Tradução de Evandro Noleto Bezerra.
FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA.
Aristocracia vem do grego aristos, o melhor, e kratos, poder. Em sua acepção literal, portanto, aristocracia significa: poder dos melhores. Não há como negar que o sentido primitivo tem sido por vezes singularmente deturpado; vejamos, porém, que influência o Espiritismo pode exercer na sua aplicação. Para esse efeito, tomemos as coisas no ponto de partida e acompanhemo-las através das idades, a fim de deduzirmos daí o que acontecerá mais tarde.
Em tempo algum, nem no seio de nenhum povo, os homens, em sociedade, puderam prescindir de chefes, razão pela qual os encontramos mesmo nas tribos mais selvagens. Isto decorre da existência de homens incapazes, que precisam ser dirigidos, homens fracos que reclamam proteção, paixões que exigem repressão, em virtude da diversidade das aptidões e dos caracteres inerentes à espécie humana. Daí a necessidade imperiosa de uma autoridade. É sabido que, nas sociedades primitivas, essa autoridade foi conferida aos chefes de família, aos antigos, aos anciãos; numa palavra: aos patriarcas.
Essa foi a primeira de todas as aristocracias. Como as sociedades se tornassem numerosas, a autoridade patriarcal veio a ficar impotente em certas circunstâncias.
As querelas entre povoações vizinhas deram lugar a combates; foi preciso, para dirigi-las, não mais os velhos, porém homens fortes, vigorosos e inteligentes; daí os chefes militares.
Vitoriosos, estes chefes foram investidos da autoridade, esperando os seus comandados que com a valentia deles estariam garantidos contra os ataques dos inimigos.
Muitos, abusando da posição que ocupavam, se apossavam dela por si mesmos.
Depois, os vencedores passaram a impor-se aos vencidos ou os reduziram à escravidão. Daí a autoridade da força bruta, que foi a segunda aristocracia.
Os fortes, com os bens que possuíam, transmitiram muito naturalmente a seus filhos a autoridade de que desfrutavam, de modo que os fracos, nada ousando dizer, se habituaram pouco a pouco a ter esses filhos por herdeiros dos direitos que os pais haviam conquistado e a considerá-los seus superiores.
Veio assim a divisão da sociedade em duas classes: a dos superiores e a dos inferiores, a dos que mandam e a dos que obedecem; daí, por conseguinte, a aristocracia do nascimento, que se tornou tão poderosa e preponderante quanto a da força, porquanto, se não tinha a força por si mesma, como nos primeiros tempos, em que cada um devia fazer o sacrifício da sua pessoa, dispunha de uma força mercenária.
Na posse de todo o poder, ela naturalmente invocou a si todos os privilégios.
Para a manutenção de tais privilégios, era necessário que lhes dessem o prestígio da legalidade; ela então fez leis em seu próprio proveito, o que lhe era fácil, visto que ninguém mais as fazia. Como isto, entretanto, não bastasse, juntou aos privilégios o prestígio do direito divino, a fim de torná-los respeitáveis e invioláveis.
Para lhes assegurar o respeito das classes submetidas, que se tornavam cada vez mais numerosas e mais difíceis de ser contidas, mesmo pela força, só havia um meio: impedi-las de ver claro, isto é, conservá-las na ignorância.
Se a classe superior tivesse sido capaz de manter a classe inferior sem se ocupar com coisa alguma, tê-la-ia governado facilmente durante longo tempo ainda; mas, como a segunda fosse obrigada a trabalhar para viver, e trabalhar tanto mais quanto mais premida se achava, resultou que a necessidade de encontrar incessantemente novos recursos, de lutar contra uma concorrência invasora, de procurar novos mercados para os produtos, lhe desenvolveu a inteligência e fez com que as próprias causas, de que os da classe superior se serviam para trazê-la sujeita, a esclarecessem. Não se vê aí o dedo da Providência?
A classe submetida viu as coisas com mais clareza; viu a fraca consistência que lhe opunham e, sentindo-se forte pelo número, aboliu os privilégios e proclamou a igualdade perante a lei.
Este princípio marcou, no seio de certos povos, o fim do reinado da aristocracia de nascimento, que passou a ser apenas nominal e honorífica,visto que já não confere direitos legais.
Erigiu-se então uma nova potência – a do dinheiro – porque com dinheiro se dispõe dos homens e das coisas. Era um sol nascente diante do qual todos se inclinaram, como outrora se curvavam mais baixo ainda diante de um brasão.
O que não se concedia ao título concedia-se à riqueza e a riqueza teve igualmente seus privilégios.
Logo, porém, perceberam que, para conseguir a riqueza, precisavam de certa dose de inteligência, não sendo necessária muita para herdá-la, e que os descendentes são quase sempre mais hábeis em consumi-la do que em ganhá-la; perceberam, além disso, que os próprios meios de enriquecimento nem sempre são impecáveis, de modo que o dinheiro foi perdendo pouco a pouco o seu prestígio moral, tendendo essa potência a ser substituída por outra, por uma aristocracia mais justa: a da inteligência, diante da qual todos podem curvar-se, sem se envilecerem, porque ela pertence tanto ao pobre quanto ao rico.
Nenhum comentário:
Postar um comentário