do meio em que se encontram. O ozônio, recentemente descoberto no ar atmosférico, é um exemplo. Reconheceu-se que essa substância mais não é que o oxigênio, um dos principais constituintes do ar, num estado particular que lhe dá propriedades distintas do oxigênio propriamente dito. O ar não deixa de ser formado por oxigênio e azoto, mas suas qualidades variam conforme contenha maior ou menor quantidade de oxigênio no estado de ozônio.
Estas observações, que parecem estranhas ao nosso assunto, não obstante a ele se ligam de maneira direta, como se verá mais tarde; elas são, além disso, essenciais como pontos de comparação.
Essas composições e decomposições se obtêm artificialmente e em pequena escala nos laboratórios, mas se operam em grande escala e espontaneamente no grande laboratório da Natureza. Sob a influência do calor, da luz, da eletricidade, da umidade, um corpo se decompõe, seus elementos se separam, outras combinações se operam e novos corpos se formam. Assim, a mesma molécula de oxigênio, por exemplo, que faz parte do nosso corpo, após a destruição deste entra na composição de um mineral, de uma planta ou de um corpo animado. Em nosso corpo atual acham-se, portanto, as mesmas parcelas de matéria, que foram partes constituintes de uma porção de outros corpos.
Citemos um exemplo para tornar a coisa mais clara.
Um pequeno grão é posto na terra, brota, cresce e torna-se uma grande árvore que, anualmente, dá folhas, flores e frutos. Quer dizer que esta árvore se achava inteirinha no grão?
Seguramente não, porque contém uma quantidade de matéria muito mais considerável. Donde, pois, lhe veio essa matéria? Dos líquidos, dos sais, dos gases que a planta extraiu da terra e do ar, que se infiltraram em seu caule e, pouco a pouco, lhe aumentaram o volume. Mas nem na terra nem no ar se encontram madeira, folhas, flores e frutos. É que esses mesmos líquidos, sais e gases, no ato de absorção, se decompuseram; seus elementos sofreram novas combinações, que os transformaram em seiva, lenho, casca, folhas, flores, frutos, essências voláteis, etc. Essas mesmas partes, por sua vez, vão destruir-se, decompor-se; seus elementos, misturar-se de novo na terra e no ar; recompor as substâncias necessárias à frutificação; ser reabsorvidos, decompostos e, mais uma vez, transformados em seiva, lenho, casca, etc. Numa palavra, a matéria não sofre aumento nem diminuição; transforma-se e, em conseqüência dessas transformações sucessivas, a proporção das diversas substâncias, em quantidade, é sempre suficiente para as necessidades da Natureza.
Suponhamos, por exemplo, que uma dada quantidade de água seja decomposta, no fenômeno da vegetação (4), para fornecer oxigênio e hidrogênio necessários à formação das diversas partes da planta; é uma quantidade de água que existe a menos na massa; mas essas partes da planta, quando de sua decomposição, vão liberar o oxigênio e o hidrogênio que elas encerravam, e esses gases, combinando-se entre si, vão reconstituir uma quantidade de água equivalente à que havia desaparecido.
Um fato que é oportuno assinalar aqui, é que o homem, que pode executar artificialmente as composições e decomposições que se operam espontaneamente na Natureza, é impotente para reconstituir o menor corpo organizado, ainda que fosse um pé de erva ou uma folha morta. Depois de ter decomposto um mineral, pode recompô-lo em todas as suas peças, tal qual era antes; mas quando separou os elementos de uma parcela de matéria vegetal ou animal, não pode reconstitui-la e, menos ainda, dar-lhe a vida. Seu poder se detém na matéria inerte: o princípio da vida está na mão de Deus.
A maioria dos corpos simples são chamados ponderáveis, porque lhes podemos medir o peso, e este está na razão da soma das moléculas contidas num dado volume. Outros são ditos imponderáveis, porque para nós não têm peso e, seja qual for a quantidade em que se acumulem em outro corpo, não lhe aumentam o peso. Tais são: o calórico (5), a luz, a eletricidade, o fluido magnético ou do ímã; este último não passa de uma variedade da eletricidade. Conquanto imponderáveis, nem por isso esses fluidos deixam de ter um grande poder. O calórico divide os corpos mais duros, os reduz a vapor e dá aos líquidos evaporados uma força de expansão irresistível. O choque elétrico quebra árvores e pedras, curva barras de ferro, funde os metais, atira ao longe enormes massas. O magnetismo dá ao ferro um poder de atração capaz de sustentar pesos consideráveis. A luz não possui esse gênero de força, mas exerce uma ação química sobre a maioria dos corpos; sob sua influência operam-se incessantemente composições e decomposições. Sem a luz, os vegetais e os animais se estiolam, os frutos não têm sabor nem coloração.
III
Todos os corpos da Natureza, minerais, vegetais, animais, animados ou inanimados, sólidos, líquidos ou gasosos, são, pois, formados dos mesmos elementos, combinados de maneira a produzir a infinita variedade dos diferentes corpos. Hoje a Ciência vai mais longe; suas investigações pouco a pouco a conduzem à grande lei da unidade. Agora é geralmente admitido que os corpos reputados simples não passam de modificações, de transformações de um elemento único, princípio universal designado sob os nomes de éter, fluido cósmico ou fluido universal, de tal sorte que, segundo o modo de agregação das moléculas desse fluido, e sob a influência de circunstâncias particulares, adquire propriedades especiais, que constituem os corpos simples; estes, combinados entre si em diversas proporções, formam, como dissemos, a inumerável variedade de corpos compostos. Segundo esta opinião, o calórico, a luz, a eletricidade e o magnetismo também não passariam de modificações do fluido primitivo universal. Assim esse fluido, que com toda probabilidade é imponderável, seria ao mesmo tempo o princípio dos fluidos imponderáveis e dos corpos ponderáveis.
A Química nos faz penetrar na constituição íntima dos corpos; mas, experimentalmente falando, não vai além dos corpos considerados simples; seus meios de análise são impotentes para isolar o elemento primitivo e determinar a sua essência. Ora, entre esse elemento em sua pureza absoluta e o ponto onde pára as investigações da Ciência, o intervalo é imenso. Raciocinando por analogia, chega-se à conclusão de que entre esses dois pontos extremos, esse fluido deve sofrer modificações que escapam aos nossos instrumentos e aos nossos materiais. É nesse campo novo, até aqui vedado à exploração, que vamos tentar penetrar.
IV
Até agora só se tinham idéias muito incompletas sobre o mundo espiritual ou invisível. Imaginavam-se os Espíritos como seres fora da Humanidade; os anjos também eram criaturas à parte, de uma natureza mais perfeita. Quanto ao estado das almas depois da morte, os conhecimentos não eram mais positivos. A opinião mais geral fazia deles seres abstratos, dispersos na imensidade e não tendo mais relações com os vivos, a não ser que estivessem, segundo a doutrina da Igreja, nas beatitudes do céu ou nas trevas do inferno. Além disso, como as observações da Ciência não vão além da matéria tangível, resulta um abismo entre o mundo corporal e o mundo espiritual, que parecia excluir toda comparação.
É este abismo que novas observações e o estudo de fenômenos ainda pouco conhecidos vêm encher, ao menos em parte.
O Espiritismo nos ensina, de saída, que os Espíritos são as almas dos homens que viveram na Terra; que progridem incessantemente, e que os anjos são essas mesmas almas ou Espíritos chegados a um estado de perfeição que os aproxima da Divindade.
Em segundo lugar, ensina-nos que as almas passam alternadamente do estado de encarnação ao de erraticidade; que neste último estado elas constituem a população invisível do globo, ao qual ficam ligadas até que tenham adquirido o desenvolvimento intelectual e moral que comporta a natureza deste globo, depois do que o deixam, passando a um mundo mais adiantado.
Pela morte do corpo, a Humanidade corporal fornece almas ou Espíritos ao mundo espiritual; pelos nascimentos, o mundo espiritual alimenta o mundo corporal; há, pois, transmutação incessante de um no outro. Esta relação constante os torna solidários, pois são os mesmos seres que entram no nosso mundo e que dele saem alternadamente. Eis um primeiro traço de união, um ponto de contato, que já diminui a distância que parecia separar o mundo visível do mundo invisível.
A natureza íntima da alma, isto é, do princípio inteligente, fonte do pensamento, escapa completamente às nossas investigações; mas agora se sabe que a alma é revestida de um envoltório ou corpo fluídico, que dela faz, depois da morte do corpo material, como antes, um ser distinto, circunscrito e individual. A alma é o princípio espiritual considerado isoladamente; é a força atuante e pensante, que não podemos conceber isolada da matéria senão como uma abstração. Revestida de seu envoltório fluídico, ou perispírito, a alma constitui o ser chamado Espírito, como quando está revestida do envoltório corporal, constitui o homem. Ora, se bem que no estado de Espírito goze de propriedades e de faculdades especiais, não deixou de pertencer à Humanidade. Os Espíritos são, pois, seres semelhantes a nós, já que cada um de nós se torna Espírito após a morte do corpo, e cada Espírito se torna homem pelo nascimento.
Esse envoltório não é a alma, pois não pensa: é apenas uma vestimenta; sem a alma, o perispírito, assim como o corpo, é uma matéria inerte privada de vida e de sensações. Dizemos matéria, porque, com efeito, o perispírito, embora de natureza etérea e sutil, não deixa de ser matéria, como os fluidos imponderáveis e, além disso, matéria da mesma natureza e da mesma origem que a mais grosseira matéria tangível, como logo veremos.
A alma não reveste o perispírito apenas no estado de Espírito; é inseparável desse envoltório, que a segue na encarnação, como na erraticidade. Na encarnação, é o laço que a une ao envoltório corporal, o intermediário com cujo auxílio age sobre os órgãos e percebe as sensações das coisas exteriores. Durante a vida, o fluido perispiritual identifica-se com o corpo, penetrando todas as suas partes; com a morte, dele se desprende; privado da vida o corpo se dissolve, mas o perispírito, sempre unido à alma, isto é, ao princípio vivificante, não perece; apenas a alma, em vez de dois envoltórios, conserva apenas um: o mais leve, o que está mais em harmonia com o seu estado espiritual.
Embora esses princípios sejam elementares para os espíritas, era útil lembrá-los para a compreensão das explicações subseqüentes e a ligação das idéias.
Sabiamente os Espíritos limitaram seu ensinamento no princípio; mais tarde, chamaram a atenção para a grave questão dos fluidos, e não foi num centro único que a abordaram, mas praticamente em todos eles.
Mas os Espíritos não nos vêm trazer esta ciência, como nenhuma outra, já pronta; eles nos põem no caminho e nos fornecem os materiais, cabendo a nós estudá-los, observá-los, analisá-los, coordená-los e deles nos servirmos. Foi o que fizeram para a constituição da doutrina e agiram da mesma forma em relação aos fluidos. É do nosso conhecimento que em milhares de locais diversos eles esboçaram seu estudo; em toda parte encontramos alguns fatos, algumas explicações, uma teoria parcial, uma idéia; mas em parte alguma um trabalho completo de conjunto. Por que isto? Impossibilidade da parte deles? Não, certamente, pois o que teriam podido fazer como homens, com mais forte razão o poderão como Espíritos. Mas, como dissemos, é porque eles não vêm de modo algum nos libertar do trabalho da inteligência, sem o qual nossas forças, ficando inativas, se estiolariam; acharíamos mais cômodo que eles trabalhassem por nós.
Assim, o trabalho foi deixado ao homem; mas sendo limitados a sua inteligência, a sua vida e o seu tempo, a nenhum é dado elaborar tudo o que é necessário para a constituição de uma ciência. Eis por que não há uma só que seja, em todas as suas peças, obra de um só homem; nenhuma descoberta que o seu primeiro inventor tenha levado à perfeição. A cada edifício intelectual, vários homens e várias gerações trouxeram seu contingente de pesquisas e de observações.
Dá-se o mesmo com a questão que nos ocupa, cujas diversas partes foram tratadas separadamente, depois coligidas num corpo metódico, quando puderam ser reunidos materiais suficientes. Esta parte da ciência espírita mostra desde já que não é uma concepção sistemática individual, de um homem ou de um Espírito, mas o produto de múltiplas observações, que tiram sua autoridade da concordância existente entre elas.
Pelo motivo que acabamos de exprimir, não poderíamos pretender que esta seja a última palavra. Como temos dito, os Espíritos graduam os seus ensinos e os proporcionam à soma e à maturidade das idéias adquiridas. Assim, não se poderia duvidar que, mais tarde, eles pusessem novas observações no caminho; mas desde já há elementos suficientes para formar um corpo que, posteriormente e de modo gradual, será completado.
O encadeamento dos fatos nos obriga a tomar nosso ponto de partida de mais alto, a fim de proceder do conhecido para o desconhecido.
II
Tudo se liga na obra da Criação. Outrora se consideravam os três reinos como inteiramente independentes entre si, e teriam rido de quem pretendesse encontrar uma correlação entre o mineral e o vegetal, entre o vegetal e o animal.
Uma observação atenta fez desaparecer a solução de continuidade, provando que todos os corpos formam uma cadeia ininterrupta, de tal sorte que os três reinos não subsistem, na realidade, senão pelos caracteres gerais mais marcantes; mas nos seus limites respectivos eles se confundem, a ponto de se hesitar em saber onde termina um e começa o outro, e em qual deles certos seres devem ser colocados. Tais são, por exemplo, os zoófitos, ou animais-plantas, assim chamados porque contêm, ao mesmo tempo, elementos do animal e da planta.
Acontece a mesma coisa no que concerne à composição dos corpos. Durante muito tempo os quatro elementos serviram de base às ciências naturais; caíram diante das descobertas da química moderna, que reconheceu um número indeterminado de corpos simples. A Química nos mostra todos os corpos da Natureza formados desses elementos combinados em diversas proporções. É da infinita variedade dessas combinações que nascem as inumeráveis propriedades dos diferentes corpos. É assim, por exemplo, que uma molécula de gás oxigênio e duas de gás hidrogênio, combinadas, formam a água. Na sua transformação em água, o oxigênio e o hidrogênio perdem suas qualidades próprias; propriamente falando, não há mais oxigênio, nem hidrogênio, mas água. Decompondo a água, encontram-se novamente os dois gases, nas mesmas proporções. Se, em vez de uma molécula de oxigênio, houver duas, isto é, duas de cada gás, não será mais água, mas um líquido muito corrosivo. Bastou, pois, uma simples mudança na proporção de um dos elementos para transformar uma substância salutar numa substância venenosa. Por uma operação inversa, se os elementos de uma substância deletéria, o arsênico, por exemplo, forem simplesmente combinados em outras proporções, sem adição ou supressão de nenhuma outra substância, ela se tornará inofensiva, ou mesmo salutar. Há mais: várias moléculas reunidas, de um mesmo elemento, gozarão de propriedades diferentes, conforme o modo de agregação e as condições do meio em que se encontram. O ozônio, recentemente descoberto no ar atmosférico, é um exemplo. Reconheceu-se que essa substância mais não é que o oxigênio, um dos principais constituintes do ar, num estado particular que lhe dá propriedades distintas do oxigênio propriamente dito. O ar não deixa de ser formado por oxigênio e azoto, mas suas qualidades variam conforme contenha maior ou menor quantidade de oxigênio no estado de ozônio.
Estas observações, que parecem estranhas ao nosso assunto, não obstante a ele se ligam de maneira direta, como se verá mais tarde; elas são, além disso, essenciais como pontos de comparação.
Essas composições e decomposições se obtêm artificialmente e em pequena escala nos laboratórios, mas se operam em grande escala e espontaneamente no grande laboratório da Natureza. Sob a influência do calor, da luz, da eletricidade, da umidade, um corpo se decompõe, seus elementos se separam, outras combinações se operam e novos corpos se formam. Assim, a mesma molécula de oxigênio, por exemplo, que faz parte do nosso corpo, após a destruição deste entra na composição de um mineral, de uma planta ou de um corpo animado. Em nosso corpo atual acham-se, portanto, as mesmas parcelas de matéria, que foram partes constituintes de uma porção de outros corpos.
Citemos um exemplo para tornar a coisa mais clara.
Um pequeno grão é posto na terra, brota, cresce e torna-se uma grande árvore que, anualmente, dá folhas, flores e frutos. Quer dizer que esta árvore se achava inteirinha no grão?
Seguramente não, porque contém uma quantidade de matéria muito mais considerável. Donde, pois, lhe veio essa matéria? Dos líquidos, dos sais, dos gases que a planta extraiu da terra e do ar, que se infiltraram em seu caule e, pouco a pouco, lhe aumentaram o volume. Mas nem na terra nem no ar se encontram madeira, folhas, flores e frutos. É que esses mesmos líquidos, sais e gases, no ato de absorção, se decompuseram; seus elementos sofreram novas combinações, que os transformaram em seiva, lenho, casca, folhas, flores, frutos, essências voláteis, etc. Essas mesmas partes, por sua vez, vão destruir-se, decompor-se; seus elementos, misturar-se de novo na terra e no ar; recompor as substâncias necessárias à frutificação; ser reabsorvidos, decompostos e, mais uma vez, transformados em seiva, lenho, casca, etc. Numa palavra, a matéria não sofre aumento nem diminuição; transforma-se e, em conseqüência dessas transformações sucessivas, a proporção das diversas substâncias, em quantidade, é sempre suficiente para as necessidades da Natureza.
Suponhamos, por exemplo, que uma dada quantidade de água seja decomposta, no fenômeno da vegetação (4), para fornecer oxigênio e hidrogênio necessários à formação das diversas partes da planta; é uma quantidade de água que existe a menos na massa; mas essas partes da planta, quando de sua decomposição, vão liberar o oxigênio e o hidrogênio que elas encerravam, e esses gases, combinando-se entre si, vão reconstituir uma quantidade de água equivalente à que havia desaparecido.
Um fato que é oportuno assinalar aqui, é que o homem, que pode executar artificialmente as composições e decomposições que se operam espontaneamente na Natureza, é impotente para reconstituir o menor corpo organizado, ainda que fosse um pé de erva ou uma folha morta. Depois de ter decomposto um mineral, pode recompô-lo em todas as suas peças, tal qual era antes; mas quando separou os elementos de uma parcela de matéria vegetal ou animal, não pode reconstitui-la e, menos ainda, dar-lhe a vida. Seu poder se detém na matéria inerte: o princípio da vida está na mão de Deus.
A maioria dos corpos simples são chamados ponderáveis, porque lhes podemos medir o peso, e este está na razão da soma das moléculas contidas num dado volume. Outros são ditos imponderáveis, porque para nós não têm peso e, seja qual for a quantidade em que se acumulem em outro corpo, não lhe aumentam o peso. Tais são: o calórico (5), a luz, a eletricidade, o fluido magnético ou do ímã; este último não passa de uma variedade da eletricidade. Conquanto imponderáveis, nem por isso esses fluidos deixam de ter um grande poder. O calórico divide os corpos mais duros, os reduz a vapor e dá aos líquidos evaporados uma força de expansão irresistível. O choque elétrico quebra árvores e pedras, curva barras de ferro, funde os metais, atira ao longe enormes massas. O magnetismo dá ao ferro um poder de atração capaz de sustentar pesos consideráveis. A luz não possui esse gênero de força, mas exerce uma ação química sobre a maioria dos corpos; sob sua influência operam-se incessantemente composições e decomposições. Sem a luz, os vegetais e os animais se estiolam, os frutos não têm sabor nem coloração.
III
Todos os corpos da Natureza, minerais, vegetais, animais, animados ou inanimados, sólidos, líquidos ou gasosos, são, pois, formados dos mesmos elementos, combinados de maneira a produzir a infinita variedade dos diferentes corpos. Hoje a Ciência vai mais longe; suas investigações pouco a pouco a conduzem à grande lei da unidade. Agora é geralmente admitido que os corpos reputados simples não passam de modificações, de transformações de um elemento único, princípio universal designado sob os nomes de éter, fluido cósmico ou fluido universal, de tal sorte que, segundo o modo de agregação das moléculas desse fluido, e sob a influência de circunstâncias particulares, adquire propriedades especiais, que constituem os corpos simples; estes, combinados entre si em diversas proporções, formam, como dissemos, a inumerável variedade de corpos compostos. Segundo esta opinião, o calórico, a luz, a eletricidade e o magnetismo também não passariam de modificações do fluido primitivo universal. Assim esse fluido, que com toda probabilidade é imponderável, seria ao mesmo tempo o princípio dos fluidos imponderáveis e dos corpos ponderáveis.
A Química nos faz penetrar na constituição íntima dos corpos; mas, experimentalmente falando, não vai além dos corpos considerados simples; seus meios de análise são impotentes para isolar o elemento primitivo e determinar a sua essência. Ora, entre esse elemento em sua pureza absoluta e o ponto onde pára as investigações da Ciência, o intervalo é imenso. Raciocinando por analogia, chega-se à conclusão de que entre esses dois pontos extremos, esse fluido deve sofrer modificações que escapam aos nossos instrumentos e aos nossos materiais. É nesse campo novo, até aqui vedado à exploração, que vamos tentar penetrar.
IV
Até agora só se tinham idéias muito incompletas sobre o mundo espiritual ou invisível. Imaginavam-se os Espíritos como seres fora da Humanidade; os anjos também eram criaturas à parte, de uma natureza mais perfeita. Quanto ao estado das almas depois da morte, os conhecimentos não eram mais positivos. A opinião mais geral fazia deles seres abstratos, dispersos na imensidade e não tendo mais relações com os vivos, a não ser que estivessem, segundo a doutrina da Igreja, nas beatitudes do céu ou nas trevas do inferno. Além disso, como as observações da Ciência não vão além da matéria tangível, resulta um abismo entre o mundo corporal e o mundo espiritual, que parecia excluir toda comparação.
É este abismo que novas observações e o estudo de fenômenos ainda pouco conhecidos vêm encher, ao menos em parte.
O Espiritismo nos ensina, de saída, que os Espíritos são as almas dos homens que viveram na Terra; que progridem incessantemente, e que os anjos são essas mesmas almas ou Espíritos chegados a um estado de perfeição que os aproxima da Divindade.
Em segundo lugar, ensina-nos que as almas passam alternadamente do estado de encarnação ao de erraticidade; que neste último estado elas constituem a população invisível do globo, ao qual ficam ligadas até que tenham adquirido o desenvolvimento intelectual e moral que comporta a natureza deste globo, depois do que o deixam, passando a um mundo mais adiantado.
Pela morte do corpo, a Humanidade corporal fornece almas ou Espíritos ao mundo espiritual; pelos nascimentos, o mundo espiritual alimenta o mundo corporal; há, pois, transmutação incessante de um no outro. Esta relação constante os torna solidários, pois são os mesmos seres que entram no nosso mundo e que dele saem alternadamente. Eis um primeiro traço de união, um ponto de contato, que já diminui a distância que parecia separar o mundo visível do mundo invisível.
A natureza íntima da alma, isto é, do princípio inteligente, fonte do pensamento, escapa completamente às nossas investigações; mas agora se sabe que a alma é revestida de um envoltório ou corpo fluídico, que dela faz, depois da morte do corpo material, como antes, um ser distinto, circunscrito e individual. A alma é o princípio espiritual considerado isoladamente; é a força atuante e pensante, que não podemos conceber isolada da matéria senão como uma abstração. Revestida de seu envoltório fluídico, ou perispírito, a alma constitui o ser chamado Espírito, como quando está revestida do envoltório corporal, constitui o homem. Ora, se bem que no estado de Espírito goze de propriedades e de faculdades especiais, não deixou de pertencer à Humanidade. Os Espíritos são, pois, seres semelhantes a nós, já que cada um de nós se torna Espírito após a morte do corpo, e cada Espírito se torna homem pelo nascimento.
Esse envoltório não é a alma, pois não pensa: é apenas uma vestimenta; sem a alma, o perispírito, assim como o corpo, é uma matéria inerte privada de vida e de sensações. Dizemos matéria, porque, com efeito, o perispírito, embora de natureza etérea e sutil, não deixa de ser matéria, como os fluidos imponderáveis e, além disso, matéria da mesma natureza e da mesma origem que a mais grosseira matéria tangível, como logo veremos.
A alma não reveste o perispírito apenas no estado de Espírito; é inseparável desse envoltório, que a segue na encarnação, como na erraticidade. Na encarnação, é o laço que a une ao envoltório corporal, o intermediário com cujo auxílio age sobre os órgãos e percebe as sensações das coisas exteriores. Durante a vida, o fluido perispiritual identifica-se com o corpo, penetrando todas as suas partes; com a morte, dele se desprende; privado da vida o corpo se dissolve, mas o perispírito, sempre unido à alma, isto é, ao princípio vivificante, não perece; apenas a alma, em vez de dois envoltórios, conserva apenas um: o mais leve, o que está mais em harmonia com o seu estado espiritual.
Embora esses princípios sejam elementares para os espíritas, era útil lembrá-los para a compreensão das explicações subseqüentes e a ligação das idéias.
4 N. do T.: No original: phénomène de la végétation.
5 N. do T.: Allan Kardec valia-se da teoria do calor, em voga no século XIX, segundo a qual o calórico seria o fluido responsável pelos fenômenos térmicos.
5 N. do T.: Allan Kardec valia-se da teoria do calor, em voga no século XIX, segundo a qual o calórico seria o fluido responsável pelos fenômenos térmicos.
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