[...] “ Ao me levantar, pela manhã, eu não me animava a tomar café: fixava esperando a primeira surra do dia. Depois, sim, tomava meu café com aquela alegria de já haver pago uma parcela ”
E as surras vinham sempre acompanhadas do mesmo refrão:
“ Esse menino está como diabo no corpo. ”
“ Quero ir embora daqui, mamãe. Só vivo apanhando...”
A mãe recomendou-lhe paciência:
“ Quem não sofre não aprende a lutar.”
“ Minha madrinha diz que estou com o diabo no corpo...”
“ Não se importe. Tudo passa e, se você tiver paciência, Jesus nos ajudará para ficarmos sempre juntos.”
[...] Ana Batista examinou a ferida e, com sua sabença irretorquível, concluiu:
“ Aqui só uma simpatia vai dar resultado.”
“ Como é essa simpatia?”, indagou dona Rita. Assumindo um ar ainda mais sério, a velha benzedeira ensinou:
“ A ferida precisa ser lambida por uma criança, em jejum, durante três sextas-feiras seguidas.”A princípio, até dona Rita achou a idéia meia absurda. Mas logo concordou:
“ Chico serve?”
“ Chico é aquele menino aluado, que mora em sua casa? Serve sim.”
Esse diálogo ocorreu numa quinta-feira, pela manhã. À tarde, Chico já sabia da estranha missão que lhe estava reservada para o dia seguinte. Ao se dirigir à sombra das bananeiras, onde costumava orar, encontrou o Espírito de sua mãe. Chorando, contou-lhe tudo.
“ Você deve obedecer, meu filho.”
“Então, devo lamber a ferida do Moacir?”
“É melhor lamber feridas do que causar aborrecimentos aos outros. Obedeça à sua madrinha.”
“ E isso vai sarar a perna do Moacir?”
“ Não, pois não é remédio. Mas seja humilde, meu filho. Se você ajudar a lamber a ferida, nós faremos o remédio para a cura.”
[...] Muitas vezes, durante as aulas. Chico ouvia vozes de Espíritos, ou sentia mãos sobre as suas, guiando-lhe os movimentos na escrita, sem que os demais alunos percebessem.“
Isso me criava muitos constrangimentos.”
“ Dona Rosária Laranjeira era católica fervorosa e começou a assustar-se com minhas composições.”
Chico pediu, então, licença à professora. Levantou-se, aproximou-se do estrado sobre o qual ficava a cadeira de D. Rosária e lhe disse, em voz baixa:
“ Dona Rosária, perto de mim está um homem, ditando o que devo escrever.”
Mulher compreensiva, que “tinha a virtude da caridade”, segundo Chico, ela perguntou, também em voz baixa:
“ O que o homem está mandando você escrever?”
Chico repetiu a frase: “ O Brasil, descoberto por Pedro Álvares Cabral, pode ser comparado ao mais precioso diamante do mundo, que logo passou a ser engastado na coroa portuguesa...”
[...] Algumas semanas depois, a Secretaria de Educação de Minas divulgava os resultados do concurso, disputado por milhares de estudantes de todo o Estado; Chico Xavier recebera menção honrosa.Os colegas começaram a espalhar o boato de que Chico havia copiado o trecho premiado de algum livro. Outros se recusavam a duvidar da sua honestidade. As opiniões dividiam-se. Havia os que acreditavam em seus dons, se não mediúnicos, mas pelo menos literários. Um dia, um colega desafiou-o: “Já que sua aprova fora ditada por uma pessoa do outro mundo, por que esse homem não reaparecia, dispondo-se a escrever a respeito de algum assunto proposto pelos próprios colegas?”
No exato momento do desafio, Chico viu o Espírito, que se dizia pronto a escrever. Comunicado o fato à professora, dona Rosaria hesitou. A pressão dos colegas, no entanto, era irresistível. E ela concordou que Chico fosse a quadro-negro e escrevesse diante de todos.
“ Qual é o tema?” , indagou um dos alunos. Uma outra, cujo pai construía então uma casa, sugeriu que fosse areia. Todos riram, considerando a areia uma coisa desprezível. Mas o tema foi mantido.Logo, Chico pôs-se a escrever no quadro-negro o que o Espírito ia lhe ditando: “ Meus filhos, ninguém escarneça da criação. O grão de areia é quase nada, mas parece uma estrela pequenina refletindo o sol de Deus...”
[“ A composição foi escrita com muitas idéias que eu seria incapaz de conceber nos meus 12 anos de idade.”]
A partir de então, dona Rosária proibiu que se fizesse qualquer comentário, na sala de aula, a respeito de pessoas invisíveis.
[...] A sessão começou tranqüila. Um Espírito incorporou-se em Chico e pôs-se a orientar Seu Manoel sobre os trabalhos:“ Meu irmão, se algum Espírito perturbador se apossar do médium, aplique-lhe o Evangelho sem vacilar.”
Seu Manoel prometeu obedecer à ordem. De repente, Chico começou a dar todos os sinais de estar possuído por uma entidade perturbadora. O homem não hesitou, apanhou sua pesada Bíblia e pôs-se a socá-la sem parar na cabeça de Chico exclamando com veemência:
“ Tome Evangelho! Tome Evangelho!”
Durante seis dias, Chico teve de ficar de repouso, a fim de curar o torcicolo provocado pelas pancadas evangélicas de Seu Manoel.
[...] Chico recorda-se com especial carinho de um poema psicografado por esta época:
“ Lembro-me de um soneto intitulado Nossa Senhora da Amargura. Se não me engano, foi publicado no Almanaque de Lembranças, de Lisboa, na edição de 1931. Eu estava em oração, certa noite, quando se aproximou de mim o espírito de uma jovem, irradiando intensa luz. Pediu papel e lápis, e escreveu o soneto a que me referi. Ela chorava tanto ao escrevê-lo, que eu também comecei a chorar, de emoção, sem saber, naquele momento, se meus olhos eram os dela ou se os olhos dela eram os meus.”
Mais tarde, através de Emmanuel, Chico soube que se tratava do Espírito de Auta de Souza.História talvez única nos anais da Justiça brasileira foi aquele ocorrida em Goiânia, Goiás, em julho de 1979. Se necessitássemos e um titulo fantástico, com os toques à lá Gabriel García Márquez, não hesitaríamos em optar por A Incrível História de um Réu Absolvido pela Mensagem de um Morto.O caso começou três anos antes, quando, sem qualquer motivo, um estudante, de 18 anos, assassinou seu melhor amigo. O crime provocou polêmica. Parecia a todos bárbaro e frio. O assassino, porém, jurava sua absoluta inocência. Era primário. E sempre fora um jovem de boa conduta.Para complicar as coisas, o crime ocorrera sem testemunhas. Afinal, marcou-se a data do julgamento. Neste entretempo, chegou ao juiz encarregado do processo uma mensagem psicografada por Chico Xavier. Nela, o rapaz assassinado, Mauricio Garcez Henrique, isentava o amigo de qualquer culpa. O disparo fora acidental. E os dados eram tão precisos, com detalhes tão irrefutáveis, que o juiz absolveu o réu, numa decisão provavelmente inédita no país – e talvez até no mundo.
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